A nota dominante no ambiente em que vivia o mundo antes da guerra européia era, incontestavelmente, o otimismo. Diversos fatores concorriam para isto. O primeiro e maior deles era a prosperidade geral que dava à civilização burguesa então florescente uma aparência de esplendor capaz de iludir e de inspirar confiança até nos mais precavidos. Em segundo lugar, a influência do evolucionismo, então muito generalizada, incutia em todos os espíritos a persuasão de que a humanidade caminharia inevitável e resolutamente pela senda do progresso, até atingir uma idade de ouro, na qual o homem pudesse realizar, com o único auxílio da ciência, a sua perfeição intelectual e física. Em terceiro lugar, o imediatismo e as preocupações muito mais apaixonadas pelos trabalhos de imediato interesse econômico do que pelas longas indagações de caráter filosófico e social, cegavam muitos observadores que dispunham de todas as qualidades necessárias para fazer um juízo seguro e imparcial a respeito da situação do mundo. A conjunção de todos estes fatores derramava sobre a superfície do mundo uma tranqüilidade e uma aparência de estabilidade que parecia desafiar as mais formidáveis tormentas.
Se tal se dava na Europa […], nosso Brasil, que já por sua índole é pacato e caseiro, pouco afeito a aventuras arriscadas e muito amigo de conciliações, dormia o sono tranqüilo e imperturbável dos que não têm inimigos a temer nem perigos a recear. […] Foi neste ambiente otimista e míope que o Episcopado Nacional lançou, nos primeiros dias do novo século, uma estupenda Pastoral Coletiva, pouco conhecida entre nós atualmente, mas que repercutiu naquela época como uma trovoada formidável em céu sereno.
Disse uma vez Tristão de Athayde, com sobrada razão, que a Igreja está sempre com um progresso de algumas décadas, em relação à generalidade dos homens de Estado no apreciar e antever o curso dos fenômenos políticos, sociais e econômicos. A Pastoral de 1900 é uma prova insofismável desta verdade. Denunciando a crescente corrupção dos caracteres, o olvido sempre mais geral de nossas tradições, a indiferença religiosa das classes cultas que mal disfarçavam uma positiva animosidade contra a Santa Igreja de Deus, e a divulgação cada vez mais intensa, de doutrinas que, remota e indiretamente, tendiam a destruir toda a ordem, não apenas religiosa mas civil, o Episcopado Brasileiro procurou sacudir nossa Pátria, acordando-a do torpor em que jazia, para lhe dar consciência da perigosa situação em que se encontrava. E, em frases de uma eloqüência verdadeiramente apocalíptica, os Bispos do Brasil denunciaram que, a continuarem as coisas no caminho que seguiam, dia viria, e não muito distante, em que as mais sérias catástrofes ameaçariam nossa Pátria.
Inútil é dizer que a voz profética de nossos Pastores não foi ouvida pelos que então eram responsáveis pelos destinos do País. Por um momento, os espíritos se concentraram sobre as cores sombrias do panorama nacional, que o Episcopado reproduzia tão fielmente na sua Pastoral. Mas essa atitude foi de duração passageira. […]
*
Se, em 1900, os Bispos brasileiros souberam ser médicos bastante perspicazes para fazer o diagnóstico de um mal secreto que ninguém percebia, deram com isto provas suficientes de sua clarividência, para que se aceitasse o principal remédio que prescreveram. Esse remédio não foi outro senão a instrução religiosa, insistentemente recomendada por nossos Pastores. […]
Sob o ponto de vista jornalístico, seria sem dúvida mais interessante que oferecêssemos hoje a nossos leitores considerações palpitantes sobre os acontecimentos que passam. Mas nosso dever é outro. É preciso chamar mais uma vez a atenção de todos os católicos para o grande problema central do Brasil, central por ser o ponto de irradiação de todos os outros problemas. Se o Brasil for consciente, intensa, entusiasticamente católico, poderá atingir a grandeza a que está chamado por sua vocação histórica e providencial. Mas se sua Fé continuar tíbia, se continuarem mornas as convicções, se Cristo não for realmente o Rei dos corações dos brasileiros, nossa Pátria estará irremediavelmente afastada do único caminho em que pode realizar sua missão. Porque Nosso Senhor Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade, a Vida, e o Brasil, se não estiver com Ele, sairá do Caminho, apostatará da Verdade, e perderá a Vida.
Ninguém pense, no entanto, que, para integrar o Brasil no espírito católico, seja necessário converter nosso País. O Brasil é uma das maiores nações católicas do mundo, e o que lhe falta, graças a Deus, não é a Fé, mas a instrução religiosa.
É magnífica a ofensiva que os católicos de São Paulo desferem em todos os campos da atividade social, para restaurar o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo no Brasil. Incontestavelmente, é esta a mais indispensável das obras que devamos empreender. Porém, na prolixidade dos diversos fins associativos, na multiplicidade dos numerosos problemas, é preciso não esquecer essa verdade fundamental: o Brasil, do que precisa mais do que tudo, é Catecismo.
Porque como será possível recatolicizar uma Nação, quando a maior parte dos católicos nem sequer saberia dizer de cor os dez mandamentos da Lei de Deus, ou os cinco mandamentos da Igreja, ou os Sacramentos? Se falta a base, do que vale todo o resto?
(Excertos do artigo com o título de “A questão fundamental”, publicado no “Legionário”, 28/11/1937.)