Entrada de Maomé II em Constantinopla em 1453;Vista de Constantinopla e do Estreito de Bósforo;Vista sul do Partenon, Grécia

No passado houve nações que brilharam, mas depois decaíram e como que desapareceram na História. Se houvesse a conversão total do mundo e todos esses povos se tornassem mariais, poderíamos imaginar que as grandes nações brilhariam mais intensamente da mesma luz que sempre tiveram.

Um ponto de História sobre o qual, de vez em quando, eu reflito e depois me sai da mente porque não há uma necessidade cogente de resolvê-lo – mas é uma muito bonita questão –, é o seguinte:

Hipóteses a respeito da Turquia

A História está cheia de exemplos de nações que viveram numa penumbra durante algum tempo e, de repente, surgiram, realizaram uma determinada tarefa e desapareceram novamente.

Há dois modos de desaparecer: um é quando elas deixam de existir. Outro quando passam a levar uma vida tão medíocre, tão mediana que se tornam um apêndice sem expressão, sem significação de sua história; é uma pós-história.

Por exemplo, a Turquia do século XV passou a ser a nação líder do maometanismo na Europa, com um poder enorme no Mediterrâneo, uma marinha de primeira ordem, uma posição-chave muito importante na passagem do Bósforo e, portanto, no comércio com todo o litoral do Sul da Rússia. Por outro lado, ela era senhora do Norte da África e até mesmo de uma boa parte dos Bálcãs.

Do ponto de vista do Ocidente, isso representa para nós algo de que não nos damos bem conta, porque não é o mundo ocidental. Mas se de fato formos analisar, constitui uma potência colossal. Tal era a importância da Turquia que, no século XVIII, São Luís Maria Grignion de Montfort, falando a respeito do Reino de Maria, apresentava como um dos sinais de grandeza desse Reino o fato de que os turcos estarão dominados. Ora, muito antes do Reino de Maria, a Turquia virou quase um lugar de turismo.

Pergunta-se: essa nação tinha uma missão permitida por Deus de ameaçar a Cristandade, não a realizou e sumiu na História? Ou ela ainda pode ter um grande papel, e esse sumidouro dela não é definitivo?

Grécia e outros povos do Oriente

Dou outro exemplo: a Grécia do tempo de Péricles estava no seu apogeu. Depois começou a decair culturalmente, porque nunca foi uma grande potência militar, a não ser na época de Alexandre, que era um semigrego. Seu pai, natural da Macedônia – lugar do Norte da Península Balcânica, meio helenizado –, tinha menos de grego do que ele, e começou a impor o domínio da Macedônia sobre a Grécia, o Oriente, o Egito, etc.

Essa foi uma missão histórica, ao menos consentida por Deus, ou se deu por acaso? A decadência da Grécia fez com que ela, posteriormente, nunca mais fosse uma grande potência. Quando Constantinopla tornou-se grande potência não era mais grega, mas romana.

NLI (CC3.0)
Londres, em fins do século XIX

Haverá ainda uma possibilidade de a Grécia reluzir com suas antigas luzes, mas batizadas, no futuro, no Reino de Maria? Será que olharemos para Atenas como hoje contemplamos as grandes metrópoles do mundo, ou isso acabou, está parado e não haverá mais nada?

Perguntas ainda muito mais complexas poderiam pôr-se quanto a certos povos do Oriente. Para não ir mais longe, a Índia, a Pérsia, o Egito. Tudo isso é o necrotério, o cemitério da História, ou é chamado a ter um porvir? A velha e gloriosa China de outrora e o Japão, qual é a posição deles no Reino de Maria?

A Europa reviverá?

A indagação é especialmente cogente para os povos do Ocidente. O que será a Europa no Reino de Maria? Até a Primeira Guerra Mundial, o Velho Continente possuía todas as superioridades, inclusive a econômica, que os Estados Unidos estavam para conquistar. O Império Britânico ainda rivalizava largamente com os Estados Unidos, por ser a maior potência econômica da Europa.

