Dr. Plinio em outubro de 1992

Ao descrever a alternativa diante da qual as circunstâncias do apostolado o colocaram e cuja opção determinou os rumos de sua atividade como orador, Dr. Plinio ressalta o importante papel desempenhado pela prudência. O exercício desta virtude levou-o a elaborar um estilo de oratória que conduzia seus ouvintes a consonar com ele, fazendo vibrar fibras adormecidas em suas almas por meio de uma linguagem que evocava o mundo da tradição católica.

Há pessoas que têm uma natureza espontaneamente entretida, agradável, atraem a atenção porque são muito movimentadas, vivas.

Um dom que não foi dado a Dr. Plinio: ser engraçado

Tive um amigo que sabia fazer rir excelentemente. Era um homem bem inteligente, não muito lido, mas que possuía uma espécie de jogo de espelhos dentro da alma, de maneira que o pouco que ele lia refletia em zigue-zague indefinidamente em seu espírito. Esse homem lucrava muito com a leitura, e por ser, além disso, muito engraçado, as pessoas procuravam muito por ele.

Ora, eu notava que era completamente destituído dos dons naturais próprios para fazer rir. Eu não era engraçado. Mais ainda: o meu natural, tendente ao fleumático, me privava daquela vivacidade — que é um ornato, um dom, uma coisa muito agradável — pela qual a pessoa tem saídas inesperadas.

Eu quis muito ter esse dom, mas a Providência não me deu; o que me obrigava ainda mais a cultivar o meu próprio solo com o suor do meu rosto, quer dizer, cultivar o meu próprio espírito com dificuldade para conseguir esta comunicação, numa pista que fosse possível.

No trato com três categorias de inteligência nasce a arte de conversar

Os embalos zumbiam em torno de mim como motores. Como fazê-los parar? Como interessar os colegas de colégio por uma outra coisa? Não tardei em perceber que o problema se resolvia pela conversa.

Havia três categorias de inteligência. Uns eram tão pouco inteligentes que, para subirem a uma conversa de nível superior, precisavam fazer força. Esses eram influenciáveis por um contato comigo, na medida em que se pode falar de nível elevado na conversa de um menino.

Outros pertenciam a uma categoria média. Eles, por si, se misturavam com os inferiores com delícia, à maneira de um homem relaxado que encontra suas delícias em pôr chinelos. Os primeiros eram os psy-chinelos deles. Mas sua inteligência não era tão adormecida que, ouvindo falar perto deles de um tema superior, não prestassem uma certa atenção transitória.

E havia aqueles que eram bastante inteligentes e tinham uma espécie de vontade de tratar de um tema superior. Sentiam-se um tanto exilados entre os do meio-termo e os menos dotados de inteligência. Viviam transitando, então, de cá e de lá, misturavam-se com os outros porque não tinham os problemas, as barreiras de consciência que eu tinha. Mas eu percebia que, abordando-os com temas superiores, eles gostariam muito e nós poderíamos fazer uma rodinha tratando com certa frequência de determinados assuntos nos quais os médios começariam a prestar atenção.

Vejam como a pessoa se modela em pequenino! Era já um começo de ação psicológica, embora nunca em minha vida eu tenha pensado nisso.

Fazendo grupinhos dos mais inteligentes, que liam alguma coisa, começávamos espontaneamente a falar alto porque passávamos a discutir, e na discussão o menino tenta abafar a voz do outro. E eu, dotado de uma voz forte, nessa competição não perdia de ninguém!

Eu percebia que isto atraía a atenção dos medianos, os quais paravam um pouco e, entre duas chutadas na bola de futebol, iam ver o que se discutia e davam palpites. E eu, para aumentar minha influência, os recebia bem e me dirigia mais a eles, deixando-os contentes.

Eu conto essas coisas porque tudo isto é prudência. Prudência que faz avançar o estandarte da intelectualidade, portanto, do não embalo, porque a partir do momento em que a pessoa se põe a raciocinar, as máquinas do embalo descansam. Raciocínio e embalo não vão bem juntos.

