sábado, noviembre 23, 2024

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Alguns conselhos espirituais

A vida contemplativa nos assemelha aos coros angélicos superiores. Entretanto, um dos maiores obstáculos para alcançá–la é o apego às ninharias. Sofrer por amor a Deus, vencer o orgulho e a tibieza, e dominar a língua constituem meios indispensáveis para o progresso espiritual.

Pediram-me para comentar algumas máximas espirituais extraídas de escritos de São João da Cruz1 e de Dom Guéranger2.

Gabriel K.
São João da Cruz – Mosteiro de São José, Ávila

Superioridade da contemplação sobre a ação

Nossa inteligência não saberia apreciar a superioridade de uma alma que pudesse ser émula dos querubins e dos serafins, sobre aquela que não poderia ser assemelhada senão às hierarquias inferiores. Uma falsa modéstia, o amor do medíocre não saberia ter legitimamente curso nessas matérias. Importa, mais do que se poderia dizer, aos interesses da Santa Igreja e à gloria de Deus, que as almas verdadeiramente contemplativas se multiplicassem sobre a Terra. Elas são a mola oculta e o motor que dá o impulso na Terra a tudo quanto diz respeito à glória de Deus, ao Reino de seu Filho, ao cumprimento perfeito da vontade divina. Em vão multiplicar-se-ão as obras, indústrias e mesmo dedicações. Tudo será estéril se a Igreja militante não tiver santos que a sustentem no estado de contemplação, na via que o Mestre escolheu para resgatar o mundo.

O autor dá a favor dos contemplativos um argumento muito bonito. Para provar ser, em si, a vida contemplativa superior à vida ativa, ele afirma que a primeira imita as hierarquias superiores dos Anjos, enquanto a segunda imita as categorias angélicas inferiores. E aquilo que é próprio às naturezas mais elevadas é intrinsecamente superior. De onde se chega à conclusão de ser a vida puramente contemplativa mais do que a vida ativa.

Naturalmente, essas afirmações precisam ser consideradas com matizes, porque, ao tratar da questão, São Tomás de Aquino afirma que melhor é a vida ao mesmo tempo contemplativa e ativa.

Sem dúvida, ter ambas é mais do que uma só. Mas isso não quer dizer que a pura contemplação não seja superior à ação.

Flávio Lourenço
Os cambistas – Museu de Belas Artes, Nancy, França

É preciso considerar o ângulo sob o qual o assunto é visto para apreender a harmonia dessas afirmações e proposições.

Inimigos da contemplação e do recolhimento

Passo a comentar agora algumas sentenças de São João da Cruz.

Ó poderoso Senhor, seca-se meu espírito porque se esquece de apascentar em Vós! Não vos conhecia eu, meu Senhor, porque queria ainda saber e saborear ninharias.

Flávio Aliança
Museu do Convento de Santa Catalina, Cusco, Peru

É uma verdadeira maravilha!

O amor da ninharia é uma das coisas mais invisceradas no gênero humano. Mesmo quando se tratam de assuntos sérios, por vezes, são considerados do ponto de vista da ninharia. Se vamos, por exemplo, a um restaurante, a uma praça pública ou a um veículo de transporte co letivo, encontramos todas as pessoas quietas, pensando em ninharias, ou conversando sobre as ninharias em que pensavam. Mas o gosto, o apego é pensar a respeito de ninharias.

Ora, diz São João da Cruz com muita propriedade:

Não vos conhecia eu, meu Senhor, porque queria ainda saber e saborear ninharias.

Quem saboreia ninharias não pode saborear a Deus. Por quê? Porque não é possível gostar de duas coisas opostas ao mesmo tempo. Ora, Deus é infinito, altíssimo, insondável, transcendente. A ninharia é o contrário: é a “droguinha”, a coisinha, a bagatelinha.

Não se deve tomar uma atitude mesquinha diante disso: “Ah, então não tem remédio, porque eu gosto tanto de ninharia, que nunca me descolarei dela.” Pelo contrário, trata-se de dizer: “Meu Deus, livrai-me da ninharia, dai-me o vosso Espírito Santo que me fará sentir a apetência das coisas grandes e me dará o horror à ninharia.”

Flávio Lourenço
Preparação para a Missa – Igreja de Santa Maria Maior, Cáceres, Espanha

No Evangelho Nosso Senhor diz que, de todas as orações, a mais certamente obtida é aquela em que nós pedimos o Espírito Santo. Então, é o que se trata de pedir.

Ó poderoso Senhor, seca-se meu espírito porque se esquece de apascentar em Vós!

O espírito que se apascenta em Deus é aquele que gosta de pensar nas verdades da Igreja e da Doutrina Católica. É como uma ovelha que se nutre das coisas divinas. Quem não pensa nessas coisas e só cogita em ninharias, evidentemente o espírito dele se seca.

