Basílica de São Pedro - Vaticano

Ao responder a uma pergunta, feita em tom declamatório e na qual a Igreja é comparada a um maravilhoso castelo, Dr. Plinio discorre sobre o modo pelo qual, desde menino, compreendia e amava a Santa Igreja, encontrando nisso o fundamento de sua vida.

A metáfora foi lindíssima, a declamação muito bem feita, com o acompanhamento musical muito belo.

As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja

Entretanto, a respeito da metáfora, eu teria uma precisão a introduzir: o castelo é ainda mais belo do que vós descrevestes; a substância dele não cai em ruína nunca. Porque, a respeito dele, a voz mais perfeita fez a promessa incomparável: “As portas do inferno não prevalecerão contra esse castelo.”1 E não podemos, portanto, imaginá-lo em ruínas porque a promessa perfeita, feita pelos lábios perfeitos, movidos por um perfeito amor, não pode senão ter um cumprimento perfeito.

O castelo pode ter partes que se perdem na névoa e, do fundo da planície, no momento se veem de um modo incompleto; podem, portanto, dar a uma pessoa que examina sem toda a atenção necessária a impressão de ruínas, mas esse castelo desafia o tempo. E, quando não houver mais História e nem tempo, o castelo estará na glória do Céu; esse castelo jamais será destruído.

”Ó Santa Igreja Católica Apostólica e Romana!”

O homem, quando tem a felicidade de estar num ambiente onde lhe é dada, desde pequeno, uma reta formação, encontra logo a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana; e também alguns problemas que começam a desabrochar no fundo da alma. Problemas para os quais ele dá importância, ou não, que marcam sua infância, sua adolescência, ou não marcam. Pouco importa, os problemas existem, se apresentam ao espírito humano e são cobradores implacáveis. Porque, de vez em quando, se o homem não lhes dá importância, os problemas voltam ao longo da vida, diante de situações em que eles se põem de um modo cada vez mais trágico. São problemas relacionados com assuntos de foro íntimo, com a vida externa, com tudo, com o próprio ser do homem, e que se apresentam, na época de menino, de moço, de homem maduro, de velho, de modos diferentes. Mas no fundo são sempre os mesmos problemas, para os quais o homem não encontra uma solução satisfatória, a não ser quando os seus olhos dão para o castelo.

Ele olha e pensa: “Mas é curioso. Aqui, ali, acolá, eu encontro uma solução, uma resposta que desperta em mim um movimento de alma, uma atitude. O castelo me fala, me ensina, canta, reza. O polo de minha vida é o castelo!” O homem se ajoelha e diz: “Ó castelo! Ó Santa Igreja Católica Apostólica e Romana!”

Problemas internos que ondulam a alma de uma criança

De que forma, para mim em concreto, esses problemas nasceram? Não saberia fazer naquele tempo a formulação que faço hoje a respeito deles, mas os problemas eram os seguintes:

Eu tinha a minha vida de menino, mas sentia, pelo bom senso, por um sentir de si próprio que todos nós possuímos, pela vida externa que via mover-se em torno de mim, que eu era uma semente, percebia haver em mim apenas o projeto, os elementos rudimentares de algo que deveria expandir-se muito mais, e que precisaria chegar normalmente até a mocidade, a idade madura, a velhice. Isto significava um desdobrar de aptidões, de capacidades internas, de modos internos de ser, que eu sentia existir em mim efetivamente.

E me perguntava, de um modo mais ou menos vago, confuso: “Em que rumo e de que maneira devo me desdobrar? Como preciso fazer? A medida de tal sensação, tal percepção, tal estado de espírito, até que ponto deve chegar? Como devo ser agora a esse respeito?”

A medida das coisas me era misteriosa a respeito de mim mesmo.

Imaginemos dois estados de alma entre os quais a criança oscila muito — tudo mudou tanto, mas o homem continua sendo homem; não sei se isto passou pelos espíritos dos que se encontram neste auditório, mas passava pelos espíritos das crianças do meu tempo. O problema é o seguinte: a alegria, a tristeza — e aquilo que eu chamaria um estado pedestre e comum da vida, que não é alegria nem tristeza — parecem rotina na existência da criança e que a deixam às vezes enfastiada de viver; com tão pouca idade e já imersa na rotina e na banalidade.

Então anunciam para a criança uma festa, e ela se rejubila; comunicam-lhe um fato triste, ela participa da tristeza. Mas até a tristeza lhe traz algum alívio, pois ela pensa: “Saí da rotina.”