Para falar da superioridade cultural, nenhum povo da América, desde o Canadá até o Brasil ou a Patagônia, tem qualquer comparação com a Europa.

Entretanto, o que será da Europa, depois do que está se passando agora? Ela vai ser uma outra Grécia e o mundo assim vai se encher de museus? Ou, pelo contrário, reviverá de alguma outra forma? Há uma série de perguntas, muito importantes, que se põem.

Para respondê-las, é preciso resolver outra. O apogeu desses povos se deu devido a causas puramente naturais ou a estas estiveram ligadas causas sobrenaturais? Nessas causas sobrenaturais quais foram os desígnios divinos?

O desígnio de Deus para um povo com expressão internacional nunca se restringe apenas a esse povo, mas é para o mundo, para o bem geral. O desígnio da Providência para a Europa já se realizou, ou há uma neo-Europa para renascer das atuais condições e brilhar ainda mais para o mundo inteiro?

Nações que são páginas em branco da História

Em função disso, há nações que são ainda páginas em branco da História, a começar pela atualmente mais importante delas: os Estados Unidos. E, conexo com os Estados Unidos, o Canadá. Essas nações atingiram um progresso material extraordinário, mas vê-se que as almas desses povos ainda não deram tudo quanto podiam. Estarão chamadas a dar? Como, quando? Servindo a Igreja no quê e por quê?

Qual é o papel da América Latina dentro disso? Nós estamos chamados a uma ressurreição da latinidade? A partir da Revolução Francesa, os povos latinos foram perdendo a importância gradualmente, e os povos teutônicos e anglo-saxões foram crescendo de importância. A velha latinidade, desenvolvida a partir do Lácio, ainda é chamada a uma ressurreição?

Por fim, de um modo geral, os povos ressurgem na História ou não?

O desaparecimento de qualquer nação é como uma estrela que se apaga

Essas questões não podem ser vistas da seguinte maneira. Imaginem alguém na sala de espera de um consultório dentário, aguardando sua hora, e que não encontra nada mais interessante para ler do que um boletim universitário do planetário mundial de não sei onde. Então, depara-se com esta notícia:

“O astro MNK-PI-Delta, descoberto pelo famoso astrônomo Subaróvaki – estou inventando – afastou-se de sua via e sumiu nas infinitudes do universo, e os astrônomos estão à procura de saber o que aconteceu com este corpo celeste.”

Compreendo que, após ler isso, o homem durma, porque qual o significado do astro MNK-PI-Delta para ele? Nenhum!

Agora, imaginem que se dissesse: “A Lua vai perder o seu brilho.” É um acontecimento interno em cada país, em cada grupo social, em cada alma. Porque a Lua é conhecida, tem “fisionomia”, luminosidade, ela encanta. Tirá-la de nossas vistas é uma tristeza, principalmente se tomar uma cor entre o pardacento e o sangrento, de maneira a procurarmos desviar dela os olhos, porque se tornou um corpo medonho do qual todo mundo foge de fixar o olhar.

Coyau (CC3.0)
Arco do Triunfo, Paris, França

Assim também cada nação dessas não é um astro anônimo e sem aspecto para um homem que tenha um pouco de cultura. Cada uma delas significa algo no vasto mosaico das mentalidades, das culturas, da vida. E o desaparecimento de qualquer nação é como uma estrela que se apaga. E tem, portanto, muita significação.

A latinidade encontra-se em estado de fosforescência

A latinidade foi uma chama que brilhou na Itália, depois na França e, mais ou menos concomitantemente, na Península Ibérica. Encontra-se em estado de fosforescência. Ela se ascenderá com novo brilho? Não sei se imaginam o que seria um mundo sem latinos…

É possível que um anglo-saxão ou um germânico tenha esta primeira reação: “Afinal, o mundo entraria em ordem.”

