Ruínas de monumentos egípcios

Alguns mistérios envolvem o progresso e a decadência dos grupos humanos: a Idade da Pedra foi o ponto de partida de uma ascensão ou o termo de um retrocesso? Como se verifica a ação de Deus na evolução dos povos pagãos? Qual o papel do sobrenatural no processo ascensional de um povo? Estas e outras questões são abordadas por Dr. Plinio nesta conferência.

Nos flancos do tema da estagnação1, encontra-se uma teoria do progresso. E munidos da doutrina sobre a estagnação, temos elementos, ao menos os essenciais, mais preciosos, para fazer a crítica de toda a mania de progresso a qual teve, no século XIX e em parte do XX, um papel semelhante ao da razão, nos séculos XVII e XVIII; quer dizer, tudo era mania de raciocínio, de iluminação, de ilustração.

O homem das cavernas

Se adotarmos a tese, um tanto controvertida, de que o homem primitivo teria sido mais ou menos o das cavernas, concluímos que grande parte da humanidade progrediu. Essa evolução é muito discutível, mas foi como os homens que elaboraram a teoria do progresso a apresentaram. Então, vale a pena iniciar por aí para depois analisar mais a fundo a questão.

A humanidade, portanto, teria nascido nas cavernas ou se mudado para lá; seja como for, vivia no mundo das cavernas. Tomando o estado inteiramente primitivo daquilo e considerando, muitos séculos depois, como a questão se tinha posto, como o estado evoluíra, notava-se, por exemplo, que na Ásia uma grandíssima parte da humanidade progredira e já não vivia nesse estado, e sim em cidades com uma organização rudimentar em certas matérias, mas uma economia que, tanto quanto os estilos de produção existentes permitiam, tendia a se organizar e até mesmo a formar um mercado internacional; nascia uma pequena indústria, que já não era a da pedra lascada nem da pedra polida, mas uma indústria mais desenvolvida e, portanto, já existia um rudimento do que seria o progresso tecnológico.

No terreno das artes isso também se definiu muito. E se tomarmos as grandes civilizações da Antiguidade, notaremos que elas representam um progresso fascinante em relação ao pessoal das grutas, da pedra polida e da pedra lascada.

Chineses, egípcios, assírios e persas

Qual foi a força que impeliu para esse progresso? Se na Idade Média recorrermos à tese de que foi a influência de um fator sobrenatural que causou esse progresso, tal fator está ausente no que diz respeito a esses povos pagãos.

Entretanto, algo de muito grande foi realizado que, em alguns sentidos, parece ter atingido o teto a que o homem pode chegar. Porque, no terreno artístico, quando se consideram as realizações desses povos, pergunta-se se era de esperar que eles dessem uma coisa melhor. E poder-se-ia considerar que não era, porque a arte chinesa, por exemplo, é tão alta, tão desenvolvida, que naquele gênero e para a mentalidade e o físico do chinês, é difícil imaginar algo melhor. Depois, a polidez dos chineses, a gentileza, o relativo tonus pacífico de vida que eles alcançaram, a organização do Estado, e depois o Império chinês representam realizações impressionantes.


Jean-Pol GRANDMONT (CC 3.0)
Gisling (CC 3.0)
Henry Walters (CC 3.0)
Wmpearl (CC 3.0)

Quando se vai falar dos egípcios, nem há o que comentar, é superior a qualquer louvor.

A respeito de quase todos esses povos pode-se afirmar que, na linha em que andaram, atingiram um teto o qual é igualável ao maior teto que a humanidade poderia alcançar.

Por exemplo, pode-se dizer que o estilo francês do século XVIII é maravilhoso. Se o comparamos com o estilo assírio, notamos que este é muito mais primitivo. Mas seria exagerado sustentar, pura e simplesmente, que o estilo assírio está vários degraus abaixo do francês, porque ele tem lados magníficos, realizações esplêndidas. A descoberta das propriedades do barro, da terracota para fazer aqueles utensílios de barro lustroso que os assírios e os persas fabricavam, é um progresso técnico que facilitou a arquitetura enormemente, impedindo que o homem ficasse escravo da pedra. O medieval, por exemplo, levou muito tempo para descobrir isso.

A maior decadência que houve na História

Contudo, creio que não se dá a volta no assunto recorrendo a dados puramente naturais. Tanto mais que é contestável que o homem primitivo vivesse habitualmente nas cavernas, porque os estudos parecem estar conduzindo à noção de que todas aquelas decorações muito bonitas que se encontram nas grutas eram pintadas por gente que ia para prestar culto ali, mas não morava nas cavernas. Estas eram uma espécie de capela. Eles comiam nas cavernas, mas não está provado que dormissem ali.

Parece mais razoável admitir que o homem veio à Terra numa situação muito superior, e decaiu até à pedra lascada e à pedra polida. E que esses decadentes, depois, não se reergueram, sumiram dentro dos mistérios da História.

Nós teríamos que recorrer à versão bíblica, que é a verdadeira e serve de ponto de partida sério para essas considerações.

Adão e Eva decaíram, pelo pecado, e foram punidos. Creio nunca ter havido decadência tão grande quanto a deles, porque passaram de seres humanos em estado de inocência para o estado de pecado. Uma tragédia, com todas as consequências ligadas a isso…

O povoamento da Terra, que, sem dúvida, é uma condição de melhoria para a vida dos homens, foi muito facilitado por uma espécie de bomba atômica demográfica, a qual espalhou gente pelo mundo inteiro a partir de uma crise.