De outro lado, em certos dias a percepção de que a rotina tem seu lado aprazível. E, sobretudo, quando se foge dela, sente-se umas saudades que não se sentiria estando dentro da rotina. De maneira que, quando se passa da alegria para a rotina, tem-se desejo de dizer: “Ó rotina amiga, como és simpática!” Mais ainda, quando se passa da dor para a rotina, tem-se vontade de falar: “Olhe, essa rotina é bem boazinha!” Dali a pouco a pessoa está de novo à cata da alegria e até da dor, mas é a busca do excepcional para fugir da rotina.

Isto é um dos mil problemas internos que ondulam na alma de uma criança, ou ao menos ondulavam na alma da criança que fui eu.

Alegria e dor: em que consistem?

Então, o que quer dizer alegria? Quando uma pessoa está alegre? Eu estou alegre quando faço algo que considero gostoso, mas o que é gostoso?

Por exemplo, uma festa de crianças é gostosa; quase sempre… Comer uma coisa, folhear um álbum, estar com tal pessoa de minha família é gostoso. Que gostosos diferentes são esses? Será que eu, com minha natureza enfática — tendendo a gostar muito daquilo de que gosto e a não gostar nada do que não gosto —, estou gostando em toda a medida? Qual é a proporção exata? Como se deve gostar das coisas que são gostáveis?

Outro ponto. O que é dor? O desagradável é dor, mas há uma porção de coisas que são desagradáveis a títulos muito diferentes.

Por exemplo, ir ao barbeiro e mandar cortar o cabelo. De vez em quando a governanta ou mamãe mandavam: “É preciso ir cortar o cabelo.” Aquela meia hora no barbeiro era uma coisa intérmina! Entrava cabelo pelo pescoço, me desagradava, eu queria trocar de roupa: “Não pode, deixa disso! Não pode ser pelintra, aguenta!”

Detesto ir ao barbeiro; isso é sofrimento, é dor? Arrancar um dente, estudar, brigar com um companheiro, estar doente, separar-me desta ou daquela pessoa é dor? Será que em mim essas coisas doem como devem doer? Qual é a medida?

Depois, a dor e a alegria até que ponto se confundem em certas situações? Às vezes não se dá uma gargalhada que é amarga? Ou não se tem um chorinho que é doce? Até que ponto a dor é dor, a alegria é alegria?

E me vinha o pensamento: “Olhe para os outros e veja o grande bom senso geral. O que todo mundo sente deve ser verdade, preste atenção nos outros.”

Dr. Plinio durante uma palestra

Depois de algum tempo de atenção, uma impressão de caos. No vocabulário antes de tudo: essas palavras são escorregadias e designam as coisas mais variadas. Caos, de outro lado, na própria natureza das coisas: percebe-se que, muito legitimamente, algumas coisas doem a um e não a outro, alegram a um e não a outro. E nota-se que isso está conforme ao modo legítimo de ser dos outros, e comigo é meio diferente.

Então há algo que é uma medida própria de sentir dor ou alegria, a propósito de certas coisas. Que medida é?

Desejo de manter a harmonia interna

E por detrás disso há uma outra pergunta: o que fazer de mim mesmo?

Eu sou eu e preciso me desenvolver. Mas não posso crescer e desenvolver-me, mais ou menos como — aquilo que eu soube muito depois, pelas aulas de Física, e me desagradou — a força de expansão dos gases. Se, por exemplo, uma pessoa acende nesta sala um objeto qualquer que começa a deitar fumaça, segundo que regra essa fumaça se espalha? É uma regra sem regra, ela se espalha como deve.

Ora, eu tinha impressão que algumas pessoas cresciam como a fumaça se difunde, pela regra da espontaneidade, sem eira nem beira.

Eu deitava atenção e pensava: “Mas que coisa curiosa, isso me explica que esse indivíduo tem dentro dele uma coisa que não quero em meu interior. Quero dentro de mim uma ideia de minha harmonia interna, de que as coisas estão bem relacionadas umas com as outras e com a minha própria natureza, no que eu tenho como homem e como ser individual, como este homem é, e não um homem em tese.”

Há o homem em tese, mas cada um de nós existe concretamente. Deve haver alguns elementos ordenativos que são específicos a mim; e se isto estiver bem em ordem, eu encontro minha base, meu fundamento, posso viver. Se não for isto, percebo as consequências em torno de mim, aqui, lá, acolá: essas fumaças, fumaradas, desordens; é o caos.

