Dr. Plinio em visita à Catedral de Bourges, França, em 1988

Unindo à fé, o bom senso e o gosto pelo raciocínio, Dr. Plinio acostumou-se, desde menino, a considerar os problemas referentes à Igreja ou à doutrina católica de maneira a intuir a solução mesmo antes desta se tornar explícita.

Então, se define aqui uma posição. Eu era tão pequeno, conhecia os Mandamentos, mas ainda não sabia analisá-los; a época da análise veio depois. E pensava: “A Igreja de Deus se comunica com minha alma de tal maneira, que dá a solução e o caminho para tudo. Isto é a verdade!” Embora nem soubesse relacionar com a frase de Nosso Senhor: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”1, já percebia, pela graça de Deus, que aquilo era o caminho, a verdade, a vida.

A posição de súdito, discípulo e filho da Igreja

E dizia para mim mesmo: “Se Deus está se manifestando, me ensinando, me modelando através daquilo que vejo, à minha alma compete uma posição: a do discipulado. Não vou ser um inventor de coisas que nunca ninguém pensou, um criador de verdade que nunca ninguém excogitou. A preocupação que me domina é evitar os erros nos quais outros caíram, agarrar-me às verdades nas quais outros não se agarraram, e levar a vida que preciso levar. E caminho com gratidão, desejando receber, ser ensinado, guiado, santificado; em posição, portanto, de súdito, de discípulo, de filho. A verdadeira casa paterna de minha alma é esta aqui. Por mais que eu ame minha casa, minha mãe — como a amei até a extrema velhice! — acima de todas as coisas amo a Igreja, porque ela é o hífen entre Deus e eu; unido à Igreja estou unido a Deus. A Igreja é a casa de Deus, é a minha casa.”

Naturalmente com o tempo veio a razão, o raciocínio. E chegou o momento em que o raciocínio se aplicou sobre essas impressões, procurou o valor lógico das certezas que eu tinha adquirido.

Encanto pela existência do raciocínio

Tenho uma ideia vaga dos meus primeiros raciocínios. Nem sequer me lembro sobre que matéria versaram, mas me recordo bem de que, em certo momento, me dei conta com algumas demonstrações lógicas feitas para mim. Posso imaginar que demonstrações insipientes devem ter sido: Um dado, outro, tal outro. Logo, conclusão.

Em certo momento, fiz a seguinte reflexão: “Curioso como isso funciona! E confere com o que estou vendo. Oh, que maravilha!”

Lembro-me que literalmente fiquei encantado quando explicitei a existência do raciocínio e de um processo pelo qual se pode jogar, utilizar e conhecer outras verdades que não conhecia. É natural, o homem é um animal racional e, portanto, eu, desde o meu primeiro comecinho, evidentemente fiz embriões de raciocínios; mas isto não era explícito para mim.

Quando se tornou explícito, tive um gosto de raciocinar fabuloso, proveniente de duas impressões. Primeira, a do horizonte que se alarga. A segunda é característica do homem: o gosto da própria força e destreza; sentir o meu próprio espírito raciocinando, perceber em mim a força de raciocinar e exclamar: “Que bom, eu sou racional!”

Tenho certeza de que isso se passa com todo mundo, e não o estou apresentando de nenhum modo como fato excepcional, nem como manifestação de talento, de virtude maior do que de um outro. Entretanto, nem todos fazem a opção certa, nem dão atenção ao raciocínio.

“Se Deus está se manifestando, me ensinando, me modelando através daquilo que vejo, à minha alma compete uma posição: a do discipulado”

Às vezes, a pessoa presta mais atenção — não sei se os que estão neste auditório alcançaram a palavra — no velocípede do que no raciocínio. Mais ou menos isso passa pela cabeça de todas as crianças. Apenas estou dizendo isto, com pormenor, para ajudá-los a explicitarem-se a si próprios, sentirem-se à vontade dentro da temática, conversarmos um pouco sobre o assunto, e para atender ao pedido que me foi feito.

A pista para o raciocínio é o bom senso

Quando comecei a prestar atenção no raciocínio, ensaiar raciocínios, fiquei, como eu disse, encantado. Mas não podia deixar de ser que eu me perguntasse o seguinte: “Quantas convicções tenho na alma que não foram raciocinadas! Serão verdadeiras? Porque se se atinge a verdade por meio do raciocínio bem feito, a toda certeza deve preceder um raciocínio. Eu estou com a alma cheia de certezas; onde estão os raciocínios?”

