Continuando seus comentários sobre o famoso Château de Vincennes, Dr. Plinio analisa a beleza de seus mais variados aspectos.

A contemplação das fotografias do Castelo de Vincennes dá-nos a ideia da beleza que, sem se cansar nem se repetir, entretanto se desdobra.

Ao lado da torre, encontramos uma construção bem posterior à Idade Média; perto delas está um caminhozinho, tão pacífico e pitorescamente irregular, junto ao fosso no qual outrora habitou o terror.

Neste castelo, as pedras de certa forma parafraseiam o dito de Rostand, em sua obra “Chantecler”, pois elas como que afirmam: “Ó História, sem a qual estas pedras não seriam senão pedras”. Essas pedras são relíquias históricas.


Fotos: F. Lecaros / H. Grados

Cortinado de folhagem – Sociedade orgânica

Numa das fotografias, observa-se um cortinado magnífico da folhagem, que de certa forma ilustra uma tese muito cara ao nosso Movimento: a da sociedade orgânica.

Dificilmente o mais caprichoso dos desenhistas, ou até dos paisagistas, imaginaria uma folhagem assim, constituindo essa cortina. Ora, na vegetação europeia há milhares de coisas semelhantes, totalmente imprevistas e que a natureza produz, simplesmente porque os homens não se meteram e a deixaram fazer o que ela quis. Ou seja, Deus ordenou essas criaturas de tal maneira que, pela vontade d’Ele e pelo jogo das causas segundas, elas produzem coisas lindas.

E uma das nossas teses é esta: nem tudo deve ser dirigido, planejado, organizado, mas precisa-se deixar que boa parte das coisas viceje por si mesma, tornando-se elas mais belas do que se fossem ordenadas. É precisamente o contrário do Estado totalitário.

Considerem a parte da muralha e da vegetação iluminada pelo Sol. Que modesta, mas magnífica beleza essa vegetação empresta à muralha construída pelos homens! Mas não houve um plano.

A fachada

A fachada é estupenda, monumental, eu diria: medieval! Nela há um pedestal para alguma imagem. Todas as imagens e ornatos antigos foram sendo arrancados com o tempo e, mais provavelmente, por crimes perpetrados pela Revolução. Mas a beleza ficou e se nota na seriedade doce, afável, pensativa e solene do castelo.

Vincennes é lindíssimo! O estilo é gótico, com enfeites de significado certamente heráldico. As ameias formam um unum com as torres ornamentais.

Vemos o fosso e a ponte, a qual, outrora, naturalmente foi levadiça. Podemos nos imaginar ali, observando a água, a ponte levadiça que desce, e a beleza dessas pedras banhadas pelo Sol. Idade Média! E alguns cruzados montados a cavalo ou, pelo menos — e quanto menos! —, alguns nobres e altivos mosqueteiros.

O telhado de ardósia azul…

Quero fazer um comentário de uma coisa muito mais banal, à qual nossos olhos de sul-americanos não estão habituados: a ardósia azul, que é uma verdadeira maravilha.

Sob certo aspecto, a capela parece tão frágil que quase se tem a impressão de ser uma bonbonnière. Mas as torres mostram sua força; causam a sensação de serem quase torres de batalha.

Não posso me convencer de que não seja possível fazer telhas de qualidades variadas e de cores lindas.

Aqui no Brasil há algo muito bonito; vi, por exemplo, em Pindamonhangaba — mas existem em vários outros lugares —, telhados de casas, que se prolongam muito além da parede, para proteger da chuva as pessoas que passam. A parte de baixo é feita de bonita porcelana antiga, e a de cima, de material próprio para escoar a água.

Não haveria um modo de pôr algo de porcelana na telha moderna? De fazer telhas de boa qualidade e fabulosamente bonitas? Nós, que inventamos tanta espécie de matéria plástica, não poderíamos fabricar telhas mais belas do que as feitas de terra? Quanta coisa linda não se faz por não haver vontade de fabricar o belo ou, mais diretamente, por haver desejo de não produzir o belo!

No Jardim América1 há uma casa entre média e pequena, com ardósias verdes, muito bonitas. As famílias daquele bairro são abastadas, mas essa não é uma casa rica. Quer dizer, não deve custar muito aquela ardósia.


A Capela

A capela é muito bonita! Notem a rosácea e o rendilhado de um alto triângulo, talvez símbolo da Santíssima Trindade, repetido pelo triângulo situado mais acima e atrás. Percebe-se algo da solenidade do interior.

Para dar vazão às águas da chuva, há alguns prolongamentos que ficam bonitos na construção.

Esta igreja é como um santo quis que ela fosse. Quer dizer, reflete inteiramente a alma dele e a ortodoxia da Igreja.