Por um certo momento alguns meninos se desembalavam, e eu percebia os outros ficarem meio intimidados com a girândola que subia. E a atmosfera geral começava a mudar, creio eu, sem que os meus interlocutores mais inteligentes percebessem, entretanto, que havia uma intenção e um método para fazer aquilo acontecer daquela maneira.

Daí nasceu uma arte de conversar.

Tempo em que se apreciava a oratória

Nas suas linhas essenciais, assim foi meu procedimento até eu entrar para o Movimento Católico quando, além da conversa que continuei a praticar largamente — as primeiras aglutinações do “Legionário” foram feitas em torno de um grupo que fazia da conversa a sua atração —, começou a oratória. Notando a facilidade que eu tinha de conversar, surgiu entre meus interlocutores a ideia de que poderia, de repente, fazer um discurso potável. Então, o convite: “Você não quer fazer um discurso?”

Por toda a minha ancestralidade, eu era formado na escola do século XIX, segundo a qual uma das mais altas realizações de um homem era ser orador. Suponho que na geração atual não há mais essa ideia.

Apreciava-se muito, por exemplo, o pai de um político de que os presentes neste auditório devem ter ouvido falar, Carlos Lacerda1, ele mesmo orador para multidões. Chamava-se Maurício de Lacerda2 e pertencia a uma geração um pouco mais velha do que a de meus pais. Ele fazia discurso popular assim: nas ruas mal iluminadas de então, subia em um dos postes de iluminação pública e, com a luz do revérbero incidindo sobre o seu rosto, segurava-se com as pernas e falava…

Eu não saberia subir e, sobretudo, não conseguiria ficar em cima, ainda que sem fazer discurso…

E o Maurício de Lacerda levava atrás de si as multidões. Naquele tempo não havia televisão nem rádio, e as pessoas perambulavam pelas ruas um tanto sem ter o que fazer, nas noites quentes em que não é agradável ficar em casa. Em certo momento aparece numa esquina um homem de cabelos brancos ao vento, mas falando como se fosse um jovem, gesticulando e com as pernas agarradas ao poste… Naturalmente isso reunia gente, e havia casos em que o discurso terminava com passeata nas ruas, sendo ele carregado pelas pessoas.

Isso resultava em eleitorado… e todos percebem que vale muito mais do que um jornal. Um indivíduo que assistiu a essa cena, no dia seguinte conta para todos os amigos: “Vocês não sabem do discurso que Fulano fez ontem à noite! Vocês perderam…”

E o ser carregado pela multidão na pequena São Paulo, na pequena Rio, no pequeno Brasil de então, era uma grandeza cesárea. De onde, a importância da oratória.

Na oratória, um erro a evitar: o uso exagerado de superlativos

Então comecei a falar em público aqui, lá, acolá, e iniciou-se a oratória. Mas eu não tinha ainda me posto um problema para o qual minha atenção se voltou ao presenciar as reações do público.

A prudência levou-me a procurar arqueologicamente na mentalidade dos ouvintes fibras que ainda se identificavam comigo e fazê-las vibrar

Dr. Plinio durante uma conferência na década de 1970

Evidentemente eu não era o único a fazer uso da palavra, havia muitos congregados marianos que discursavam também. E durante um ano, pelo menos, ouvi discursos pronunciados por outros.

Eu acompanhava as reações do orador e dos ouvintes e notava que o auditório se enlevava com determinadas expressões formuladas segundo certo estilo convencional. Isto era acentuado por outra circunstância: o gosto do superlativo. Em vez de dizer, por exemplo, uma “bela panóplia”, eu poderia afirmar: “No centro do auditório há uma panóplia, tendo como ponto de convergência um escudo de um rubro vivo, um áureo leão e uma bordadura prateada. Várias alabardas em ponta, dela saem como raios.”