Assim se dá com quem tem adoração pela máquina. É exatamente o espírito da ninharia, que se afasta de Deus.

Hoje presenciei este fato curioso: um caminhão enorme, uma espécie de “dinossauro” de metal, com um banco altíssimo para um sujeito guiar, descarregou em frente à Igreja do Coração de Maria uma máquina escavadeira. O veículo parou, baixaram duas tábuas e a máquina começou a descer. Os primeiros automóveis que estavam na fila pararam a fim de assistir à descida da escavadeira de dentro do caminhão, e para ver se não havia o risco daquela coisa virar para trás.

Gabriel K.
Alegoria da inveja – Cappella degli Scrovegni, Pádua

Não tinha perigo, já fora mil vezes estudado, a máquina é tão estúpida que não tem nada de imprevisto. De maneira que não havia razão nenhuma para essa torcida característica de ignorantes.

Ninguém buzinou, ninguém manifestou pressa, houve um suspense… Quando a escavadeira desceu, houve uma espécie de alívio, de satisfação geral, um pouco de admiração também. “Que bicho singular essa escavadeira! Interessante isso!”

Outro pensamento magnífico:

Se queres chegar ao santo recolhimento, não hás de ir admitindo, mas negando.

Sê avesso em admitir em tua alma coisas destituídas de substância espiritual, para que não te façam perder o gosto da devoção e o recolhimento.

Quer dizer, os espíritos polêmicos, que se isolam das coisas do mundo, rompem com elas, esses são os que chegam ao recolhimento. Os espíritos conciliadores: “Ah! Tudo muito bom…”, que prestam atenção em tudo, gostam de tudo e se abrem para tudo, esses são incapazes de recolhimento.

Importância do sofrimento e da vitória sobre o orgulho, a tibieza e a língua

O mais puro padecer traz e produz o mais puro entender.

Outra proposição magnífica! De fato, só entendem as coisas até o fundo aqueles que sabem sofrer até o fim. Quem não é assim, não compreende nada com profundidade.

É melhor sofrer por Deus do que fazer milagres.

Como é verdadeiro isso!

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1965

Encontra-se gente que fez milagres e foi para o Inferno. Porém, nós não encontramos pessoas que sofreram por Deus a vida inteira e foram para o Inferno. O maior milagre é o milagre moral do homem que sofre de todas as maneiras, por amor a Deus e não volta atrás nos seus sofrimentos. Logo, devemos considerar como verdadeira esta sentença: é realmente melhor sofrer por Deus do que fazer milagres.

Quem se fia de si mesmo é pior que o demônio.

Fiar-se de si mesmo corresponde a pensar o seguinte: “Tal graça – por exemplo, a virtude da castidade – eu não preciso pedir a Nossa Senhora porque consigo por mim mesmo. É questão daquela minha bem conhecida força de vontade, não é? Diante da ocasião, sabe que eu sou um colosso? Não preciso pedir. Vocês são um beatério aí, ficam pedindo. Mas eu, com a minha força de vontade e inteligência, não preciso. Na hora eu enfrento!”

Resultado: se estatela no chão, cai o cavalo e o cavaleiro. E segundo uma expressão arcaica que eu conheci, “cai de costas e quebra o nariz”. Quer dizer, a queda é tão grande que a fratura atinge até o nariz. Mas por quê? Exatamente por fiar-se em si mesmo.

Quem opera com tibieza, perto está da queda.

É outra verdade evidente.

Algum tempo atrás uma pessoa me dizia, mas no fundo fazendo o elogio de si mesma:

— Fulano é tíbio, mas muito correto.

Respondi:

— Sim, é apenas “muito correto”. Por isso está se desmilinguindo. É a mesma coisa que olhar para um agonizante e dizer: “Ele está vivinho e inteiro”. Por certo ele ainda não morreu, mas a vida o está abandonando. Como é essa história?

É melhor vencer-se na língua, do que jejuar a pão e água.

É bem verdade. Entretanto, em nossos dias, qual a maior vitória a ser conquistada no uso da língua? Antes de tudo, não proferir palavras impuras. Mas também não dizer coisas que representem uma fraqueza diante do mundo. Agrados, gentilezas, atitudes que deem a impressão de sermos filhos deste século. Eis a vitória sobre a língua que se trata de obter.

(Extraído de conferência de 23/11/1965)

1) Entre outras obras, Avisos y sentencias espirituales. Sevilla: 1701.

2) GUÉRANGER, Prosper. L’Année Liturgique. Tomo VI. Librairie Religieuse H. Oudin. Paris: 1900. p. 442-443.

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