Como se comemora um aniversário no Céu?

Talvez a questão não esteja bem formulada. Comemora-se um aniversário no Céu?

Não o sabemos, mas nada impede que a resposta seja afirmativa.

O relacionamento com Deus, os perpétuos colóquios com o Altíssimo, a contemplação do Criador, constituem o principal “atrativo” celeste. Porém, haverá entre as almas justas, um verdadeiro convívio, muito mais atraente que o da terra?

Segundo Santo Agostinho, “extrinsecamente, se pode dizer que [a criatura] é ajudada pelo fato de que, umas às outras se vêem e se alegram de sua companhia em Deus”1.

Diante disso, outra interrogação surge: neste alegrar-se com a companhia dos bem aventurados, os santos não podem se reunir para festejar algo?

Ora, no próximo dia 13 de dezembro se comemora o aniversário de Dr. Plinio. Mãe e filho se reunirão na eternidade para celebrar essa data como faziam na Terra?

“Os dias 13 de dezembro verdadeiramente movimentados eram os de minha infância, pois, no tempo de moço e homem feito, Dona Lucilia já estava com idade avançada e, naturalmente, a comemoração se reduzia muito.

“Apesar disso, mamãe comemorava muito mais o meu aniversário do que eu o dela, de maneira que o meu era mais festivo: havia no almoço e no jantar um menu redobrado.

“Os preparativos começavam com uma semana de antecedência — enquanto eu, numa vida muito atrapalhada, estava pensando em tudo menos no meu aniversário. Em geral, ela me avisava durante uma refeição:

“— Filhão, vai haver seu aniversario no dia 13 que está chegando.

“Eu caía das nuvens:

“— É verdade, tem meu aniversário.

“Ela então me perguntava:

“— O que você quer neste ano para o lanche de seu aniversário?

“Eu escolhia o que fosse mais cômodo para ela fazer, pois sabia ser de seu agrado preparar pessoalmente essa refeição. À medida que ela foi ficando mais idosa, a cozinheira começou a fazer quase tudo, mas ela é quem dava o tempero.

“Na realidade, para mim, a festa de aniversário não representava nada, além de uma ocasião para agradecer a Nossa Senhora os favores que me havia concedido. Mas, dar a mamãe a alegria de fazer a festa, era a razão de minha festa. Aliás, com todos os homens é assim: quando se tem mãe, a festa é mais para ela do que para o filho. No fundo, a festa de meu aniversário era uma festa para ela, a meu propósito.

“Mamãe concordava com minhas propostas e fazia indiretamente umas contrapropostas:

“— Você não preferia tal coisa ou tal outra?

“Em geral, era algo que ela sentia estar mais na proporção de suas forças.

“Eu concordava:

“— Muito boa idéia! Façamos assim.

“Evidentemente, eu tomava cuidado para que ela não pensasse ser uma resposta convencional. Às vezes eu fingia certa perplexidade, e dizia:

“— Vamos pensar… É verdade, a senhora tem razão, é uma boa idéia.

“Desse modo ela ficava inteiramente satisfeita, estava atendida, bem como ela queria.

“Começavam, então, os preparativos.

“No jantar de meu aniversário ela sempre mandava me servirem um pombinho, em recordação de nossa estadia no hotel de uma estação de curas na Alemanha, numa cidade chamada Wisbaden.

“Num almoço nesse hotel, serviram pombinhos e eu — sempre muito interessado em assuntos gastronômicos — comi vários deles, tendo manifestado uma alegria enorme. Nos dias subsequentes, quando o garçom entrava, eu já ficava esperando de longe, para ver se apareciam os pombinhos e, quando de fato vinham, eu dizia em voz alta:

“— Mamãe, mamãe, olhe lá! Pombinhos!

“Ela fazia sinal indicando que eu não devia proceder assim na sala de jantar de um hotel tão solene basta dizer que, no fundo do salão, havia uma mesa reservada para o Kaiser e as pessoas de sua corte…

“Nas comemorações de aniversário, era tradição entregar os presentes depois do jantar. Apareciam, então, alguns parentes e uns dois ou três amigos que costumavam frequentar minha casa. E, por volta de meia-noite, meia-noite e meia, mamãe oferecia um lanche com bolo de aniversário para todos os convidados.

“Dona Lucilia estava com a audição muito diminuída, de maneira que, durante muitos anos, ela ficava um pouco à margem da reunião. Mas prestava muita atenção no serviço, verificando se todos estavam bem atendidos, se tinham comido bastante, pois era o papel da dona-de-casa.

“Quando eu obtive para mamãe um aparelho de audição, começou para ela uma espécie de vida nova. Muito expansiva, Dona Lucilia voltou a tomar parte nas conversas e, então, as festas começaram a significar, novamente, muito mais para ela.

“Essa era a nossa despretensiosa vida comum, mas que, para mim, era um tesouro com valores sem nome!

“Assim foi até o último dia 13 de dezembro, antes da sua morte. Depois tudo isso cessou. A morte de mamãe acabou com os ‘13 de dezembro’ em minha casa, e as festas domésticas terminaram.

“Eu acredito bem que, para ela, seja festa no Céu.”

(Extraído de conferências de 22/11/82 e 22/4/93)

1) Apud Suma Teológica. II q.5 a.8