Certa vez vi uma revista inglesa na qual aparecia a Place de l’Étoile, na França, onde está o Arco do Triunfo napoleônico, fotografada numa hora de rush, com todo o trânsito muito em polvorosa. A revista dizia: “A África começa no Canal da Mancha. Considerem esse aspecto de Paris na hora do rush, vejam a desordem típica do espírito latino. Se ali houvesse bons espíritos anglo-saxônicos para organizar isso, o trânsito não saía assim.”

Meu olhar de latino levaria a responder: Como é pitoresco, original e imprevisto o espírito francês! Nesse caos há um charme, uma surpresa que encanta.

Essa resposta não está longe da seguinte conclusão: como seria sem graça se pusessem ali um policiamento perfeito. Então diante da pergunta: O que seria um mundo sem os latinos? Eu seria levado contrapor outra: O que seria um céu noturno sem Lua?

Pois bem, essa seria minha opinião de latino. Porém, logo depois diria outra coisa: Que horror seria o mundo se nele só houvesse latinos! É evidente.

Que admirável ordem Deus pôs no mundo ao dispor esses povos em desordem! Como se compensam e se equilibram! Para esse equilíbrio, não só a existência ou aparecimento das nações, mas os apogeus importam muito. Porque quando uma nação prepondera, ela irradia seu espírito sobre o mundo.

Qual será a nota preponderante do Reino de Maria?

Nessas condições, seria uma coisa realmente muito interessante a seguinte questão: para o Reino de Maria, qual vai ser a nota preponderante?

Sobre isso só tenho conjecturas. Seria uma espécie de síntese de tudo o que houve, um pouco ou muito revivido segundo mistérios dos desígnios de Deus, à luz do Reino de Maria e da Civilização Católica.

HALUK COMERTEL (CC3.0)
Templo em Hengdian, China

Se houvesse a conversão total do mundo e todos esses povos se tornassem intensamente mariais, poderíamos imaginar que todos brilhassem muito. Contudo, talvez fosse ainda mais bonito imaginar as grandes nações brilharem mais intensamente da mesma luz que sempre tiveram. Por exemplo, a civilização chinesa, limpa do comunismo, rejeitando toda a modernidade revolucionária, não seria uma outra nação, mas continuaria com suas porcelanas, seu marfim, seus cinzeladores, seus artistas, com uma luz interna mais bela, mais intensa, que lhe daria um charme extraordinário, sem que ela perdesse um certo encanto próprio das coisas que tem atrás de si na História.

Mais ou menos como a vida reluzente – eu não diria resplandecente – de certos personagens que realizam uma grande missão e envelhecem, passam dez, quinze anos na inércia venerável da velhice. Nesse fim de existência, que é uma espécie de síntese da vida anterior, em que a pessoa vai se apagando lentamente dentro da dignidade, com um passado já garantido e olhando para a eternidade, há uma espécie de beleza própria que a atividade, a realização não têm. Quiçá alguns povos seriam votados a essa beleza. Afinal, iluminar os que vêm depois não é uma tarefa bastante grande para justificar a existência de um povo? Representar um estado vivo com mil anos de civilização esgota e justifica a existência de uma nação.

Perguntas que possuem apenas pontas de respostas

Um monumento muito significativo disso: a Basílica de São Pedro, no Vaticano. Ela representa todo o passado e o presente superatuante da Igreja, como também um futuro que ninguém sabe como será. Vai-se à noite à Praça de São Pedro vazia, numa noite de luar, ouvem-se apenas os chafarizes cantando de um lado e outro do obelisco, muito mais velho do que a Praça, e que representa os tempos da civilização e da cultura egípcia, a época de Moisés, com hieróglifos que bem poderiam narrar o sepultamento do exército egípcio no Mar Vermelho, quando os judeus fugiram. No alto, uma cruz impávida. Ao fundo, a grande cúpula ladeada por duas outras menores, e a bela arcada formando a cabeça da chave que se estende pela Via della Conciliazione até o Castelo Sant’Angelo. É muito bonito contemplar isso numa noite de luar, vendo os astros se movendo em cima daquilo como a dizer: “Velho monumento, que ao mesmo tempo brilha pelo passado, pelo presente e pelo futuro; tome cuidado, porque o tempo vai correndo…”

Dióscoro Puebla (CC3.0)
Desembarque de Cristóvão Colombo na América

Para esses povos todos houve um período de maturidade único, como há na vida de um homem? O homem tem uma maturidade só; depois ele já sabe o que o espera. Todos somos condenados à morte, e sentimos cada vez mais que a sepultura se aproxima de nós.

