Para muitos, a seriedade pode soar como algo antipático e, portanto, deve ser evitada. Porém, isto se trata de um engano decorrente de uma falsa concepção, pois a verdadeira seriedade deve caracterizar a alma de todo católico. Desta seriedade amena e afetuosa estava profundamente imbuída a alma de Dona Lucilia.

Em geral, quando se diz de uma pessoa ser muito séria, é um elogio. Entretanto, esse elogio comporta certa restrição: o indivíduo sério, não raras vezes é tido por carrancudo e sem benevolência. Ele não perdoa e não transige, lembrando-se facilmente das más atitudes por ele presenciadas. Torna-se então desagradável o trato com ele, pelo eventual aborrecimento que possa causar.

Assim, o contato com esse indivíduo é, por um aspecto, edificante, devido à retidão de alma demonstrada, convidando também aos outros para tal. De outro, lado porém, ao desejar a prática do bem por parte de todos, intimida aos que não desejam ser direitos.

Por isso, onde há alguém que continuamente obriga e estimula a observância da integridade, não é raro notar que as pessoas dele se afastam. Mesmo na experiência quotidiana é possível observar esse fato.

Temperante convicção

Embora fosse uma pessoa eximiamente séria, Dona Lucilia sempre possuiu um modo cordial e afetuoso no trato para com os outros. E quando algum conhecido narrava a ela uma ação praticada de maneira incorreta, não era sem torrentes de carinho e afabilidade que ela fazia notar a inconveniência de tal ato e de suas consequências.

Resultando de uma convicção temperante e profunda, todas as atitudes por ela tomadas, por conseguinte eram sérias também. Quando estava realmente persuadida de que um princípio era verdadeiro, nunca agia de modo a contrariar esse princípio.

Isto era uma máxima que não se abalava em seu espírito.

Em decorrência, ela pedia às pessoas uma correção exímia no que faziam. E quando alguém tomava uma atitude censurável, caso dependesse dela, ela corrigia; caso não, ela possuía um modo de passar aquilo sob silêncio, por onde, amenamente, a pessoa notava que não havia sido agradável.

Entretanto, se algo ela não tinha era carranca, porém deixava entendido que o erro não seria tolerado.

Respeito e admiração

Decorrente desse modo de ser, Dona Lucilia tomava profundamente a sério as coisas mais respeitáveis. E, para ela, o que havia de mais sério era a Religião. Logo, ela não tomava nada tão a sério quanto as coisas da Igreja.

E se a Religião Católica indica que o Papa é o chefe visível da Igreja, representante sensível de Nosso Senhor Jesus Cristo e sucessor de São Pedro, ela aceitava sem reservas, compreendendo que era necessário ter, em relação a ele, todas as disposições de alma que se deve ter para com quem representa o próprio Cristo entre os homens.

O Divino Espírito Santo dirige a Igreja, Deus dirige a Igreja, mas não é visto. O Papa, entretanto, é o chefe visível da Igreja de Deus; então, a ele, Dona Lucilia devotava todo o seu respeito e sua admiração.

Pelo fato de possuir corpo, o homem necessita de símbolos para completarem no seu espírito a ação dos princípios e da doutrina.

Com esse feitio de espírito, que graças a Deus recebi dela, eu não poderia deixar de haurir também aquilo que havia de veneração ao Príncipe dos Apóstolos, o Papa, sucessor de São Pedro. Ela o considerava e o venerava sumamente.

Nunca se referia de modo a criticar qualquer atitude tomada pelo Romano Pontífice. Ao contrário, aprazia-lhe contar fatos em que as pessoas destes ou daqueles Papas tinham praticado notoriamente as virtudes, a fim de incentivar em seus próximos o amor ao Papado, seguindo incondicionalmente todas as regras ditadas pelo Santo Padre.

Séria também para com o filhão…

No dia de minha formatura na Faculdade de Direito, ocasião em que os estudantes usavam fraque e cartola para a cerimônia, lembro-me de um fato que me impressionou profundamente pela seriedade de Dona Lucilia. A formatura realizou-se no prédio da faculdade. As famílias dos que se formavam compareciam inteiras ao salão nobre, grande e de boa aparência, da própria faculdade, para a realização de tal cerimônia. Todos os docentes com becas, numa atitude muito solene. Eram chamados, um a um, os vários alunos, e entregava-se o diploma.

Tive eu também que mandar fazer meu fraque. Entretanto, por não considerar nada agradável o fato de experimentar as novas roupas, para que o alfaiate com alfinetes e giz pudesse tomar as medidas correspondentes, adiei um tanto a encomenda do fraque.

Resultou daí que o alfaiate prometeu aprontar o fraque para o dia estrito da formatura, e não para os dias anteriores, como se costuma fazer.

Na manhã do dia da formatura, o fraque ainda não estava pronto. Mamãe não me indagou, e também eu evitei estar próximo dela, pois certamente ficaria muito apreensiva caso soubesse que o fraque não estava pronto. Particularmente, a formatura não era o que mais me preocupava, pois já possuía o título e podia advogar.

Não vem o seu fraque?

Entretanto, não era desta forma que ela considerava o fato. Sendo a formatura uma grande solenidade, elevada, ela entendia que todos deviam prestigiar e, portanto, também eu tinha obrigação de estar presente em tal evento. Dar à formatura uma importância secundária não era uma atitude séria.

