Devido à influência da Revolução, as pessoas têm uma espécie de intolerância para com o sofrimento, ficando inconformadas quando este se apresenta. Dona Lucilia, pelo contrário, possuía uma total conformidade com a dor. Embora sofresse muito, possuía uma doçura e uma luminosidade dentro da alma que a tornavam a mestra da resignação.

A Revolução não é um fenômeno atuante apenas nas ideias, nos princípios, mas também nas tendências. Estas, por sua vez, têm subjacentes doutrinas que, precisamente por estarem subjacentes, o indivíduo tem dificuldade em conhecê-las e identificar a que doutrinas correspondem uma série de tendências sentidas por ele.

Efeitos da Revolução Industrial nas almas

O papel da tendência é muito especial, e cabe à graça fazer desabrochar nas almas dos homens as tendências boas. Às vezes é pelo que eles dizem, mas às vezes pelo que a graça faz sentir de modo imponderável.

Por exemplo, a questão da música sacra. Esta pode ser tocada como melodia apenas, e não com palavras, mas assim mesmo falar possantemente às almas dos homens, incitando-os à virtude. De que maneira? Por aqueles sons e harmonias a música opera, pela ação da graça, um efeito santificante das tendências, tranquiliza, ordena, por assim dizer limpa as tendências dos homens, e nisso lhes faz um bem muito grande para a alma.

Arquivo Revista
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Há qualquer coisa na Revolução meio ligada ao seu caráter industrial no ambiente em que vivemos – pois estamos ainda sob o domínio da Revolução Industrial –, com todas as agitações, febricitações, ambições despertadas por ela, como também as friezas de alma, as faltas de afeto, as durezas, os egoísmos deslavados que ela suscita. E é muito difícil para um homem – ainda que ele seja dotado de uma tal ou qual capacidade de discussão ou de exposição de uma doutrina – remover essa disposição de alma, criada às vezes quando a pessoa ainda não está no uso da razão, e já essas tendências erradas vão se formando dentro dela.

Uma influência sempre benéfica

Uma coisa que eu, em vida de mamãe, notava muito – ela possuía em alto grau – era uma forma de presença que o simples trato comum de uma dona de casa, quer dizer, de uma senhora com o seu marido, os seus filhos, a residência, ela o fazia com uma ordenação interior, do mais profundo do seu espírito tão ordenado, harmonioso, sério, elevado, mas tão afável, acolhedor, virtuoso, que aquilo contagiava, no sentido bom da palavra. E as pessoas com isso ficavam de repente distendidas, acalmadas e tranquilas.

Lembro-me, por exemplo, de que quando eu era pequeno tive toda espécie dessas doenças que criança tem: crupe, coqueluche, caxumba. E, naturalmente, quem tratava de mim era Dona Lucilia. Mas, como toda criança, começava a ficar torcendo para não ter mais febre. E ela era uma campeã do termômetro, vira e mexe o usava.

Ela notava que eu me impacientava com o termômetro, pois enquanto não passasse a febre ela não me deixaria sair da cama, e eu preferia não ter esse controle e levantar logo. Então, não querendo acentuar demais o uso desse instrumento ela punha a mão sobre a minha testa.

Só o sentir a mão de mamãe sobre a minha fronte, em geral eu tinha uma impressão de frescor, de tranquilidade, de suavidade e todas as minhas impaciências passavam.

Às vezes mamãe vinha até mim e eu pensava: “Que bom, ela não vai fazer baixar minha febre, mas aliviará qualquer coisa em mim que está fervendo!” Ela punha a mão na minha testa e dizia: “Meu filho, você ainda tem um pouco de febre…” Ela fazia baixar a sensação de febre, e era uma tranquilidade…

Muitas vezes a presença de Dona Lucilia dava-me também a sensação da proteção da Providência, pelo modo de me sentir garantido de tudo, pois ela me protegeria. Quando pequeno, por ser ela minha mãe e, portanto, uma pessoa mais poderosa do que eu. Depois, com o tempo, isso continuava, mas de uma maneira diversa.

Por exemplo, eu não ia a um exame no colégio sem pedir a ela que me fizesse uma cruz na fronte. E isso foi assim até as últimas provas da Faculdade de Direito. Ela fazia, não uma cruz, mas umas dez cruzes pequenas. E eu me dirigia aos exames acompanhado de um primo que estudava comigo; e o que tem propósito da parte de uma mãe para seu filho já tem menor cabimento de uma tia para com seu sobrinho. Entretanto, o meu primo, que estava junto a mim para nos despedirmos de Dona Lucilia e irmos para a Faculdade, pedia também, e ela igualmente fazia várias cruzes sobre a testa dele. Íamos, então, para o exame e passávamos sempre! O que era mais milagroso com o meu primo do que comigo…

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Quando eu ia viajar – sempre que não fossem as minhas viagens às ocultas para a Europa sem mamãe saber; ela só sabia depois –, ela me fazia vários sinais da Cruz na testa. E eu sentia que aquilo me protegia, me ajudava. É Doutrina Católica que a bênção de uma mãe pode atrair a proteção de Deus para um filho. E ela, ciente disso, queria essa proteção de todo jeito. Então várias cruzes, etc.