PaulineM (CC 3.0)
“A Torre de Babel” Real Museu de Belas Artes, Bruxelas, Bélgica

Entretanto, traziam na memória um número enorme de conhecimentos, porque não está dito que lhes foram apagados intencionalmente os conhecimentos que tinham no Paraíso terrestre. É preciso lembrar que Adão conhecia a natureza de todos os animais e, quando estes desfilaram diante dele, foi dando a cada um o nome correspondente à natureza do animal2.

Nossos primeiros pais comunicaram esses conhecimentos aos seus descendentes, os quais tinham, por isso, uma situação de muito mais conhecimento e progresso do que os povos orientais tiveram quando chegaram ao seu auge. De onde podemos deduzir — como mera hipótese — que deve ter havido, mais ou menos desde Adão e Eva à Torre de Babel, um movimento ao mesmo tempo de decadência e de ascensão.

Em alguns pontos eles foram aproveitando o que sabiam e desenvolvendo para melhorar; e noutros pontos foram esquecendo o que conheciam, se embrutecendo e escorregando para baixo. Provavelmente, fizeram um duplo movimento: nas coisas utilitárias, foram aumentando o conhecimento, e nas não utilitárias, foram esquecendo. O que é muito parecido com o homem contemporâneo, que a partir da Idade Média veio decaindo naquilo que não era utilitário e subindo naquilo que era utilitário.

A meu ver, foram decaindo na sabedoria.

A Torre de Babel e o povoamento da Terra

A Torre de Babel parece muito ilustrativa nesse sentido, porque dá toda a impressão de ter sido uma coisa calculada em função de certa utilidade, não tão grande, porque se quisessem edificar algo tão alto sem elevador, não podiam construir uma coisa útil. Assim, devia ser um edifício de uma alturazinha que eles julgavam vertiginosa, e com a qual quiseram afirmar uma grandeza naturalista, que não tomava Deus em consideração. Então veio a dispersão e uma decadência que, em ponto pequeno, era parecida com a do pecado original, sem o ser propriamente, e sem os efeitos trágicos que este teve.

Sérgio Miyazaki
Dr. Plinio durante uma palestra na década de 1990

Mesmo aí houve uma coisa interessante: o povoamento da Terra, que, sem dúvida, é uma condição de melhoria para a vida dos homens, foi muito facilitado por uma espécie de bomba atômica demográfica, a qual espalhou gente pelo mundo inteiro a partir de uma crise.

Alguém dirá: “É uma mera hipótese.” Mas essa hipótese tem um grande valor como meio de fazer caminhar o raciocínio; e, quando bem cuidada e arquitetada, ela às vezes faz voar o pensamento.

Respeitabilidade e grandeza do patriarca

Então, é razoável imaginarmos o progresso, deixando de lado as povoações que ficaram à margem dele — as da pedra lascada, da pedra polida, etc. —, e considerarmos como os demais povos progrediram, como o romano, que não se vê, em nenhum momento, saindo de uma gruta, e sim vivendo uma vida pastoril, com restos de nomadismo, mas que vão se fixando e começando a criar gado, plantar e se proliferar, constituindo assim sociedades fixas dotadas indiscutivelmente de uma muito bela grandeza de horizontes e de uma muito poética beleza de vida.

O patriarca — por exemplo, do Lácio ou da Hélade primitivos —, que acorda nos primeiros albores e tem diante de si as tendas dos seus súditos parentes; alguns já acordaram, outros dormem ainda; o velho patriarca sai da sua tenda e toca num chifre de boi vazado o sinal necessário para despertar a todos, que se levantam e começa a vida.

Tudo isso tem uma grande beleza! O patriarca tem uma respeitabilidade e uma grandeza tais, que a Igreja se adornou com a pulcritude da reminiscência patriarcal, e certas altas dignidades eclesiásticas com poder governativo se intitulam “Patriarcas”.

No Ocidente os Patriarcas o são mais por representação do que em realidade: o Patriarca de Lisboa, o Patriarca de Veneza, etc. Mas, antigamente, os Patriarcas gozavam de verdadeira jurisdição intermediária entre a do Papa e a do bispo. Era uma espécie de metropolita, um pouco um “papazinho”. Pela dificuldade de comunicações com Roma, ele tinha de centralizar muita coisa que, futuramente, iria se concentrar na Cidade Eterna. Havia, então, o Patriarca de Antioquia, de Jerusalém, de Alexandria, dos Caldeus, e daí para fora, que ainda hoje têm poder efetivo na Igreja.

Tudo isso faz-nos ver a beleza do patriarcado de que nos fala a literatura grega e a latina. Muitos dos grandes heróis da História grega e da romana estavam ainda quase no período patriarcal. Os heróis da Guerra de Tróia já tinham reis, mas estes eram o mais possível parecidos com patriarcas. O ambiente todo era patriarcal, com Estados compostos de tribos governadas por patriarcas.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 22/8/1991)

1) Ver Revista Dr. Plinio, n. 201, p. 22-25.

2) Cf. Gn 2, 19-20.

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