Flavio Lourenço
Defesa de Salerno contra o ataque dos mouros Catedral de Salerno, Itália

O verdadeiro sublime só existe em Nosso Senhor Jesus Cristo e na Religião Católica. Procurá-lo em tudo e amar as coisas na medida em que são sublimes é uma flor do espírito católico, que encontrava nos cruzados a sua realização. Quem, hoje em dia, não possui esse ideal de cruzado não tem meios de se manter, salvo situações muito raras, na posse do estado de graça.

Na adolescência, talvez mais do que na infância, ao menos sob certo ponto de vista, há um período em que a alma, sobretudo do menino, é levada por entusiasmo pelo sublime e a procurá-lo. Mas não encontrando uma justificação intelectual para o sublime, nem alguém em torno de si amando o sublime, falando sobre ele, nem o buscando, surge uma espécie de bloqueio e de solidão que reduz ao silêncio esta sede do sublime do adolescente. Reduzindo-a ao silêncio, acaba extinguindo-a. O sujeito então fica prático, um espírito que se preocupa com os tipos de êxito dos homens que não têm sublimidade.

Gabriel K.

São Francisco de Assis tinha uma alma de cruzado

Na realidade, o verdadeiro sublime só existe em Nosso Senhor Jesus Cristo e na Religião d’Ele. Procurar o sublime em tudo e amar as coisas na medida em que são sublimes é uma flor do espírito católico, que encontrava nos cruzados a sua realização. De fato, com o ideal do cruzado a meta sublime era confiada ao homem sublime para emprego das atividades e dos esforços sublimes a fim de se realizar.

Conta-se que São Francisco de Assis era um verdadeiro entusiasta da Cavalaria e que, antes de fundar a Ordem franciscana, teve uma dúvida se devia abraçar a vida monástica ou ser cavaleiro. Para seus noviços, ele recomendava leituras de vidas de Santos e histórias de Cavalaria.

Em nossos dias procura-se apresentar São Francisco de Assis como tendo um delírio de amor pela natureza, subtraindo da personalidade deste grande Santo o aspecto de cavaleiro. Ora, São Francisco tinha uma alma de cruzado!

O espírito de Cavalaria gerava o gosto da sublimidade em tudo. Donde a presença do sublime na Idade Média, mesmo naqueles que eram chamados a realizar tarefas não propriamente sublimes. Um padeiro chamado Mestre João, por exemplo, dono de uma padaria muito boa, no físico dele e em tudo o mais não tinha nada de sublime, exceto isto: a tendência constante em dar ao pão que ele fizesse o sabor espiritualmente mais elevado e, portanto, mais delicioso. A procura do sabor perfeito estava presente numa ideia do pão sublime que fazia o progresso da arte do padeiro. Ele era um homem cujo gosto na vida estava em contemplar a sublimidade.

Flávio Lourenço
Cristo Salvador – Igreja da Conceição Real de Calatrava, Madri

Devemos ser a contraofensiva do sublime

Disto vivia a Idade Média: da paz daqueles que não estavam destinados à sublimidade como atividade, mas procuravam importá-la para irrigar esse campo não sublime. Então, a rosa sublime, o pão sublime, o traje sublime, a canção sublime, a sublimidade em tudo. Propriamente, a Idade Média é essa omnipresença da sublimidade e, volto a insistir, inclusive nos que não eram sublimes.

Eu li uma obra de um historiador da Idade Média que tratava de um aspecto curioso. Ele perguntava, entre outras coisas, qual a distração que podia haver em um castelo para o povinho que vivia em torno dele. Em geral, num vilarejo, a igreja ficava dentro do pátio do castelo, porque não queriam que ela fosse assaltada por adversários. Portanto, o melhor das muralhas era para proteger a igreja. Mas em período de paz os portões estavam abertos e as pessoas iam rezar na capela, no pátio do senhor feudal. E a distração delas era ver desenvolver-se a vida do pessoal do castelo, que comunicava uma certa sublimidade a tudo que fazia. Aliás, o conceito de aristocracia ia nascendo daí como um perfume se evola de uma flor.

Essa procura universal do sublime nascia, em última análise, do espírito católico levado, no que ele tem de apetência do sublime, ao seu auge pela Cruzada, em que um ideal altíssimo induzia ao sacrifício da vida. Nosso Senhor disse que ninguém pode ser mais amigo de outrem do que oferecendo por ele a sua vida (cf. Jo 15, 13). Então, diante da sublimidade do Divino Redentor uma pessoa, por amor a essa sublimidade, oferece sua vida e eleva-se a si própria a um grau sublime.

O progresso da espiritualidade católica ao longo dos séculos deveria conduzir a esse ponto. Porém, não podia deixar de ser que o demônio quisesse cortar o desenvolvimento dessa espiritualidade. Logo, era preciso que a Revolução fosse a contracruzada, primeiro do banal, depois do vulgar, do vil e, por fim, do infame. Vistos debaixo desse ponto de vista, os movimentos mais avançados da Revolução tendem à infâmia, já de uma vez. É a eliminação de toda a cultura, de toda a civilização, que ainda são os restos da sublimidade que houve em determinado momento. Por essa razão devemos ser a contraofensiva do sublime. É este amor à sublimidade que nos explica.