Ela era um pouquinho baixa, e eu para a minha geração, alto. E notava que ela se punha um tanto na ponta dos pés para fazer as cruzes. Então, eu me curvava para facilitar. Depois nos beijávamos e eu saía, às vezes osculando sua mão também.

Ação de presença de Dona Lucilia

Tudo isso indicava uma ação de presença que eu teria dificuldade em explicitar. Dou outro exemplo:

A sede da Ação Católica era no mesmo andar que o meu escritório de advocacia. Após um dia de trabalho, eu retornava para casa cansado, porque de manhã dava aulas, à tarde enfrentava os aborrecimentos próprios a um escritório de advocacia e os problemas da Ação Católica. Não era tanto um cansaço físico comum, de quem carregou um fardo, mas um cansaço mais psicológico.

Apenas ao entrar – em geral eu a encontrava sentada na cadeira de balanço do meu escritório, lendo ou, o mais das vezes, rezando – eu sentia a atmosfera de tranquilidade que a presença dela deixava naquele ambiente. Só o fato de ela estar lá já me valia por duas ou três horas de descanso. Era uma ação imediata.

Essa ação de presença tem algo de indiretamente contrarrevolucionário: tranquilizar e aquietar tudo quanto é o borbulhar de uma cidade, que é uma das maiores do mundo, e preparar para a luta, para a oração, para a serenidade de alma. Eis a tranquilidade que Dona Lucilia comunicava.

Embora ninguém me tenha dito, creio ser esse o fenômeno que acontece com as pessoas, principalmente as mais jovens, quando estão junto à sepultura de mamãe no Cemitério da Consolação. Por vezes, vejo-as paradas, algumas recitam o terço, outras não estão rezando propriamente e parecem estar absortas, sem prestar atenção em nada. O que fazem ali? Estão recebendo uma influência que, a meu ver, é o prolongamento daquela exercida por ela em vida.

Pude notar que, quando vão para o Cemitério, as pessoas andam com pressa; ao voltarem, caminham devagar, tranquilas, conversando. Seria impossível atrair e reter tantos jovens lá se não houvesse alguma coisa desse gênero.

Às vezes o Quadrinho1 ou uma fotografia de mamãe produz esse efeito.

Paciência com um sobrinho surdo

Quantas vezes presenciei cenas assim, na vida de família! Dona Lucilia tinha um sobrinho surdo de nascença, com um temperamento muito difícil. Às vezes, ele ia à casa de minha avó materna, onde morávamos, e começava a brigar com ela. Mamãe ficava olhando aquilo e quando percebia ter chegado a um certo paroxismo, aproximava-se dele, tranquilizava-o e ia com ele para uma saleta onde o entretinha durante mais de uma hora. Sendo surdo, não graduava bem o volume de sua voz, e soltava algumas palavras aos gritos. Ao cabo de uma hora e tanto, o Tito – era o seu apelido doméstico – saía tranquilo, beijava-a e ia embora.

Isso acontecia quando ele e eu éramos meninos, e até durante nossa viagem a Paris. Os pais do Tito estavam lá com Dona Lucilia. Mamãe demonstrava uma tal paciência com o Tito, sacrificando por vezes os atrativos da viagem, que quando preparava a mala a fim de voltar para São Paulo, encontrou dentro um vestido muito bonito, muito fino, que ela não havia encomendado. Ergueu-o e viu que estava de acordo com o tamanho dela perfeitamente. Ficou intrigada e, mexendo na vestimenta, caiu um cartãozinho, escrito pela mãe do Tito: “À querida Tia Lucilia, mil agradecimentos de Tito.”

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Ajudando a encontrar os ovos de Páscoa

Mamãe organizava piqueniques de Páscoa num lugar dos arredores de São Paulo, e escondia os ovos de Páscoa aqui, lá e acolá. Os sobrinhos e os filhos dela chegavam depois e cabia ao pessoal descobrir os ovos de Páscoa. Alguns eram muito espertos, saíam logo correndo e encontravam os ovos.

Vendo minha dificuldade, ela me dizia sorrindo: “Filhão, veja se você encontra um ovo lá…”

Eu pensava: “Mas não era mais fácil que ela me trouxesse o ovo de uma vez?!”

Eu chegava até o local, e ela me dizia: “Não, você não está procurando bem. Procure lá…” Os outros estavam longe e não ouviam o favorecimento. Afinal de contas, eu encontrava uns dois ou três ovos escondidos por ela num lugar onde me ficasse fácil encontrar.

Eu sentia o afeto com que isso era feito e experimentava uma inundação de alegria inocente e satisfeita, cumulado e envolto nessa atmosfera de proteção, de afago, de bondade.

