Anton von Werner (CC3.0)
Inauguração do Reichstag no Salão Branco do Palácio de Berlim por Guilherme II (25 de junho de 1888) - Museu Histórico Alemão

Na Idade Média se entendeu que na sociedade temporal a mais alta carreira era a militar. Exatamente por causa do princípio enunciado por Nosso Senhor: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos.” Por essa razão, as mais belas guerras da História foram aquelas que tomaram todo o seu sentido no ideal religioso.

A nação alemã é tão militarista que o estilo militar invadiu a vida civil. Os estudantes tinham várias associações, muitas delas fundadas há séculos. Cada um possuía um uniforme próprio e usava uma espada para esgrima, que era o esporte preferido por eles.

O que a alma militar tem de mais belo

Vemos em uma das fotografias uma cerimônia na corte. O Imperador fardado, de pé sobre o estrado junto a dois tronos com um dossel. De tal maneira o feitio militar impregnou a vida alemã que até as velhas senhoras são tesas e hirtas como dragão de cavalaria. A Imperatriz, pessoa aliás muito afável e simpática, tem um pouco a postura de uma “generala”. Mas tudo se passava de um modo meio militaresco na corte alemã, sempre impregnada pela ideia de que o valor supremo da existência humana é a luta, portanto a guerra, a imolação da vida ou a destruição de vidas.

Flávio Lourenço
Jesus indicando o caminho aos cruzados – Igreja Sainte-Ségolène, Metz, França

Na música militar alemã as notas saem como se fossem batalhões, arrasando no ar um inimigo imaginário. Silêncios preguiçosos se rasgam diante deles, e vão batendo, cutucando, combatendo, de maneira a se ter a impressão de que acabam tomando a cidadela. É a descrição magnífica de um combate ou a sonorização de uma parada. Quando determinados instrumentos dão uma nota, tem-se a sensação de estar vendo o passo do soldado alemão, moverem-se capacetes, elmos, estandartes… É toda a epopeia da Alemanha imperial que passa diante de nós.

Por detrás do aparato militar muito bonito e da sonorização que combina tanto com esse aparato, percebemos algo mais belo: é a alma militar. O que esta, por sua vez, tem de mais belo é a decisão decorrente da profundidade da alma humana de entregar a vida por um determinado ideal. Não é entregar a vida deixando-se matar, mas é destruindo algo que não tem o direito de existir, organizando contra um ilegítimo agressor uma força metódica, implacável e disposta a tudo.

A vida humana não é o valor supremo

O bonito, então, não é só esta resolução, mas, acima dela, o idealismo. Se algo fere o Direito, a Lei, a Moral, não tem a faculdade de ser; e em nome da Lei, do Direito e da Moral é preciso tomar a iniciativa de lutar contra isso.

Trata-se de uma resolução tomada à luz de um princípio superior, determinando no homem uma verdadeira sublevação no sentido etimológico da palavra, um surto de toda a personalidade, uma mobilização completa. Não uma mobilização sem distância psíquica, neurótica, de um gagá que toma um remédio qualquer para ficar meio alucinado e vai como uma besta se meter em cima das baionetas dos outros, mas de um homem inteiramente lúcido, senhor de si, que apela para sua própria personalidade e a coloca na luta. E o faz numa espécie de ato de holocausto, que é o seguinte: Se eu devo morrer, a minha vida teve pleno sentido porque me realizei por inteiro.

O homem se realiza por inteiro quando se dá a algo que vale completamente. Então ele chegou à sua própria plenitude. Sobretudo, quando se dá totalmente com o risco de, após a guerra, ficar estropiado, cego, arrastar-se como um inválido, às vezes um pobre mendigo, ou morrer na flor da idade, tornar-se prisioneiro, ser maltratado. Seja qual for o risco, ele resolveu e fará. Executa e sofre, mas nesse sofrimento o homem se une com seu ideal e, por assim dizer, se realiza com seu ideal.