Recordo-me literalmente disto, e de ter chegado à conclusão seguinte: “Eu já tenho tantas certezas, que se fosse raciocinar tudo isto, passaria o resto de minha vida para confirmar o que já sei. Este modo parece muito lógico, mas tem qualquer coisa de quebrado dentro disto. Emerge alguma coisa aí que eu distingo: vai contra o bom senso.

“Ah, então existe uma coisa chamada bom senso, a que o raciocínio nem sempre obedece! Cuidado com o raciocínio… Ele é muito bom, magnífico, mas poderia ser comparado a um automóvel ou, menos prosaicamente, a cavalos que correm dentro da pista. Fora da pista, desastre! Pista para o raciocínio é o bom senso. Há um qualquer embasamento na pessoa que, quando a lógica galopa e dá uma patada no bom senso, devemos pôr freio na lógica. Mais tarde se verá. Não pode haver um conflito entre o raciocínio e o bom senso, mas, enquanto não for resolvido o conflito, fica valendo o bom senso. O raciocínio que dá patada no bom senso, não!”

O que é o bom senso? É uma pergunta que me pus.

Resposta: “Ainda não sei, mas é uma coisa que existe dentro de mim. Se aceitar qualquer canivetada do raciocínio nesse bom senso, eu sangro. E isso não pode ser. Pelo contrário, sei que se o raciocínio florescer na linha do bom senso, eu ando numa certa direção, de acordo com a tal ordem e a tal harmonia.”

Entra aí a Igreja Católica.

Fé católica, bom senso, raciocínio

Meus pais me matricularam no Colégio São Luís, e ali comecei a ter aulas metódicas de Religião. E os padres falavam bastante de Religião, porém poderiam ter falado bem mais. A propósito de várias matérias, eles tratavam de Religião, e com uma lógica jesuítica incomparável. De onde eu tinha a impressão de que aquilo não era uma escola de lógica, mas a escola de lógica.

Porque eu os via raciocinarem — e eram todos com a mesma lógica — e dizia de mim para comigo: “Por mais maduro que eu seja de futuro, e por mais que venha a estudar, tenho certeza de que, mais lógica do que esta, não adquirirei. Ora, a lógica desses homens nunca contunde com o meu bom senso; pelo contrário, quando eles raciocinam eu sinto que meu bom senso se distende e se alegra.

“Por outro lado, a lógica deles dá um gume à minha. Vendo-os raciocinar, eu de tal maneira sei impostar o espírito para raciocinar por minha vez, que se diria ser uma nova luz que entra em mim. O que é isso? Percebo que eles justificam: a Fé católica.”

Então há uma tripeça, na ordem cronológica que venho dando: o bom senso, a lógica, a Fé. Não é propriamente uma ordem cronológica; graças a Nossa Senhora, Fé eu tive sempre, mas vamos dizer que se apresentasse na ordem em que as elucubrações foram se ordenando, seriando os temas assim: Fé católica, bom senso, raciocínio.

Um orvalho descido do céu

Cada vez que eu raciocino com base nos princípios da Fé, sinto o meu bom senso muito mais do que alegrar-se; é o céu do meu bom senso: tudo que a Igreja ensina de Deus, de si mesma, de sua própria História, enfim a respeito de tudo, as narrações da História Sagrada, do Evangelho, os pontos de doutrina que me iam sendo dados, os Sacramentos, por exemplo. E pensava: “Como meu bom senso se eleva! É como o orvalho em cima da vegetação. É um orvalho descido do céu. Que coisa estupenda, não se poderia imaginar algo igual!”

Em tudo, mesmo nas coisas que eu via os ateus de minha entourage2 atacarem mais. Por exemplo, a Presença Real: “Como é que um homem pode caber num pedaço de pão? E um homem que morreu há dois mil anos… Pão é pão, e homem é homem! Eu não posso crer nisto. Sou um espírito forte.”