Isso naturalmente eu não seria capaz de exprimir com essa precisão. E provavelmente a maior parte dos que estão aqui na sala, quando crianças, também não exprimiriam o que eu estava dizendo. Mas duvido que uma pessoa, prestando atenção nas suas impressões daquele tempo, não encontre traço de problemas como esse.

Timothy Ring
Igreja do Sagrado Coração de Jesus – São Paulo (Brasil)

Às vezes expresso de modo muito elementar, mas no fundo é este o problema: “Eu quero ser como esse homem que conheço, e não desejo ser como aquele outro. Tal aspecto nessa pessoa me agrada, e tal outro aspecto em outra não me agrada.” O que leva as crianças, por mimetismo, por imitação, a copiarem algumas pessoas; é um dos elementos da tradição. E às vezes uma criança copia, procurando parecer, ou tira uma espécie de contracópia instintiva: “Assim não serei.”

Ora, como a criança escolhe esses modelos? Escolhe, no fundo, com cogitações que correspondem mais ou menos a essas que acabo de enunciar. E creio que seria até matéria interessante para reflexão, recordação, etc., se procurassem refazer o fio condutor de suas infâncias.

Primeiros contatos com a Igreja do Sagrado Coração de Jesus

Nesta perspectiva, lembro-me bem de que se explicam completamente os maravilhamentos primeiros que eu tive com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Na minha primeiríssima infância, muito notadamente na Igreja do Coração de Jesus, eu comecei a tomar os primeiros contatos conscientes de uma alma de criança com a Igreja Católica. Vendo o templo internamente, a liturgia, o canto sacro, as imagens, o ambiente, a atitude moral das pessoas que estavam lá, enfim, aqueles conjuntos das coisas, ligados com o começo muito elementar de catecismo que minha mãe me ensinou, e junto com as imagens de casa, as atitudes dela rezando, isso foi me dando uma ideia maravilhada de que ali eu encontrava a solução, a medida e o modelo para tudo.

Com a noção inicial, em germinação, mas, pelo favor de Nossa Senhora, quão definida de que eu encontrava ali uma forma de perfeição espiritual, humana — não só religiosa, mas também sobrenatural — na qual, por mais que eu tivesse de me desdobrar, nunca chegaria a abarcar aquele mundo de perfeições harmônicas. Eu jamais poderia fazer habitar em mim a totalidade daquelas harmonias magníficas, e notava, entretanto, que bastava me maravilhar, dizer sim, dar atenção interior àquela variedade harmônica e incomparável, que havia qualquer coisa de unum, o qual deveria corresponder a uma atitude do fundo de minha alma em que eu diria: “Isto é perfeito, é de Deus e para lá eu quero ir.” Agindo assim, sendo eu ainda menino e em estado de desabrochar, essas perfeições de algum modo começariam a habitar em mim.

Uma harmonia lindíssima e uma beleza harmoniosíssima

Eu não era capaz de dizer com essas palavras, eram impressões, ao pé da letra o émerveillement, um maravilhamento de um menino com os nervos sumamente plácidos e que via isso, portanto, sem agitações, buliços, exclamações, mas analisava, aprofundava, conferia. Nunca com as conferições da dúvida, mas sempre com as conferições do pormenor, da minúcia, do entusiasmo pela linha geral, conferindo e dizendo a mim mesmo alguma coisa mais ou menos assim:

“Isto que me maravilha tanto tem uma vida que é distinta da minha. É uma outra vida que entra em mim, limpa e dá sentido à minha existência. Eu aqui encontro aquele ponto de equilíbrio, de apoio, aquela medida de todas as coisas, aquele caminho para todos os meus movimentos, aquela solução para todos os meus problemas. Neste unum que está aqui e sei que é a Religião de Deus, nisto eu quero viver a vida inteira. Meu Deus, eu Vos adoro acima de todas as coisas!

“Sei não só porque mamãe me ensinou que Vós sois o único Deus verdadeiro, Criador do Céu e da Terra, mas nisto que aqui contemplo, eu compreendo existir algo de mais belo do que a terra e o céu material que vejo. Há algo que confere com o timbre de voz de mamãe quando ela pronuncia a palavra santidade; quando eu a vejo rezar, confere com o órgão que ouço tocar, tudo confere com tudo. Aqui há uma harmonia lindíssima e uma beleza harmoniosíssima, uma verdade objetiva, real.”

Com os meus olhos de septuagenário, eu vejo aqui uma almofada que existe realmente, fora de mim; assim também, em menino, a minha alma pousava sobre essas maravilhas e harmonias e dizia: “Eu vejo e creio!”

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 17/10/1981)

1) Cf. Mt 16, 18.

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