Isto, no fundo, tem o sentido seguinte: a vida humana não é o valor supremo. A comodidade, a prosperidade, o conforto, o próprio prazer nobre e elevado de ter uma cultura, uma instrução, a familiaridade com altas cogitações do espírito, nada disto constitui o fim da vida. Sua finalidade consiste em algo que é mais alto do que a vida: o Direito considerado em si, a Moral considerada em si, o Bem considerado em si, em holocausto do qual o homem se imola.

A mais perfeita das guerras em todos os tempos foi a das Cruzadas

Mas, por sua vez, o que é o Direito, o Bem, a Moral considerados em si? A Doutrina Católica ensina: só existe um Deus supremo, perfeito, santíssimo, Criador de todas as coisas, a cuja Lei todos devem obedecer, Ele é o Bem, o Direito. Deus premia o herói e castiga o injusto agressor ou o poltrão que não soube resistir a este último. Quer dizer, ou esses princípios se personificam num Ser espiritual vivo, perfeito e infinito, ou não têm sentido.

Porque o Direito em si… é o que os latinos chamam flatus vocis, uma palavra vácua, um som emitido pela voz. Moral em si… que sentido tem o vocábulo “moral” se não há um Deus que me premia e me castiga, o Qual eu preciso amar porque Ele é Ele? E ainda mesmo que não me premiasse e não me castigasse, eu O deveria amar porque Ele é perfeitíssimo e digno de todo amor.

Isto dá o último sentido da imolação, do senso militar. Por essa razão a mais bela e nobre forma de guerra que se possa imaginar é a guerra religiosa.

A guerra das guerras em todos os tempos e a mais perfeita foi a das Cruzadas para libertar o Santo Sepulcro e as populações dos católicos do Oriente próximo, que estavam opressas pelos maometanos. A Cruzada contra os cátaros e albigenses, as guerras de Religião da Liga Católica da França, as dos chouans, dos carlistas, dos cristeros são as mais belas guerras da História, porque tomam todo o seu sentido no ideal religioso.

Flávio Lourenço
Vitória de São Miguel e seus Anjos contra os demônios – Igreja de São Lourenço, São Lourenço de Morunys, Espanha

E agora vem a mais alta consideração que podemos fazer: a alma desses guerreiros que morrem pensando em Deus. De um Roland, par de Carlos Magno, que expira em Roncesvales, entregando sua alma ao Criador. Essa alma que O ama tanto é, ela mesma, um reflexo d’Ele, parecida com Ele, criada à sua imagem. Deus Se espelha nela e esse heroísmo que há nela é o reflexo de uma virtude divina. Um reflexo muito mais próximo do que o leão, o qual é um animal irracional. O herói é um ente racional e, na sua alma espiritual, o heroísmo já é um reflexo muito mais próximo de Deus. Porque a alma se parece muito mais com o espírito do que matéria.

A primeira guerra santa da História

Quantas atitudes de Deus no-Lo mostram como guerreiro! Ele ordenando a São Miguel Arcanjo que elimine os demônios que se revoltaram no Céu e os precipite no Inferno. Que ato supremamente majestoso! Deus, no fundo de todos os séculos, levantando-Se na sua indignação e dando a ordem a São Miguel Arcanjo para expulsar os demônios. Pode-se imaginar esta manifestação da cólera divina, do desagrado de Deus, da repulsa, da rejeição, do asco e, depois, o castigo eterno, completo: “Contra eles o meu ódio implacável. Eu os cancelarei do local glorioso, a perpétua e feliz permanência na minha presença, e os atirarei para todo o sempre numa dor sem remédio, nem diminuição, nem consolação no lugar do fogo, das imundícies, do asco, da blasfêmia, da tortura, detestados por Mim por toda a eternidade.”

Imaginem a majestade dessa sentença! A beleza do triunfo de São Miguel Arcanjo e de todos os Anjos fiéis que, no Céu, resistiram à prova e, por assim dizer, desfilaram diante de Deus, recebendo – eles, os bons guerreiros que empurraram os demônios para o Inferno – o prêmio pela guerra santa, a primeira da História, que tinham travado. Que resplendores no Paraíso! Que “paradas”, que “marchas”! Se, como sabemos, os Anjos entoam um canto espiritual, o que terão sido os cânticos deles durante a guerra contra os demônios, e o que poderia ser o cântico de triunfo dos Anjos fiéis no Céu, mostrando a Deus os demônios derrotados? Ninguém pode ter ideia da beleza disto!

