jueves, noviembre 21, 2024

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Dama íntegra na defesa dos princípios

Dona Lucilia dava um alto valor aos princípios, sobretudo ao da justiça, oriundo de uma profunda seriedade de espírito. Ora ela procurava agir na defesa de um ofendido, ora na repreensão de um culpado, demonstrando sempre um grande equilíbrio. Em suas censuras não havia perigo de a pessoa sair desanimada, porque sempre repreendia cheia de afeto e de bondade.

Ocorre-me explicitar um aspecto de mamãe que me impregnou profundamente, algo de uma atuação intensa em meu espírito.

Defesa da justiça, feita com afeto, em nome do amor à vítima

Dona Lucilia era uma pessoa cuja alma estava muito iluminada por princípios morais. Embora concebidos em abstrato, eram, ao mesmo tempo, vividos de modo concreto. De maneira que, vendo alguém ser objeto de uma injustiça, mamãe tinha uma noção tão ideal, tão firme, tão nítida e tão elevada da justiça, que ela se associava à pessoa injustiçada por compadecimento, por amizade ou por estima, como se aquele mal tivesse sido feito a ela. Ela até podia tomar amizade por uma pessoa relativamente indiferente a ela, só pelo fato de esta ter sofrido uma injustiça. Para ajudar o infortunado a suportar aquilo, ela vinha com o seu afeto em socorro dele e tomava para si aquela injustiça.

Nunca passou pela cabeça dela caluniar alguém. E mesmo ao ver uma pessoa objeto não de uma calúnia, mas de um comentário ou de uma apreciação injusta, mamãe tomava aquilo com tanta pena e ficava tão desejosa de restabelecer a justiça, reconhecendo o que a pessoa de fato era, que estando presente e tendo elementos para defender, ela não deixava de intervir.

Fotos: Arquivo Revista
Dona Lucilia na década de 1920

Em geral – é curioso – ela intervinha a favor da pessoa, não alegando tanto a justiça, mas a bondade de coração. Então dizia: “Você tem a crueldade de fazer um juízo assim a respeito dessa pessoa. Não percebe que ela não merece essa apreciação? Olhe, tem esse lado e tal outro.” Mamãe tomava a defesa do próximo como se se queixasse, afetuosamente, de uma dor feita a ela.

Era, portanto, uma espécie de reivindicação da justiça, mas em nome do amor que ela tinha pela vítima. E como se ela própria fosse a vítima, falava com o culpado. Percebia-se a alegria de mamãe quando conseguia fazer com que o difamador voltasse atrás. Ela ficava verdadeiramente alegre. Inclusive, às vezes, mamãe defendia alguém de quem podia ter alguma queixa. Não tinha conversa, se era uma injustiça, ela reclamava.

Notem que isso significa dar um alto valor ao princípio da justiça, o qual provinha de uma profunda seriedade de espírito e trazia consigo uma severidade muito grande em relação à injustiça, porque, mesmo quando fosse algo insignificante, mamãe intervinha, tomava a defesa. Ela era intransigente na sua justiça.

O modo de mamãe advogar não era como o de um advogado: “O princípio da justiça, segundo o Direito Romano, é este: ius suum cuique tribuendi – dar a cada um segundo o que é seu –, você violou o direito porque sua apreciação não corresponde à realidade. Eu vou lhe provar no que não corresponde.” Não! Ela apresentava a situação dando mais ou menos por certo que o ofensor facilmente se daria conta da injustiça cometida, procurando enternecer o coração deste a respeito do injustiçado.

Era uma defesa da justiça, mas feita com afeto, em nome do afeto e da bondade que se deveria ter para com as pessoas. Isso dava à impostação de alma de Dona Lucilia um “verniz” e uma fisionomia muito própria à alma brasileira. Esse modo de agir, se não é dirigido a um homem empedernido – porque esse já não tem remédio –, é muito mais próprio a tocar o brasileiro.

Junto à repreensão, uma inundação de carinho

Assim como mamãe tinha esse zelo pela justiça, tinha também por todas as outras virtudes. Outro exemplo era a castidade. Ela qualificava a impureza como sendo uma desgraça imunda na qual alguém podia cair e ficava com pena de quem caía. Enquanto estava naquilo, ela sentia náuseas do infeliz, mas se este manifestava o desejo de sair desse estado, a situação se alterava imediatamente.