Também numa fruta a maturidade corresponde ao estado no qual ela atingiu sua própria perfeição, todas as suas energias internas deram tudo quanto deviam dar, todo o esplendor e força da casca, todo o suco da polpa, toda a riqueza da semente, tudo está realizado. Ela está pronta para o quê? Para morrer. Referindo-nos ao auge de maturidade da fruta, começamos a falar do início de sua velhice. Aos poucos ela vai perdendo sua força, as abelhas, os mosquitos, os passarinhos de toda ordem, misteriosamente tocados pelo instinto, percebem que ela está mole, e podem bicá-la à vontade. Na medida em que ela for envelhecendo, vai se tornando melhor banquete para eles. Em certo momento, o pedúnculo – coisa tão insignificante, quando se pensa na fruta – perde sua força, ela cai no chão e é o desastre: a fruta se esborracha. Então vira o banquete, não mais dos animais que voam pelo ar, mas dos que se arrastam na terra. Torna-se vítima das minhocas e de toda espécie de animais repelentes. Outros animais maiores a pisam e esmagam inadvertidamente, e ela se desintegra.

Então, cada povo tem também uma só maturidade e depois desaparece, ou possui várias infâncias, várias maturidades, vários declínios, várias velhices? E continuando a ser ele mesmo, se reconstruir de dentro de suas próprias cinzas e passar a ser novamente uma grande nação?

São bonitas perguntas, mesmo quando não se possui resposta, ou se têm apenas umas pontas de resposta para elas. Isso eleva o espírito, a pessoa fica com os horizontes mais largos.

Outras reflexões históricas

Eu seria levado a dizer que, normalmente, isso não pode acontecer, mas que por desígnios especiais da Providência é possível. De algum modo isso se realizou na Espanha.

Antes da invasão dos mouros, a Espanha visigótica tinha alguma importância dentro das neblinas e do caos semibárbaro da Europa daquele tempo. Infelizmente, ela teve bispos e príncipes que favoreceram a entrada dos maometanos. A nação espanhola levou oitocentos anos para expulsar os maometanos, mas depois veio a dar na grande Espanha de Carlos V e de Felipe II, e povoou imensidades sem fim na América, que continuam a vida dela.

Mesmo assim, a questão é discutível, porque não se sabe se ela teria chegado à sua maturidade nos tempos visigóticos, ou se foi traída na sua infância.

Não obstante, essas considerações nos servem como uma introdução a reflexões históricas e para nos dar o gosto das leituras históricas, a compreensão do passado e tudo quanto ele diz para o presente.

Teodoro Reis

“Quando me refiro à França, eu me acendo”

Termino com uma reminiscência de minha infância. A História que começou e continua a ser para mim um ponto de atração sensibilíssimo é a História da França. Costumo tratar com atenção, com interesse da História de vários povos. Mas quando me refiro à França, eu me acendo. Não é um povo do qual eu descenda, mas não é preciso descender da Lua para admirá-la. É até mais insuspeita a homenagem de quem não descende.

Comecei a me interessar pela História no choque entre a tradição doméstica, na qual eu vivia, e o ambiente moderno onde estava entrando, quando, de repente, lendo as conferências de La Université des Annales, realizadas com a linguagem leve, atraente, interessante, que é um dom característico do povo francês, e nas quais os personagens históricos eram representados por atores de teatro com trajes e ao som de músicas da época em questão, pensei: “Mas isso aqui parece com o que eu quero conservar!”

(Extraído de conferência de 4/9/1986)