Refletindo a respeito da percepção simbólica da criança, Dr. Plinio tece importantes considerações sobre a formação e o desenvolvimento do caráter e do senso moral na infância.

A Escolástica define o pulchrum como sendo splendor veritatis ou splendor bonitatis, isto é, enquanto a verdade ou a bondade se deixa apanhar em alguma coisa do seu real que a abstração não capta à maneira de símbolo, mas que a analogia apreende. É a percepção, por via da analogia, do verum e do bonum. O esplendor é propriamente a evidência, o jorro do ser enquanto verdadeiro ou bom, brotando na analogia. Isso é o pulchrum.

Tocheiros e ordenação do espírito

Eu tomo, por exemplo, aqueles tocheiros da Sala do Reino de Maria1 que, para mim, têm pulchrum. Por que eles são belos? Porque refletem uma ordenação, um princípio profundo de ordem material — de peso, medida, etc. — pelo qual o cabo tem uma proporção com o corpo do tocheiro, e a tampa termina também adequadamente. São propriedades da matéria que assim se apresentam na sua boa ordenação.

Mas isso não é o principal. O principal está no fato de haver nisso uma analogia com certa ordenação do espírito. Vendo a ordenação do tocheiro e o estado de espírito com que ela é análoga, apreendo o pulchrum nesse símbolo, isto é, na analogia do tocheiro com o estado de espírito, do qual compreendo algo que não entenderia a não ser considerando o tocheiro. Isso é o esplendor da bondade que há no tocheiro.

O estado de espírito ideal é algo de muito esguio que floresce numa luz. Mas uma luz que cogita de coisas muito elevadas e discretamente coloridas, dentro de um pensamento harmônico, fechado e coroado. Um estado de espírito assim é excelente e corresponde ao estado próprio a uma alma.

Abstração e simbologia

A abstração, por sua vez, é mais intelectual e não joga tanto como a analogia. No processo acima descrito, há principalmente analogia.

Tony Hisgett (CC 3.0)

Parece-me não haver nada que ocorra ao espírito do homem sobre o qual não se possa fazer, ao mesmo tempo, uma abstração e uma simbologia. Inclusive a própria abstração pode ser objeto de um trabalho simbólico, e o símbolo pode ser objeto de um trabalho abstrativo.

A meu ver, isso decorre da dualidade de nossa natureza, e o unum está numa espécie de domínio, por onde o espírito humano rege esses dois “olhos”, através dos quais ele vê para formar a imagem una.

Essa faculdade unitiva do homem, por onde ele coordena, numa mesma linha, ambas as perspectivas, está no próprio unum do senso do ser. Ele se sente uno apesar de ter as naturezas animal e espiritual. E há uma coisa qualquer por onde um dos prazeres do homem está em estabelecer essa unidade e viver na degustação dela.

Se uma criança em idade muito tenra fosse habituada a uma atmosfera embebida de pulchrum, de maneira que, quando ela soubesse pensar, visse nesse pulchrum o correlativo da abstração — portanto, um pulchrum muito alto, de elevada paragem —, e ficasse acostumada a encontrar nesse pulchrum o deleite de sua vida, tenho a impressão de que essa criança teria possibilidades de dar uma íncola do Reino de Maria de primeira ordem. Toda a prática da virtude, do amor de Deus, todos os élans de sua alma se elevariam muito mais facilmente para a Igreja Católica.

Poderíamos nos perguntar como a criança vê isso, como é o seu espírito e, depois, como manter e desenvolver isso na criança.

O mar: um universo, uma fábula!

Em minhas recordações de infância junto ao mar, algo disso transparece que me ajuda a explicitar a doutrina que estou expondo.

Eu via no mar um universo, uma fábula! O tamanho dele, seus movimentos, as ondas como se jogam, o ruído que fazem, o mistério do mar, o por onde ele é ao mesmo tempo um parceiro muito amigo, mas meio hostil, um tanto cheio de ciladas. No mar, entra-se noutro universo!

Encantava-me tanto com o mar visto da terra, quanto com esta contemplada de dentro do mar. A praia por mim frequentada naquele tempo ficava muito distante das casas que, vistas de dentro do mar, pareciam pequenas. Na realidade, eram confortáveis residências de famílias da aristocracia ou da pequena burguesia de Santos.