Mamãe possuía uma espécie de severidade. Se tinha que falar com uma pessoa impura, uma mulher, por exemplo, ela diria: “Mas, minha pobre Fulana, você fez uma coisa dessas? Não é possível, pense um pouco!” Falaria com tanto afeto, procurando tirá-la de dentro do pantanal. A pessoa sairia querendo-a bem, mas medindo por inteiro a gravidade do que tinha feito.

É um modo de agir como não vi igual. Pode não ser muito amável o que acabo de dizer, mas notem: eu não estou falando de pessoas desconhecidas, mas só daquelas conhecidas. Entre estas últimas, eu não vi ninguém agir assim como mamãe.

Lembro-me do comentário dela na ocasião em que falsifiquei uma nota no boletim do Colégio São Luís: “Mas, um filho meu, falsário?!” Revelava tal gravidade no dizer “filho meu” – pois era a maternidade tomada a sério – e, ao mesmo tempo, tal carga de censura para quem falsifica a letra de outrem, ao dizer “falsário”, que era uma coisa do outro mundo. Entretanto, junto com a repreensão, vinha uma inundação de carinho, uma espécie de convite afetuoso para deixar de ser falsário. O que, a meu ver, representa o equilíbrio ideal na censura.

Algo disso se percebe no Cemitério da Consolação, junto à sua sepultura. Às vezes eu vejo um ou outro lá, numa posição contrita, porém não exprobada. De repente, a pessoa sente-se afagada e, aos poucos, as muralhas do mal se amolecem nessa alma até se desfazerem por completo, e o carinho dela penetra; entra o verão onde estivera o inverno.

Portanto, se convém ser severo ou misericordioso, em Dona Lucilia esse binômio se dissolvia e as duas coisas se fundiam.

Essa forma de agir de mamãe me parecia eminentemente evangélica. Ela agia tal como Nosso Senhor – guardando as devidas proporções, é evidente. A influência do Sagrado Coração de Jesus penetrava a fundo nela. E não havia perigo de a pessoa sair desanimada de uma censura feita por ela, porque o afeto de mamãe a soerguia de tal maneira, que esta se deixava levar.

Se, por exemplo, os sacerdotes soubessem agir assim, levariam um número de almas muito maior a Nosso Senhor. Mas, infelizmente, não o fazem.

Os pitos de mamãe eram equilibrados e equilibrantes

Já contei o que se passava quando, em criança, eu fazia alguma coisa errada. De um jeito ou doutro, ficava esperando a repreensão. Para mim, a sanção suprema da Fräulein era falar com mamãe:

Ich werde es Mutter sagen!

O que significa: “Eu vou dizer isso à mãe.” Em alemão se diz “à mãe” assim: Mutter.

Eu replicava:

Fotos: Arquivo Revista
Dr. Plinio no Cemitério da Consolação, em 1991

Mutter sagen? Não! Não quero, porque vai aborrecê-la! Ainda que provisoriamente ela se sinta distante de mim, não quero! Faça o que quiser, mas isso eu não quero!

No entanto, quando a coisa era pesada a Fräulein me acusava e mamãe me mandava chamar. Vinha a criada:

— Sr. Plinio, Dona Lucilia mandou chamá-lo.

Eu já sabia o que era e ia entristecido, mas com a esperança de levar um pito porque eles me pareciam maravilhosos.

Habitualmente, mamãe permanecia deitada na chaise-longue. Ela passava o braço pela minha cintura – eu era menino, baixinho –, punha-me bem perto dela e me olhava com um olhar penetrante, até o fundo da alma. Seus olhos eram marrom-escuros, mas nessas horas ficavam pretos. Olhava-me bem firme e dizia:

— Filhão, é verdade que você fez isso?

Eu, atraidíssimo, tinha vontade de dar-lhe um beijo, mas sabia não ser a hora, pois ela não o receberia bem. E respondia:

— Sim, senhora, eu fiz isso.

— Mas, pense um pouco, não é possível! Veja tal coisa assim…

Dito com tal gravidade, mas com tanto afeto! Finalmente me perguntava:

— Você está arrependido?