E eu raciocinava: “Se um homem dissesse que ele é pão, afirmaríamos ser um louco. Nosso Senhor Jesus Cristo diz que é pão, eu exclamo: Ele é Deus! Tal é sua santidade, sua sabedoria, tão superior! Não sou só eu, menino, mas qualquer desses homens, qualquer homem possível não inventaria uma pessoa como foi Nosso Senhor Jesus Cristo; Ele está acima de qualquer cogitação humana. Esse Homem não se compõe, não se inventa, não pode ser objeto da criação literária de ninguém. Ele é um só com o Criador, é o Criador humanado. E daí vem esse poder que, quando Ele diz: ‘esse pão é a minha carne’, é. E eu, em vez de dizer ‘louco’, dobro os joelhos e osculo o chão.

“Este indivíduo está dizendo que é um espírito forte; ele é um imbecil! Sei bem de onde vem o ‘espírito forte’ dele. Bastaria que Deus o dispensasse — aliás, Deus nunca faria isso — da prática de dois Mandamentos que eu conheço, e ele acreditaria também; é um rebelde, não um forte. Ele é um ateu porque é um revoltado. Não tenho nada de comum com ele!”

Observar e refletir têm precedência sobre a leitura

Nas coisas da Igreja, eu pensava, observava, analisava muito, não devido à leitura. Tenho lido bastante, mas nunca fui um homem principalmente leitor de algo. Fui sempre muito observador e amigo de refletir; e, a propósito de minhas observações e reflexões, eu lia, isso sim. Há pessoas que procuram, antes de tudo, ler, para depois observar e refletir. Talvez, se eu pensar mais sobre o assunto, lhes preste minha homenagem, mas esse gênero de homem não sou eu.

Aliás, nunca tive boa memória, e nem me adiantaria ler tanta coisa porque não guardaria tudo que lesse. Enquanto o raciocínio é amigo da memória, e aquilo que o homem raciocina, mesmo quando tem má memória, ele guarda. De maneira que entrei nesse refúgio dos desmemoriados, que é o raciocínio, e por ali procurei caminhar.

E fui notando que esse sistema, se a palavra é exata, esse binômio raciocínio­-bom senso que se aplica à Fé, dava numa coisa curiosa. Muitas vezes, quando eu me punha um problema referente à Igreja ou à doutrina católica, antes de saber resolvê-lo, já percebia qual era a solução.

“Pela união com a Igreja, antes mesmo de saber o que a ela ensinava, antes de procurar algum livro, eu já entrevia qual era a solução.”

Havia se formado em mim, pela união com a Igreja, um como que bom senso complementar e superior, que era o senso da coisa católica. De maneira que antes mesmo de saber o que a Igreja ensinava, e como ela resolvia tal problema moral, ou explicava tal movimento da História, ou tal circunstância da vida, etc., antes de fazer o raciocínio que juntasse uma ponta à outra, antes de procurar algum livro para fazer uma consulta, eu na grande maioria dos casos — não sempre — já entrevia qual era a solução. E essa solução me trazia sempre uma extraordinária alegria da alma.

Senso católico

Aí nasceu normalmente em mim a expressão, que vim a conhecer depois: senso católico; é este bom senso a propósito das coisas da Fé, que voa na frente do raciocínio, o qual, reverente, vai como um viandante com o seu bordão refazer, na terra, o caminho que o pássaro fez voando no céu. O bom senso vai pondo os vários elos, os diversos elementos para o raciocínio caminhar até o fim.

Então, dotado do senso católico, compreendendo que era um favor, uma bondade de Nossa Senhora, eu caminhei rumo à constituição da minha mentalidade, como depois ela foi se desdobrando ao longo da vida.

Essa posição tinha que trazer no todo este resultado: à medida que eu via, conhecia e analisava a Igreja, ia me maravilhando cada vez mais com ela. Porque as coisas combinavam naturalmente.

Por exemplo, outro dia alguém me perguntou: das várias verdades que a Igreja ensina, qual a que mais me entusiasmou.

Eu diria: cada uma delas merece um entusiasmo sem nome do homem. A Sagrada Eucaristia merece, mais do que entusiasmo, uma adoração. Todos os passos da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, todos seus ensinamentos, etc., merecem verdadeira adoração. Mas há alguma coisa que me tocou mais do que tudo: a infalibilidade papal.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 17/10/1981)

1) Jo 14, 6.

2) Do francês: círculo de relações.

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