Sob certo aspecto, a capela parece tão frágil que quase se tem a impressão de ser uma bonbonnière. Mas suas torres mostram sua força; causam a sensação de serem quase torres de batalha.

A força está aliada à delicadeza, de modo extremo. É verdadeiramente estupenda! Observem a grande altura das janelas!

Todas as partes que terminam em pontas foram construídas para a consolidação do prédio, e proporcionam-lhe verdadeira beleza e leveza. Se essas pontas fossem retiradas, o edifício perderia enormemente. Realmente são lindíssimas, uma obra-prima!

No portal há grande número de esculturas. Examinando-as, percebe-se que cada uma dessas fisionomiasinhas tem sua expressão e seu valor artístico, às vezes muito marcante.

Talvez alguns desses vitrais sejam antigos. Se todos eles fossem inteiramente reconstituídos, teriam grande beleza. É bonito ver aquela enorme mancha de luz, a qual se repete no meio da sombra.

A renda de pedra é um deslumbramento!

Num dos vitrais as cores são claras, pois a luz do Sol entrava aos borbotões.

Que voo de espírito uma janela como essa ajuda a ter! É assim que se formam grandes almas.

Não sei se, em matéria de cores, foi inventado na História algo tão belo como os vitrais. Nem mosaicos, nem quadros, ou qualquer outra coisa me agradam tanto quanto o vitral.

Torreões

Consideremos a glória e a graça dos torreões. São torres edificadas sobre outras torres, para que o vigia pudesse, nos dias e nas noites de guarda, ver bem de longe se o inimigo se aproximava.

Dir-se-ia que o donjon se sente feliz por ter chegado tão alto e de respirar os ares puros dos locais elevados; alegre por ser superior àquilo que o rodeia, preside e ordena tudo, mas sem orgulho.


Quantas incertezas numa noite de vigia! Um grupo de luzes suspeitas se movimenta em direção ao castelo: seriam peregrinos que caminham, ou um exército? Passa uma nuvem, uma neblina, o vigia ora vê, ora não vê; que luta para observar tudo! Por fim, ele tem alegria quando o Sol se levanta e é substituído pelo soldado que vem começar a vigília diurna, tão mais leve e mais fácil.

As torres proporcionam, de certa forma, uma bonita lição a respeito do que há de nobilitante na desigualdade. Uma delas, tão mais alta do que a outra, está numa relação de rei para senhor feudal. Mas é uma honra para a menor estar perto da mais alta; uma delas como que cresce em altura; e a altura da última é ressaltada pela menor. É a nobre beleza do convívio entre desiguais.

Possui arcadas e, em cima, uma galeria, uma passagem com balaústres, nobres linhas altas, mas com qualquer coisa de festivo, que não era compatível com a seriedade medieval.

Nota-se o contraste dos dois estilos. A arcada redonda e a ponta medieval não combinam bem; a ponta conduz à vitória, mas o conjunto é tão alegre e festivo que o torreão fica meio esmagado.

O torreão sobressai de um modo especial, indicando um pouco o que nele existe de aventura.

Durante toda a minha vida tive vontade de morar num torreão. Residir numa torre, mas, dentro dela, dormir no torreão. Parecia-me que ouvir o uivar dos ventos do lado de fora seria uma verdadeira maravilha.

O Donjon

Observemos a altaneria, a força, mas com certo garbo, do donjon. Dir-se-ia que ele se sente feliz de ter chegado tão alto, e de respirar os ares puros dos locais elevados; alegre por ser superior àquilo que o rodeia, preside e ordena tudo, mas sem orgulho. Olhando-o, mesmo de longe, percebe-se que ele incute ideia de ordem, de tranquilidade, de bom senso, de lógica e de coragem.

Podemos imaginar sua estrutura interna: em cada andar havia um salão enorme, tendo ao centro uma coluna. As colunas de pedra, sobrepondo-se umas às outras, faziam a sustentação dos vários andares do edifício. E nos ângulos existiam saletas para diversas finalidades: oratório, quarto de dormir; e também saletazinhas, para uma audiência reservada, guarda de joias, de papéis etc.

E num desses torreões, o Duque de Beaufort2 olhando, por exemplo, o vasto panorama e planejando sua fuga.

Talvez um desses andares tenha sido utilizado para o fabrico da porcelana que deu origem às celebérrimas porcelanas de Sèvres.

Imaginemos São Luís morando em alguns ou todos os andares do donjon e, num desses ângulos, está seu oratório, no qual ele reza.

É o famoso donjon de Vincennes, uma verdadeira maravilha.

(Extraído de conferência de 16/2/1979)

1) Bairro da cidade de São Paulo.

2) Um dos chefes da Fronda. Foi preso no donjon de Vincennes em 1643, e de lá conseguiu fugir em 1648.