Mas, com o favor de Nossa Senhora, nós vamos ter esta ideia. Quando sobre o mundo desolado, devastado, escangalhado, quase todos ou todos os homens mortos, a tuba do julgamento final tocar e os corpos começarem a ressuscitar, e o Verbo de Deus encarnado baixar à Terra em pompa e majestade, veremos o Criador dando o final também da grande batalha da Criação. Ele vai chamar a Si todos os eleitos que se unirão a Ele num desfile processional garboso e marcial. E vai mandar para o Inferno, para o lugar dos derrotados, os maus que foram esmagados na luta.

A alma guerreira, santíssima e perfeitíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo

Então, nós teremos o último cântico de triunfo da Criação que vai celebrar a alegria e a majestade da vitória de Deus. Nossa Senhora vai brilhar com toda sua refulgência, Ela a Quem a Escritura compara textualmente a um exército em ordem de batalha, e que sozinha esmagou todas as heresias no mundo inteiro. Nós vamos ver Nosso Senhor Jesus Cristo erguer-Se com aquela majestade que Ele tem no Santo Sudário, no furor de sua indignação contra os maus e no esplendor de seu amor aos bons, e veremos a separação feita. O exército dos bons vai ficar para todo o sempre no Céu e o dos maus para todo o sempre no Inferno. Será o fim da batalha e a vitória permanente dos bons.

Gabriel K.
Juízo Final – Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque

Nesse momento nós teremos refulgências de Deus e veremos aquilo que poderíamos chamar a Alma guerreira, santíssima e perfeitíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, chamado pela Escritura o Leão de Judá, e de Nossa Senhora, a Rainha de todos os exércitos.

São Paulo diz que ele só sabia pregar a Jesus Cristo. E depois acrescentou: a Jesus Cristo crucificado (1Cor 2, 2), entendendo que todas as coisas perfeitíssimas, santíssimas e insondavelmente sábias que Nosso Senhor fez em sua vida, sendo elas todas objeto de enlevo constante dos homens, entretanto como que se compendiavam no ato em que Ele deu a vida na Cruz. Quer dizer, no momento em que o homem se imola por algo, ele dá tudo quanto poderia dar. O holocausto, o sacrifício cruento contém todo o resto. É um ápice.

J. P. Braido
Jesus carregando a Cruz – Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Guatemala

Por causa disto, na Idade Média se entendeu que na sociedade temporal a mais alta carreira era a militar; e a classe social que seguia essa carreira era a mais alta, ou seja, a nobreza. Exatamente por causa daquele princípio enunciado por Nosso Senhor: Ninguém pode amar mais seu amigo do que dando a vida por ele (cf. Jo 15, 13). Então é aquele ato de suprema identificação com os mais nobres ideais, pelos quais alguém se oferece num holocausto cruento. Eis porque a Igreja tem canonizado homens em todos os estados de vida, desde príncipes até lixeiros, desde Papas até humildes sacristães, de todas as idades, etc., mas quando ela fala dos mártires tem um tremor na voz e um enlevo especial nos olhos. Nada mais belo do que oferecer a sua vida. São Paulo já disse: Cristo crucificado excede a tudo (1Cor 1, 23-25).

O bonito é que Nosso Senhor aceita, mais do que os nossos atos, os nossos desejos. Se tivéssemos o desejo intensíssimo e cotidiano de viver e morrer numa guerra santa, ainda que não fôssemos capazes de lutar durante ela, quando morrêssemos teríamos a glória do guerreiro. Mas para isso seria preciso nós termos um espírito tal que, a qualquer momento em que a guerra santa arrebentasse, nós entrássemos para ela como Nosso Senhor Jesus Cristo tomou sua Cruz: com entusiasmo, com alegria, osculando-a de satisfação.

(Extraído de conferência de 12/1/1973)