A harmonia entre o afeto e a severidade na pessoa de Dona Lucilia, manifestada por ela ao formar seus filhos, muito contribuiu para que Dr. Plinio um dia compreendesse melhor a insondável e superior clemência de Maria Santíssima.

Na ordem moral, os dois legados mais preciosos que minha mãe me deixou foram, de um lado, a bondade, e de outro, a severidade sábia.

“Quando nos corrigia, fazia-o porque havíamos transgredido um princípio; se algum interesse pessoal dela estava em jogo, permanecia quieta”

Fotos: Arquivo revista
Dona Lucilia em 1912, em Paris; Plinio com seu traje de marinheiro

Nunca uma censura por irritação pessoal

Com efeito, em toda a medida do razoável, ela demonstrava uma bondade imensa, inclusive na hora de admoestar a mim ou a outro por algo de errado que tivéssemos feito. A censura era logo seguida de um perdão, de uma indulgência repassada de suavidade, sem qualquer reclamação caso o mau ato houvesse atingido a ela. Nunca, no momento de nos corrigir, entrava a reivindicação de um direito dela transgredido; não eram pitos decorrentes de uma irritação pessoal, mas sempre por causa de um princípio ofendido, como, por exemplo, o da autoridade materna. Contudo, no que dizia respeito aos seus próprios interesses, manifestava invariável paciência e se mantinha quieta, como se nada a tivesse contrariado.

Antes de querer bem à mãe, amar os princípios

A par da bondade, porém, não posso me esquecer da seriedade no olhar de Dona Lucilia ao nos repreender, a sua compenetração de que era preciso fazer prevalecer um princípio, e sua convicção de que, se eu não conformasse minha vida com aqueles princípios, meu valor aos olhos dela seria menor. Quer dizer, ela esperava ver em mim o filho que, antes de querê-la bem, amasse e observasse os ditames morais que deviam ser obedecidos e amados.

Fotos: Arquivo revista

“Só três medalhas?”

Além do olhar sério, suas palavras também exprimiam a sabedoria e a gravidade inerentes à atitude materna de corrigir e formar um filho. Embora, como disse, nessas correções o carinho não estivesse ausente, a intransigência dela em relação a algum relaxamento meu se mostrava inteira, como pude comprovar num dos marcantes episódios de minha infância, quando ainda aluno do Colégio São Luís.

Certo ano, no apogeu de meu desempenho estudantil, recebi quatro medalhas na festa de distribuição de prêmios, à qual mamãe não costumava comparecer. Como até hoje acredito fazerem os alunos premiados, voltei para casa — ainda me lembro — vestido com roupa de marinheiro, ostentando alegre e ingenuamente os distintivos de meus triunfos escolares. Ao me ver chegar, Dª Lucilia me recebeu com intensas efusões de afeto e contentamento pela aplicação do filho.

No ano seguinte, porém, retornei com apenas três medalhas… Mamãe me acolheu na porta de casa, olhou para meu peito e disse:

— Só três?

Havia no seu tom de voz aquela intransigência da censura materna:

— O que aconteceu para você decair?

Preparação para compreender a misericórdia de Maria

Mas, insisto, era uma correção intransigente mesclada com tanto afeto que não hesito em afirmar ter constituído essa postura de Dª Lucilia uma preparação para eu compreender a superior e insondável misericórdia de Nossa Senhora. Tal idéia se vincou ainda mais no meu espírito quando, recentemente, pude contemplar a imagem da Mãe do Bom Conselho de Genazzano1.

Chamou-me muito a atenção a inteira intimidade do Menino Jesus com Nossa Senhora, refletida até no modo pelo qual Ele envolve com o braço o pescoço d’Ela. E essa efusão de carinho me trouxe à lembrança a intimidade que eu tinha com minha querida e saudosa mãe, feita de respeito, cheia de admiração, cumulada de veneração e de ternura, mas verdadeira intimidade.

“Não sei se eu teria compreendido tanto a clemência da Mãe do Bom Conselho, se não fosse o exemplo de bondade e intransigência afetuosa que conheci em Dona Lucilia”

J. S. Dias
Afresco da Mãe do Bom Conselho de Genazzano, Itália; na página 8, Dona Lucilia em 1912, em Paris

E mamãe soube ser pequena, afável, meiga, quando eu era ainda um menino em tudo dependente dela. Por isso, desde os primeiros momentos em que comecei a articular palavras, eu a chamei de “mãezinha”, e por não saber falar direito, eu dizia “manguinha”. Seja como for, era já a expressão da idéia do que havia nela de miúdo, de proporcionado ao filho pequeno, de exorável por mim, de compassivo para comigo. Essa era a noção que despertava em mim o contato com a mansidão e a bondade de Dª Lucilia.

Clemência para justos e pecadores

Bondade e mansidão inteiras que me ajudaram a compreender melhor a figura da Mãe do Bom Conselho, que expressa de maneira tão eloqüente a infatigável clemência de Maria.

Dir-se-ia fluir da imagem um mundo de misericórdias para a alma boa que a contempla, assim como para a alma do pecador que por Ela não se sente rechaçado nem desclassificado. Pelo contrário, o semblante materno e acolhedor de Nossa Senhora lhe incute ânimo e o faz se sentir amparado. Do olhar da Virgem se depreende um imenso teor de santidade, que convida e encoraja a alma presa de pecados a rezar o “Lembrai-Vos”, a Lhe dizer, gemendo sob o peso de suas culpas, que n’Ela confia e n’Ela espera a salvação. Maria Santíssima se mostra então acessível, e oferece ao pecador o contato com sua insondável bondade.

Entretanto, não sei deveras se eu teria compreendido assim essa manifestação de clemência da Mãe do Bom Conselho, se não fosse o exemplo de bondade séria e de intransigência afetuosa que me foi dado conhecer, ao longo de várias décadas, na pessoa de Dª Lucilia…

(Extraído de conferências em 6/5/1968 e 18/6/1968)

1) Dr. Plinio pronunciou essas palavras no início de 1968, poucos meses depois da grave crise de diabetes que o acometeu, obrigando-o a se submeter a uma delicada cirurgia. Ainda se convalescendo no hospital, recebeu ele de presente uma estampa da Mãe do Bom Conselho de Genazzano, cuja fisionomia lhe infundiu grande consolação (Cf. “Dr. Plinio” nº 117).