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A Revolução Industrial e o impasse do demônio

Em seu primeiro momento a Revolução Industrial embeveceu o homem com suas maravilhas que suprimiam uma porção de desconfortos e inconvenientes. Com o tempo, entretanto, os descobrimentos foram se tornando menos deliciosos e os homens ficaram no estado de querer pular fora dela. Daí surge o hippismo e uma série de outros desregramentos, parecendo afirmar o fracasso da Civilização…

A Revolução Industrial visou tirar aos homens a calma e a seriedade, e, consequentemente, a objetividade.

Divulgação (CC3.0)

O homem se maravilhou desde logo com os frutos da Revolução Industrial, pois constituíam uma surpresa cheia de maravilhas, porque suprimiam uma porção de desconfortos e inconvenientes e proporcionavam deleites com os quais as pessoas se entusiasmavam.

Invenções deslumbrantes que quebravam a rotina de séculos…

University of Liverpool Faculty of Health & Life Sciences (CC3.0)
Aparelho de radiografia na década de 1940

Exemplo disso foi a supressão de incômodos através da invenção dos meios de transporte rápidos, donde surgirem certas denominações de trem: “Expresso Rápido Direto de Paris a Constantinopla”, “Orient Express”. Para aquele tempo tudo isso era fabuloso. Pousar em Budapeste e amanhecer em Constantinopla!

Algo que também maravilhava era quando um trem entrava dentro de um navio, para que um trecho de mar fosse atravessado sem que a pessoa saísse de dentro do vagão. Eu passei por esta circunstância e lembro-me de ver todos, inclusive os de minha família, ficarem maravilhados! No fundo, era a sensação de um vagão sendo carregado por um navio especial, um navio-ponte.

Lembro-me de pessoas pedirem licença ao chefe do trem para descerem a um espaçozinho a fim de verem o mar; tudo isto deslumbrava deliciosamente, levando as pessoas a tirarem a atenção dos inconvenientes da vida. Era o sair de uma ultra rotina, que datava de séculos, e entrar em algo novo, ao mesmo tempo delicioso!

Ora, com o tempo, deu-se o seguinte: os descobrimentos foram se tornando menos deliciosos e correspondendo mais a atender necessidades sérias que levantavam pensamentos preocupantes… Por exemplo, o surgimento das radiografias.

A radiografia no início deslumbrou, mas o celebrá-la era lembrar ao homem a condição de doente. Por outro lado, dava a oportunidade ao médico de descobrir poderes no organismo, com o que, às vezes, ele não contava. De maneira que, se bem que a existência da radiografia fosse para todo mundo uma causa de alegria, o radiografar-se, não o era para ninguém. Os resultados davam, sobretudo, em tuberculose.

Aflições e temores causados pelos avanços tecnológicos

Lembro-me de pequenas cenas: um primo meu, que já morreu, e que era um touro; antes de ele assumir um cargo público, foi tirar radiografia dos pulmões no Instituto Clemente Ferreira. Estava um mundo de gente e ele pelo meio. De repente, a secretária do radiologista interrompendo a fila, chamou-o.

Ele contou-me que teve um primeiro movimento, ao pé da letra, de desmaiar, ao ser chamado. Entrou, examinaram-no e não era nada. Ele havia tirado a radiografia numa posição inadequada e precisava refazer o exame.

Quando afinal de contas ele saiu, com a chapa da normalidade, sentia-se como um gato que pula para fora do braseiro.

Houve ainda o caso de um outro primo que foi examinar-se com um oculista muito bom que havia em São Paulo naquele tempo. O homem assestou aquelas “metralhadoras” em cima dos olhos do infeliz, olhou e disse:

— Você está com tuberculose nos olhos.

Cliff (CC3.0)
Telégrafo

O rapaz voltou para casa doido.

Baltimore and Ohio Railroad Company (CC3.0)
Central de Telégrafo de uma revista de Baltimore, Ohio, EUA

— Papai, o médico disse isto.

O pai disse:

Divulgação (CC3.0)

— Não pode ser! Você amanhã vai a outro médico.

Foi de fato a outro médico que chegou à conclusão:

— Isso é uma loucura, não tem nada. Você teve uma conjuntivitezi nha e eu vou pingar em você um colírio e até o fim da semana, você estará bom.

E ficou bom mesmo, mas enquanto não saiu, aquele suspense…

Um outro primo foi passar uns dias com o pai em Campos do Jordão e o médico decretou que ele estava cardíaco em alto grau. Tinha muitos cardíacos na família paterna. Voltou para São Paulo imediatamente, chegou aqui, foi se examinar: não era nada.

É um progresso? Sim! Mas um é o de descobrir a luz elétrica, instalá-la e ter a sala iluminada aggiorni, como se dizia. Outro é o de descobrir coisas desagradáveis.

Assim foi também com o telégrafo. O papel do telegrama, em geral, passou a ser o de comunicar uma bomba. Nos romances, chegava um telegrama quando o homem tinha perdido a fortuna. Logo depois ele se matava, e encontravam perto do cadáver dele o telegrama meio molhado de sangue.

Quer dizer, começava a acumular-se só aspectos negativos de muitas evoluções, enquanto que outras tornavam-se completamente banais, como a luz elétrica.

Eu peguei o tempo em que o abajur surgiu para quebrar o excesso da luz, e começou a se tornar moda. Isso pegou de tal maneira, que não há quase sala onde não se encontre um abajur. Ou seja, aquele esplendor da iluminação primeira, que encantou não a mim, mas os do tempo de minha infância, foi passando. A própria Revolução Industrial foi azedando nas mãos do homem, mudando de aspecto de tal modo, que no fim, restava apenas a sobrecarga de uma capacidade estonteante de trabalhar e de viver.

