domingo, noviembre 24, 2024

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Magnífico palácio espiritual

Não é raro visitarmos algum ambiente, monumento ou lugar histórico, e termos a impressão de ali estarem presentes algumas pessoas que muito o marcaram. Além de dar uma dimensão mais profunda à nossa visita, essa experiência nos leva a compreender melhor o espírito dessas personagens do que se houvéssemos diariamente convivido com elas.

Esta reflexão me vem à mente, de modo especial, quando me lembro das ruínas do Coliseu romano. Ao penetrarmos nelas, sentimos, por uma ação da graça divina, a presença dos mártires que ali padeceram e verteram seu sangue, para se tornarem — no inspirado dizer de Tertuliano — sementes de novos cristãos. Heróis da Fé, admirados por todo o mundo, em todos os séculos, desde os tempos da Igreja catacumbal até o dia de hoje! E mesmo homens que se vangloriam de seu ateísmo, quando vão a Roma, não deixam de passar pelo Coliseu, para ver de perto o lugar onde aqueles valentes enfrentaram as feras para se manterem fiéis à religião católica apostólica romana.

Que palácio espiritual magnífico! Imenso e faustoso, é uma das matrizes de maravilha nesta terra.

Sua maior beleza aparece à noite, quando as sombras e trevas atenuam o prosaísmo das coisas modernas que o circundam, e o silêncio das altas horas envolve os ruídos cacofônicos da cidade que adormece. Em certo momento, enquanto uma lua graciosa e amiga esparge suas aveludadas cintilações, ouve-se o demorado silvo de uma ave noturna, aninhada sob um dos arcos do Coliseu. Aquela espécie de brado nos faz lembrar o gemido dilacerante de um mártir, a derradeira prece lançada aos céus por uma alma a caminho da suprema imolação…

Contemplar aquele anfiteatro de tragédias e de heroísmos leva nossa imaginação a reproduzir um dos mais belos episódios de martírio que registra a hagiografia católica.

*

É noite na Roma dos Césares. Aqui e ali, as tochas que a iluminam vão se apagando. Pouco a pouco, esmorecem os barulhos das festas, extinguem-se conversas e risos. Na soberana metrópole do mundo, tudo é calma e tudo repouso. Despertos, em meio a densas trevas, ficam apenas os mártires do Coliseu, orando e se encorajando mutuamente. Por vezes a noite é borrascosa, o tempo inóspito, tornando ainda mais horrorosa e dorida aquela vigília para a morte.

De súbito, ouve-se o bramido de uma fera ecoando pelos lúgubres porões do grande circo. Rugido de animal faminto, há dias privado de alimento para que mais encarniçado se atire sobre sua vítima, na hora do fatídico encontro. E o urro do tigre, do leão, da pantera ou da hiena repercute como um estremecimento de terror nos corpos dos católicos. Alguns choram, com medo de lhes faltar a coragem no momento decisivo. Suplicam a Deus, com toda a alma, forças superabundantes para não cometerem a pior das infidelidades, para não apostatarem da verdadeira religião de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sereno em meio a tanta apreensão, um dos cativos, já entrado na ancianidade, percorre as fileiras de prisioneiros, dirigindo a cada um palavras de ânimo e esperança. Certamente recorda-se ele, nesse extremo de vida, daquela voz suave e paternal que — conforme reza a tradição — um dia, em sua remota infância, penetrou no mais íntimo de seu ser: “Deixai vir a Mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus”. Agora, imitando o Divino Redentor, promete àqueles irmãos de Fé a mesma bem-aventurança eterna.

Aos poucos vão se atenuando as trevas, e a claridade da manhã traz consigo o ponteiro que marca a hora do sangrento suplício. Os rugidos das feras tornam-se mais intensos e aterradores; as súplicas, mais prementes e fervorosas. Soam os clarins, anunciando a chegada do César. Abrem-se as prisões, e os mártires são conduzidos ao local da imolação. Ao vê-los, trôpegos e maltratados, o povo pagão que lota as arquibancadas do Coliseu explode em vaias e apupos.

Libertas de suas jaulas, as feras esfomeadas se precipitam sobre as carnes dos católicos. Exceto uma. Dando provas da autenticidade da Fé que professa, aquele velho cativo detém miraculosamente o leão que cresce para ele. Abre seus grandes braços e eleva aos céus uma extraordinária prece: “Senhor, assim como o trigo é esmagado para se transformar na Sagrada Eucaristia, assim esta fera triture o meu corpo, por Vós, ó meu Deus!”

Só então, desvencilhado da misteriosa força que o retinha, o animal se atira sobre o mártir, despedaçando-o. O herói foi Santo Inácio de Antioquia, aquele que, quando menino, fora acariciado pelo Mestre Divino, recebendo d’Ele a promessa do Reino dos Céus.

E a noite recai uma vez mais sobre a grandiosa mole do Coliseu. As areias do circo pagão, embebidas de sangue católico, transformam-se de novo em campo arado e fértil, de onde germinarão muitos outros filhos da Esposa Mística de Cristo.

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