Estando imerso naquela imensa massa líquida, eu via, em determinado momento, acenderem-se todas as luzes das ruas e das casinhas. E de dentro de certo perigo que o mar representa, imaginar, ao mesmo tempo, o conforto aconchegado e às vezes luxuoso, seco e sem riscos daqueles lares, tornava a vida cotidiana tão bonita aos meus olhos, que às vezes eu ficava com uma certa pressa de voltar para casa a fim de entrar naquele mundo.

Outro elemento, para mim indissociável dos anteriores, era meu gosto pelos frutos do mar.

Todas essas impressões de criança faziam-me muito bem e davam-me a ideia do prazer da consciência que festeja a sua própria retidão, utilizando-se das coisas que não são pecado e com elas preparando para si o festim da inocência.

Jackman (CC 3.0)

Uma coisa que a mim tornava pungente a consideração do mar era a despedida do navio, no meu tempo de infância. As pessoas se despediam no cais, se abraçavam, se beijavam, abanavam um lencinho, tudo feito com muita pompa, pois não sabiam se iriam rever-se. Tudo isso me dava a impressão de morte irremediável.

Senso moral na criança

A mesma operação realizada com o bem, com as coisas conformes a Deus e que rumam para Ele, efetua-se também com as coisas más, orientadas para o mal.

A criança tem uma noção muito viva de um certo ponto auge de mal, ponto negro, horrível, do qual todas as coisas más participam, cada uma a seu modo. E possui a noção de que, na contextura da vida, o mal está como um abismo negro, mas “vivo”, com a boca aberta procurando tragá-la, e jogando contra ela nesta vida para arrastá-la até lá. E a criança tem muita noção de que, consentindo com qualquer coisa de mal, faz consenso com aquele Satanás que está no fundo, procurando atraí-la.

Daí um senso moral na criança que não é o do mero moralista que estuda o Direito Natural, mas é completado por esse aspecto simbólico, abstrativo, do qual estamos nos ocupando nesta exposição.

A criança, por assim dizer, intui que o demônio existe; quando lhe contam, ela aceita com toda naturalidade. Ela tem medo de espíritos malfazejos, fantasmas, etc.

A mentalidade infantil é tendente a perceber muito essas realidades, mas as condições de educação, já no meu tempo, iam fazendo a infância perder essa percepção.

À medida que a pessoa que não perdeu essa percepção vai ficando mais velha, procura os vários reflexos disso em objetos diferentes. E vai constituindo na sua memória — sem ter nada de intencional, é uma coisa espontânea — galerias de impressões que têm significado para ela, e constituem uma espécie de tesouro do qual se destaca certo suco, distinto da mera recordação.

Por exemplo, o mar. Não é mais este ou aquele mar, mas uma recordação somada de vários mares, naquilo que eles têm de comum e, portanto, meio abstrativo. Depois, isto mesmo conduz a um grau mais alto: o mar que não existe, mas poderia existir. Daí vem o auge, implicitamente presente já no primeiro momento.

O sonho da alma irmã e o egoísmo

A criança faz considerações dessas também em relação aos seus familiares. Isso corresponde a um período delicado da sensibilidade infantil, que origina verdadeiras crises.

Assim como um indivíduo sabe o que é um pêssego e, vendo num prato o pêssego ideal, tem vontade de comê-lo, também a criança tende a idealizar os seus maiores e os seus coetâneos. Nasce, então, a ideia do amigo ideal e, pouco depois, a do cônjuge ideal; ideias estas que são a projeção, para o terreno de uma perfeição imaginária, de pessoas pertencentes a uma humanidade que a criança queria conhecer e não conhece.

Daí vem que todo menino, durante dez, onze anos, tem a ideia de conseguir um amigo ideal que ele procura no meio de seus companheiros, de seus parentes. Quando encontra, grande euforia! Depois, naturalmente, vem a conhecida decepção…

Pouco depois, com a crise da puberdade, deixa de ser o amigo ideal e aparece a menina ideal. Então a namorada, a noiva, a esposa: a Dulcineia del Toboso de cada Dom Quixote, a Julieta de cada Romeu, e daí por diante.

Mais ou menos isso se deu na Idade Média, onde, em certo momento, na evolução dos romances de cavalaria, surge muito a figura do amigo ideal. Porém, pouco depois, aparece a ideia da Dulcineia.

A alma irmã ideal — quer seja como esposa, quer como amigo — representa para o indivíduo um desejo de ter relações como se teriam no Paraíso, se os homens fossem concebidos sem pecado original. Mas esse modo de entender a existência leva-o a procurar na vida a utopia de uma pessoa que fosse não conforme ao Paraíso de Deus, mas de acordo com o “paraíso” do egoísmo dele.