Mamma Margherita e Dona Lucilia

Recordo-me de que o meu primeiro movimento grande de afeto a Maria Santíssima foi diante daquela imagem de Nossa Senhora Auxiliadora da Igreja do Coração de Jesus. Não houve milagre, a imagem não se moveu, mas recebi a graça de esperar que Ela agisse desse jeito comigo. Pensei: “Nossa Senhora é incalculavelmente boa! Tão boa, que é melhor do que mamãe! E o que mamãe não está aturando, Ela atura. Ademais, me dá uma força que não recebo de mamãe. Então vou pedir para Nossa Senhora”2. Assim Dona Lucilia me preparava para a devoção à Santíssima Virgem.

Carlos Aguirre
Mamma Margherita

São João Bosco, fundador dos Salesianos, levou sua mãe, Mamma Margherita para morar no colégio por ele fundado, onde ela trabalhava na cozinha e em outros afazeres de dona de casa. E assim, o quanto a saúde permitiu, até o fim da vida ela trabalhou.

São João Bosco dizia que Mamma Margherita era uma verdadeira santa, e a queria bem de um modo extraordinário.

Podemos admitir que São João Bosco fosse canal – isto ele era, certamente – de muitas graças para toda aquela meninada, professores, sobretudo padres, freiras, etc., mas que algumas dessas graças eram recebidas pelo pessoal por meio da Mamma Margherita. Isto parece verdadeiro, tanto é que a sepultura dela é visitadíssima por toda espécie de pessoas ligadas à obra salesiana, que vão lá rezar, embora ela não tenha sido canonizada.

E creio que se alguma pessoa, a qual a Providência destinasse a receber uma graça pela Mamma Margherita e não pedisse a ela, podia não receber aquela graça, porque Deus indica o caminho que cada um deve seguir.

Em ponto num certo sentido menor, em certo sentido maior, dentro de nosso Movimento uma coisa dessas pode se repetir perfeitamente. Não vejo nada de heterodoxo.

Tenho a impressão de que, ainda que não tivéssemos infidelidades, a época na qual vivemos é de tal maneira oposta à fidelidade, que se não houvesse em determinado momento uma intervenção do Divino Espírito Santo para nos elevar a uma altura bem maior, por um modo pelo qual o caminho comum da graça não nos ergueria, não chegaríamos aonde precisamos para enfrentar os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima.

Tenho a impressão de que a ação de Dona Lucilia nos predispõe para essa graça, nos dá serenidade para esse efeito.

Doçura e luminosidade de alma

Ela sofria muito, mas foi a melhor mestra de resignação que encontrei em minha vida. E não houve homem algum que me ensinasse a resignação como mamãe. Porque ela tinha uma espécie de doçura e de luminosidade dentro da alma que a levava a suportar dores que para outros seriam insuportáveis, por uma espécie de elasticidade interior, pela qual tinha uma capacidade de sofrer cada vez maior, e às vezes de um modo espantoso! Mas, achando tão natural sofrer, e amando tanto uma certa consolação interior que era a causa da doçura dela, e a tornava a mestra da resignação!

Embora mamãe, às vezes, estivesse muito aflita, uma pessoa podia falar com ela e sair consolada, por essa elasticidade para a dor, que eu não vejo as pessoas de hoje terem. Elas são rebarbativas, revoltam-se contra a dor e a consideram quase uma vergonha.

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A influência hollywoodiana torna feio o sofrer. O bonito é estar continuamente alegre e bem disposto, ter uma espécie de intolerância para com o sofrimento, o revés e a indisposição. Por causa disso, se a dor se apresenta, os homens ficam rebarbativos, zangados, não se conformam.

Dona Lucilia não era assim. Por exemplo, às vezes ocorria de mandarmos vir um aparelho para verificar como estava o coração, ou a pressão, etc. E cada inspeção dessas pode trazer uma notícia-bomba. De maneira que a pessoa, em geral, quando se sujeita a algo assim, sobretudo uma senhora que é mais fraca para essas coisas do que um homem, fica meio preocupada.

Eu a vi mais de uma vez ser sujeita a exame cardíaco, com uma naturalidade, uma serenidade, uma coisa única! Terminado, em geral dava certo, porém ela não tinha um grande júbilo. Mas não dando bom resultado, ela não sofria uma grande baixa; continuava a vidinha dela tal e qual. A meu ver, a longevidade dela se atribui, em parte, a isso. Porque para uma pessoa que a propósito de qualquer coisa fica alarmada, isso não pode deixar de ser desgastante.

Ela tocava aquilo com uma serenidade, mas que era a tal elasticidade para a dor. Mamãe sofria muito, mas com uma calma, achando natural sofrer, e com uma bondade resultante, creio eu, da sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que nos aparece na iconografia católica cercado com uma coroa de espinhos, indicando o sofrimento que Ele teve.

Em geral, quando uma senhora tira uma fotografia, a expressão dela é: “Olhe como eu estou bem sucedida, bonita, contente.” Em mamãe a expressão é sempre: “Vejam como eu estou em paz, apesar de muitas dores, e como a minha alma está bem.” É a expressão do Quadrinho.

(Extraído de conferência de 22/9/1990)

1) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base nas últimas fotografias de Dona Lucilia. Ver Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.

2) Ver Revista Dr. Plinio n. 122, p. 18-23.