Resultado: ela com certa angústia perguntou-me:

— Mas não vem o seu fraque, filhão?

— Mamãe, o fraque já chega. A senhora pode entrar no automóvel com minha irmã e meu pai, e seguem para a Faculdade de Direito. Eu os alcanço lá.

Notei que ela não ficou muito agradada, entretanto não podia fazer outra coisa. Achou melhor, então, dirigir-se para a faculdade a fim de arranjar um lugar para sentar-se, pois ela padecia um incômodo nos pés, devido a sua idade, que lhe impedia de permanecer em pé por muito tempo. Então, seguiu.

Por longo tempo esperei, porém o fraque não chegava. O que acontecera durante esse tempo, nem sequer cheguei a imaginar.

Aparente normalidade

Afinal de contas o fraque chegou. Eu vesti depressa, tomei um automóvel e rumei para a Faculdade de Direito. Quando lá cheguei — a sala da formatura era um pouco longa —, achei pelo ambiente que a cerimônia estava terminando. Fui apressadamente até à entrada da sala para ver se ainda chegava a tempo. Quando entrei, o secretário da faculdade, que lia os nomes dos alunos, estava no penúltimo nome. O último nome seria o meu, pois eles haviam me chamado, mas como não respondesse, deixaram-me então para o fim.

Afinal, apresentei-me e ele chamou:

— Plinio Corrêa de Oliveira.

— Presente!

Dona Lucilia fitou-me, com olhar alegre, enquanto fui até a frente para receber o diploma. Dirigi-me então até ela para receber seus cumprimentos, como também da família toda, e saímos. Durante todo o tempo da volta e das comemorações, ela permaneceu inteiramente normal.

M. Shinoda
Anônimo

Pelo amor de Deus, nunca repita isso

Ao chegar em casa, Mamãe voltou-se a mim dizendo:

Anônimo

— Plinio, precisaria dizer uma palavra a você em particular. Venha comigo ao meu quarto.

O quarto dela, porém, era na parte mais interna da casa, depois de um corredor. Era um apartamento que ela possuía ali.

Eu a segui, e ela nada me disse, mantendo um ar de normalidade. Tive o receio de que fosse algum drama de família, ou algo semelhante. Entrei, ela fechou a porta a chave, e permaneci intrigado por desconhecer a razão daquele ato.

Então, Mamãe ajoelhou-se diante de mim, atitude que nunca tomara na vida. O contrário é normal, o filho por uma razão especial ajoelhar-se diante de sua mãe para receber a bênção dela, por exemplo. Mas uma mãe ajoelhar-se diante do filho, dir-se-ia que não tem propósito.

Então, compreendi profundamente como ela tomava a sério as menores coisas da vida.

Ajoelhada diante de mim, Dona Lucilia disse o seguinte:

— Pelo amor de Deus, mas pelo amor de Deus, você tem de prometer que nunca virá a repetir um atraso como este. Seja pontual nas coisas, e faça tudo com compenetração.

— Mas mamãe… A senhora me vê chegar sempre um tanto impontual e nunca fica apreensiva, até um ou outro brinca comigo diante da senhora, a senhora sorri e não se incomoda — os parentes brincavam muito comigo porque eu vivia atrasado — e nesse caso a senhora vai tomar a sério? Meu bem, levante-se — e quis ajudá-la a levantar.

— Não me levanto enquanto você não me prometer.

— Mas não posso prometer uma coisa dessas, pois é uma mudança completa nos meus hábitos. Faz parte de meu temperamento deixar que as coisas fluam, sem me preocupar.

Depois disse para ela, pois era uma forma de fazer um amável gracejo:

— É meu sangue Ribeiro dos Santos que faz isso.

Ribeiro dos Santos era a família dela. Então, dava a entender que era herdado da família dela. Eu disse com respeito e até com carinho, mas disse. Entretanto, ela me respondeu:

— Ou você me promete, ou nunca mais eu quererei obrigar você a fazê-lo…

— Então, faremos uma coisa. Prometo à senhora que em todas as ocasiões graves e gravíssimas nunca me atrasarei. Porém depois a senhora me explica a razão pela qual não devo me atrasar.

— Durante todo o tempo, sua irmã e eu ficamos na aflição de que um automóvel houvesse se chocado com você pelo caminho, deixando-o morto ou esticado numa esquina. Isso por você ter atrasado a encomenda de um fraque. Está errado, você não deveria agir dessa forma.

Assim como, analisando o voo do falcão, percebemos uma série de qualidades morais do homem nele simbolizadas, o cerimonial dá ao homem a compenetração das verdades e dos princípios abstratos nele contidos.

Sempre as consequências mais profundas

Eu a acariciei e prometi que nas ocasiões de grande gravidade jamais me atrasaria.

As circunstâncias ou a Providência quiseram algo diferente. Eu sofri um desastre de automóvel — dir-se-ia que talvez ela previa esse perigo —, porém tal fato não se deveu a atraso nenhum. Lembro-me de ter chegado à hora, para embarcar no automóvel, então ele seguiu seu curso; o desastre ocorreu por outras razões.

Então, eu compreendi como Mamãe discernia nas coisas suas consequências mais profundas, o mal que podiam produzir, e como se devia evitá-lo.

(Extraído de conferência de 1/ 7/ 1995)