Imaginar então alguém que é como ele quereria que fosse, segundo seu próprio capricho, e não segundo a regra posta por Deus; uma espécie de propriedade dele, podendo isso dar-se curiosamente sob a forma de um enlevo do sujeito consigo mesmo.

Distintas concepções sobre o Paraíso Terrestre

Pelo contrário, suponho que a ordem humana no Paraíso deveria ser tal que os homens, tratando uns com os outros, manifestassem certas belezas de Deus. Talvez assim se diferenciariam as nações e, dentro destas, as regiões, depois as famílias. Seriam faixas de perfeições divinas que iam aparecendo, de um jeito e de outro, dando a imagem de Deus.

Reprodução
“O Paraíso” – Biblioteca de Sainte-Geneviève, Paris, França

Como toda essa harmonia ficou quebrada com o pecado original, surge o papel único da Santa Igreja que, com a difusão do estado de graça, a boa orientação dada às pessoas na sociedade, etc., pode promover uma ordem de coisas que, sendo irremediavelmente a do pecado original, entretanto pode superar-se e chegar a uma perfeição muito maior do que teria sem a ação da Igreja Católica.

Aliás, a propósito da hipótese da vida num Paraíso Terrestre onde não tivesse havido pecado original, ocorre-me a seguinte reflexão.

A Igreja ensina que o homem, mesmo no Paraíso, não era imortal por sua própria natureza. A imortalidade era um favor, um dom concedido por Deus.

Estamos habituados à ideia de que nos tornamos mortais porque nossos primeiros pais pecaram. Isso é verdade no sentido de que, se não tivessem pecado, Deus manteria o dom da imortalidade também para os descendentes. Mas, por sua própria natureza, todo ser humano é mortal, pois a matéria é corruptível.

Como seria um Paraíso onde Deus não tivesse concedido o dom da imortalidade? Que papel teria a morte?

Se o homem concebido sem pecado morresse, como isso deveria ser tomado? Qual é o papel desse fato na estética, na ordem do universo? A morte não é uma espantosa desordem, uma destruição?

Devemos imaginar seres implantados sobre o seguinte paradoxo: a alma deles deseja a eternidade, e o corpo, que forma com a alma um só ser, é corruptível; e a alma, que ama o corpo, tem horror à corrupção de que o corpo é capaz.

O estado de prova

Penso que esse problema está relacionado com uma coisa muito misteriosa, que é o estado de prova em que estiveram os anjos, e no qual se encontram os homens.

O estado de prova é de si uma espécie de sofrimento pelo qual o homem tem que passar para provar a Deus o seu amor. Portanto, é um legítimo tributo, um imposto que ele paga, inerente a toda relação e não apenas à existente entre o Criador e a criatura.

Por outro lado, essa destruição decorrente da morte é misteriosa, uma espécie de dor no universo pelo fato de a coleção dos seres ficar privada, de repente, de um de seus elementos, prejudicando sua beleza e sua integridade.

E essa condição “banguela” da Criação, enquanto todos os homens não tivessem passado pelo estado da prova, era a condição triste de um mundo alegre, paradisíaco. De maneira que, salvo a ordem posta por Deus no Paraíso Terrestre, dando ao homem a imortalidade, tenho a impressão de que uma nota de tristeza, de ausência, de carência, nota até grave, era inerente a essa vida, apesar de todas as maravilhas e delícias do Paraíso. É a dor, sem a qual a estética das coisas não se preenche inteiramente, e que exerce o papel da tulipa negra realçando a beleza e a vivacidade das outras flores, em meio às quais ela está colocada.

No Paraíso Terrestre, Deus tornaria menor a tulipa preta pela misericórdia d’Ele, concedendo a todos o dom da imortalidade. Contudo, ficaria sempre a possibilidade de os seres humanos caírem no pecado. Portanto, o mais grave da prova não seria tirado, isto é, a apreensão de pecar, o que é muito pior do que a apreensão de morrer.

Assim, imaginar o Paraíso como um lugar de felicidade perpétua nesta Terra, sem tulipas negras, parece-me negar o importante papel da dor, das dificuldades, da luta na vida humana.

(Extraído de conferências de 26 e 27/4/1984)

1) Sala nobre da sede social do Movimento fundado por Dr. Plinio, situada na região central de São Paulo, Brasil.

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