Assim está bom! Mas se eu, em vez de fazer uma descrição da panóplia, disser apenas que ela é linda, fica no vago. Então, para ver se meu auditório se comove, digo que ela é lindíssima; ninguém me segue porque as pessoas não sentiram isso que afirmei.

Quer dizer, o superlativo não arrasta ninguém, arrasta o vácuo. Quanto mais o orador se torna enfático, mais ele se isola porque está se entusiasmando com uma coisa que descreveu para si, mas não para os outros. E os oradores que eu presenciava eram amigos dos superlativos com um brilho artificial como o das lantejoulas, mas eu via que, apenas num primeiro momento, as pessoas gostavam.

Eu pensava: “Empregar esses superlativos desprezíveis, eu não faço. Como é que vou me arranjar?” É um problema…

Estávamos na época das atrozes perseguições religiosas no México. O governo fazia coisas horríveis contra os católicos daquele país, próprias a causar indignação. No Brasil os católicos reagiam promovendo abaixo-assinados, protestos, etc. E eu, congregado mariano há um ou dois anos, me entusiasmava também.

Conferência de Dr. Plinio na cidade do Rio de Janeiro em 1961
Dr. Plinio discursa no Teatro Municipal de São Paulo em 20/2/1965

Alguns oradores faziam, a respeito disso, discursos à maneira de uma locomotiva que disparasse de repente. Não se sentia nem sequer aquilo que — para utilizar a metáfora da locomotiva — seria como a partida de um trem de luxo, prestigioso, cuja velocidade aumentasse durante o percurso. Aquelas arengas me pareciam mais um trem de carga transportando lenha ou gado!

Eu percebia que eram formas de embalo. Tratava-se de gente “embalada” com temas diferentes dos que entusiasmavam meus anteriores companheiros, mas uns e outros eram impulsionados pelo embalo.

Um dilema solucionado com prudência

Eu ficava diante do seguinte dilema: Ou adoto esta nova forma de embalo para entrar neste circuito, ou encontro um estilo de oratória do qual eles gostem, mas que não tenha nada a ver com o embalo. Como fazer isto?

A solução estava em falar tendo em vista não aquilo que meus ouvintes aparentavam gostar de ouvir, mas um estado de espírito que, sem dar-se conta, eles possuíam. Assim, se eu conseguisse pronunciar um discurso que fizesse soar em suas almas algumas fibras adormecidas consonantes com as minhas, eu teria alcançado meu objetivo. Tratava-se da tese, em algo desenvolvida em meu livro “Revolução e Contra-Revolução”, de que na alma de todo verdadeiro católico há um medieval adormecido.

Então, se tomarem aquele discurso proferido por mim no Congresso Eucarístico3, notarão que a forma de sensibilidade despertada por ele não é a habitual do público do Vale do Anhangabaú. Mas aquele público era portador de uma longa tradição católica, lusitana, latina, europeia, que remontava a Dom Sebastião, às navegações, à guerra da Reconquista, a Dom Pelayo e a tantas outras coisas. E a linguagem por mim utilizada, sem ser medieval, visava a tocar — por assim dizer, com a ponta dos dedos — sonoridades que conduziam, preparavam para despertar essa tradição e tinham uma consonância com ela. É o mundo da tradição evocado e posto em vida por essa linguagem.

A prudência levou-me, portanto, a rejeitar a opção artificial de fazer um discurso que o auditório não acompanharia, e a procurar arqueologicamente na mentalidade dos ouvintes fibras que ainda se identificavam comigo e fazê-las vibrar.

A prudência é exatamente a virtude que dispõe a alma a escolher os meios adequados e pô-los em prática para alcançar os fins almejados. Eu tinha em vista esse fim; Nossa Senhora ajudou-me a atingi-lo, em alguma medida. Amem a prudência!

(Extraído de conferência de 11/7/1981)

1) Carlos Frederico Werneck de Lacerda (30/4/1914 – 21/5/1977). Jornalista e político brasileiro.

2) 1888 – 1959.

3) Realizado em 1942, na cidade de São Paulo.

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