William Hamilton (CC3.0)
Maria Antonieta sendo levada para sua execução, 16 de outubro de 1793 Museu da Revolução Francesa, Vizille, França

Matar uma princesa como Maria Antonieta só foi possível porque o espírito de Cavalaria havia cessado

O Burke1 tem um trecho muito bonito, onde diz mais ou menos o seguinte: “Que tenha sido possível matar uma princesa como Maria Antonieta, sem que cruzados da Europa inteira se levantassem para impedir que este fato se desse, ou para punir os que o praticaram, era bem a prova de que os séculos grandiosos da Cavalaria tinham passado.”

Durante sua agonia moral, em que ela passou provavelmente acordada a noite inteira, na véspera da guilhotinação, e tendo ouvido, de manhã, os tambores soando em todas as distâncias de Paris, convocando aqueles celerados, sem-vergonhas, para comparecerem e assistirem a sua execução, Maria Antonieta ainda esperava que um tal Cavaleiro do Cravo – um anônimo que mandava cartas para ela, dentro da prisão da Conciergerie, e que afirmou que ele estaria na passagem dela para libertá-la em certo momento – haveria de estar presente.

De fato, houve um avanço por cima do cortejo que a conduzia para a morte, e ela deve ter sentido ali que o Cavaleiro do Cravo estava se aproximando. Mas ele não teve a coragem de levar o risco até o fim, e fugiu com o grupo de asseclas que ele arranjou. O que parecia ainda mais confirmar o Burke… Até os que tentaram ser cavaleiros não o foram até o fim e, colocados diante do perigo, não tiveram coragem.

É verdade, o espírito de Cavalaria estava morrendo, mas Nossa Senhora não permitiria que ele morresse inteiramente, e proporcionou que renascesse na parte católica de um continente sem grande êxito industrial, nem grandes triunfos econômicos, o qual vivia de admirar e imitar a América do Norte e a Europa, sem ter conhecido aqueles valores.

Quem, hoje em dia, não possui esse ideal de cruzado não tem meios de se manter, salvo situações muito raras, na posse do estado de graça. Por isso, a meu ver, esse espírito de Cavalaria deveria ter modelado toda a sociedade civil até o mais ínfimo. Porém, ele foi se evanescendo.

Apostolado da sublimidade

Há pouco vi com tristeza, numa revista, diversas fotografias de príncipes aparecendo só de camiseta nas mais variadas ocasiões, e as rainhas ou princesas, esposas deles, mais ou menos na mesma situação. É de cortar a alma…

Por exemplo, a Rainha da Dinamarca é uma pessoa bem apresentada, uma princesa condigna do cargo que ocupa. Mas, visitando sua cidade natal, na França, para onde ela vai todos os anos passar férias com o marido, estava vestida com uma roupeta qualquer e tomando o aspecto de uma professora de piano, como se apresentava em meu tempo de menino, que ia de casa em casa lecionar para meninas, a maioria das quais não tinham talento para tocar esse instrumento; iam datilografar o piano. Pois bem, essa era a atitude da Rainha, na qual ela estava contente. Quer dizer, é o sublime que se evanesce.

Por outro lado, a sociedade civil, se degenerando muito, cria uma situação na qual torna-se difícil, senão dificílimo, a sociedade espiritual manter-se incontaminada da “peste” proveniente da ordem temporal.

Assim, ou a sociedade civil vive no enlevo do sublime em todas as matérias, ou ela mesma apodrece. Ora, esse enlevo encontra sua expressão mais alta na Cavalaria.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em setembro de 1989

Eis a razão pela qual a vida do homem na sociedade temporal passa a ser de um apostolado constante, com a necessidade de lutar, não mais apenas para se santificar, mas a fim de fazer esse apostolado da sublimidade.

Trata-se de uma militância católica habitual, normal, estável, contínua, por causa do conceito de guerra psicológica que acrescenta à Cavalaria algo que é a forma de mentalidade pela qual se trava essa guerra a favor do sublime.

Idade Média: ponto de referência para o Reino de Maria

O verdadeiro católico deve ser, antes e por cima do guerreiro que luta na batalha convencional, o homem que combate na guerra psicológica contrarrevolucionária, continuamente, sem fadiga, porque tem noção de que, depois de instaurado o processo da Revolução, nunca mais o demônio deixará de promover a guerra psicológica revolucionária. Portanto, os católicos jamais poderão deixar de fazer a guerra psicológica contrarrevolucionária.

Maersk Line (CC3.0)
Rainha Margrethe II da Dinamarca em 1990

Temos nisso o ideal para o qual tende verdadeiramente a nossa vida espiritual. A teoria de Dom Chautard, segundo a qual a fecundidade da vida interior é condição para a fecundidade do apostolado, continua inteiramente verdadeira, mas toma uma riqueza de conteúdo ou de clave especial.

Isso leva as coisas a termos tão mais altos do que houve na Idade Média, nem sei o que dizer… É o Reino de Maria para o qual a Idade Média nos serve de ponto de referência.

Aliás, tudo quanto digo da Santa Igreja é uma explosão de amor à sublimidade dela. Nunca me refiro à Igreja a não ser em termos de sumo enlevo por sua sublimidade, por mais que as circunstâncias atuais possam ser dolorosas… Isso é conatural a mim, de maneira que, se eu perdesse esse amor, morreria.

(Extraído de conferência de 9/9/1989)

1) Edmund Burke (*1729 – †1797), filósofo, teórico político e orador irlandês.