Wellcome Library, London (CC3.0)
Homem atormentado por vários demônios

“Divórcio” com a Revolução Industrial: o hippismo

Apesar de a Revolução Industrial ter deslocado tanto o homem e o tirado de seus gozos, a humanidade ainda a considera como um benefício; mas aquilo que de início havia sido um “casamento” com a Revolução Industrial por amor, acabou sendo um casamento por razão. Ou seja, os polos amaram-se no começo, no período seguinte conviveram racionabiliter, e cada um percebendo o tédio do outro mas entendendo ser razoável viverem juntos. Ora, quando o casamento chega a este ponto, ele está caminhando para o divórcio. E divórcio com a Revolução Industrial dá no hipismo e a tudo o que leva o homem a fugir da Revolução Industrial.

Os que percorrem o arenal da Revolução Industrial, durante algum tempo, ficam no estado de querer pular fora dela. E eu tenho a impressão de que os que lançaram a Revolução Industrial, preve niram tudo isto e conheciam muito bem a que consequências iriam levar. Mas calcularam a coisa de propósito, de maneira que, em determinado momento o homem quisesse fazer o processo contrário àquele impulso que o havia levado para onde ele não queria.

Desagregação final, fracasso da Civilização

Por exemplo, se a Medicina é a arte de curar e nunca foi levada tão longe quanto hoje em dia, também é verdade que o número de doenças vai se multiplicando, e que o número de doentes vai crescendo cada vez mais e as exigências de tratamento de saúde são tais, que não há mais dinheiro para tratar de uma população que adoece muito mais do que outrora. Infecções hospitalares…Uma coisa bárbara!

Há monumentos ou prédios que nos trazem ainda à memória a atmosfera meio de ilusão, por exemplo, o prédio da Faculdade de Medicina, em frente ao Cemitério do Araçá. É um estilo pseudo-inglês, um gótico inglês finissant, expirante, com gramados enormes para fazer o local atraente, agradável. Passa-se em frente à Faculdade: um isolamento, uma “Bastilha”. E aquilo tudo colocado diante do Cemitério, dando a entender que o caminho é curto… é só atravessar…

Tudo isto vai criando um fracasso da Civilização, cujas situações internas são ainda mais cruéis. Por exemplo, a impossibilidade de manter um sistema carcerário que contenha todos os prisioneiros pela multiplicação dos crimes.

Ora, quando uma situação entra em uma determinada rampa, todas as coisas se azedam umas às outras. A sociedade vai água abaixo e a solução é requerer a pajés, a orixás para ver se resolvem a questão.

Vamos nos pôr claramente diante da situação. Nenhum de nós tem certeza de que nunca uma pessoa é beneficiada em magias ou macumbas. Não tem, porque o demônio pode intervir a favor da pessoa. Imaginem um sujeito que não tem Fé e que tem uma vontade de recorrer a uma macumba, sair-se de uma situação. Por exemplo, assinou uma letra de câmbio, um cheque sem fundos. E ele tem um mês diante de si. Agora, ele tem ao lado da casa dele um terreiro de macumba, ele entra ou não para ver se cava lá uma solução para o caso? Não há dúvida!

O que resta disto? Uma espécie de desagregação final necessária que prepara uma outra ordem de coisas. Nós não sabemos, por exemplo, a que conduzirá um mundo cibernetizado e computadorizado. Só sabemos de uma coisa: é que estamos sendo conduzidos para lá.

E nós deveríamos considerar a seguinte questão: o que o demônio quer como ponto terminal? Existe um ponto terminal? E o que ele pode querer como ponto terminal?

Impasse do demônio

Haverá um determinado momento da História da humanidade em que o demônio considere do interesse dele acabar com o mundo, antecipar o fim do mundo para que Deus não realize o seu plano? Ou, ele quererá projetar de modo indefinido o mundo, imaginando poder levá-lo a um auge de pior e desfigurá-lo?

São perguntas de caráter inteiramente teológico; eu não tenho os elementos para respondê-las, mas formulá-las é algo ordenativo para o pensamento.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em outubro de 1986

Agora, há um problema diante do qual o demônio se põe: “Existe uma situação pior, um pecado auge na ordem do possível para a qual eu, demônio, possa levar o homem? Mas, isso convém a mim ou agindo assim provoco demais a Deus e Ele resolve acabar com o mundo? Se a minha intenção é fazer com que o mundo dure muito, vale a pena provocar este auge de pecado, sim ou não? Mas de outro lado, se eu vejo que o mundo vai acabar porque Deus está resolvido a isto, em determinado momento não vale a pena eu acelerar o auge do pecado, antes que isto aconteça? No que consiste o auge de pecado e como arrasto o homem até lá?”

“Diante do problema das civilizações: o que é preferível é que o homem conheça no seu roteiro alternativas entre civilização indígena, mais requintadas e mais tremendas, a boçalização campestre também mais terrível, ou é melhor que o homem afunde definitivamente em um destes dois extremos? Que ele vire um animal ou que ele vire um demiurgo? Ou existe a possibilidade de somar a condição de animal com a de demiurgo? E fazer de isto tudo, um conjunto só?”

O que seria um demiurgo? Um ser dotado de tal poder que seria como se fosse um ente meio divino. Mas, para o mau. Então um homem ultra progredido seria um demiurgo, um Homo Sapiens.

Depois, estas perguntas se repetiriam com relação à Igreja. Qual seria a pior situação que o demônio a poderia levar? A situação em que ela está caminhando é a pior possível? Ou haveria ainda uma situação pior que a atual?

Eu não sei responder a estas perguntas, sei, quando muito, formulá-las…

(Extraído de conferência de 1/10/1986)

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