Eu invariavelmente estava:

— Estou.

— Está bem. Você promete a mamãe que nunca mais faz isso?

Fotos: Arquivo Revista
Plinio no Colégio São Luís, em 1921

— Prometo, sim senhora!

— Então agora dê um beijo em mamãe.

Aí vinha o ósculo com delícias. E eu pensava: “Ah! Que pito maravilhoso! Que coisa incomparável! Que contato de alma extraordinário!”

Ela toda me parecia aveludada nessa ocasião.

Ao ver essa atitude de mamãe, dava-se algo curioso comigo. Eu me comovia profundamente, mas como um homem se comove; não chorava, mas me tocava a alma a fundo. Depois ia brincar ou estudar, coisas que me davam muito menos ânimo do que estar com ela, mas ia e tocava a vida.

Quando me encontrava de novo com ela era como se não tivesse acontecido nada; ela, contente. E na hora do “boa-noite” ela não repetia a queixa, não voltava à carga. Aquilo estava esquecido.

Era um equilíbrio muito equilibrante, porque ajudava a criança tratada assim a tomar equilíbrio.

Eu percebia que não a abarcava por inteiro

Aqui se põe um problema muito delicado que deve ser a base do Rei no de Maria: o equilíbrio entre a severidade e a bondade; entre a hierarquia e a bondade, a manutenção das desigualdades. Isso em Dona Lucilia se resolvia de uma forma muito benévola.

Mamãe tinha uma atitude até ciosa com relação à hierarquia, mas não de molde a querer empurrar o outro para baixo. É como quem diz: “Não me levem para baixo, porque não sou isso.” Ela amava enormemente a hierarquia nos que lhe eram superiores. Um exemplo disso era o respeito e a veneração dela pela Família Imperial, à qual devotava uma verdadeira dedicação feudal. Mas, se alguém dessa família – nunca aconteceu – passasse a tratá-la sem o respeito inteiro que lhe era devido, mamãe não toleraria.

Por esses aspectos notava-se nela uma alta virtude e um profundo equilíbrio. O que supunha muita inocência. Em todas as fotografias de Dona Lucilia nota-se essa inocência em grau eminente. E nesse ponto ela era insondável.

Fotos: Arquivo Revista
Dona Lucilia, com sua neta, em 1929

Aliás, um aspecto em mamãe que me encantava era este: eu percebia que não abarcava tudo nela, tornando-a assim mais atraente. Quando nos damos conta que não conhecemos tudo em alguém e sempre tem algo a mais para descobrir, essa pessoa se torna muito mais atraente do que contemplar uma coisa bonita, mas já inteiramente conhecida.

Integridade de alma no amor ao princípio

Quando alguém possui uma virtude, não podemos amar apenas o princípio moral nela representado, mas temos que amar a virtude praticada e existente nela e, portanto, devemos amar a pessoa. Este é um imperativo de justiça.

Se eu tomo um princípio exposto num manual de Moral: “Não se pode ter ódio no coração”, ou melhor: “Deve-se ter ódio quando há violação de um princípio”, e vejo alguém praticando esse ódio, eu sou obrigado a amar a pessoa, por justiça. Do mesmo modo, quando vejo a transgressão de um princípio moral, sou obrigado a desamar a pessoa por um princípio de justiça, também. A justiça é isso. Proceder de outro modo é pecar contra esta virtude.

Um exemplo: Eu amo todo objeto bonito, porque corresponde a certas regras de arte. Não posso amar em abstrato uma regra de arte e, vendo a regra de arte realizada num objeto, não gostar deste. Se eu não gostei do objeto, não gostei da regra, é evidente.

Do mesmo modo pode-se dizer que a obra de arte de um princípio moral é o homem que o pratica. Portanto, se a pessoa não amou com integridade de alma aquilo que teoricamente ela sustenta, ela, de fato, não o pratica.

Se eu vejo um cruzado partir para a guerra, não posso ser apenas entusiasta do princípio de que o homem deve dar sua vida em defesa da Fé católica e me manter indiferente quando o vejo partir para a batalha. Se assim for, eu terei uma concordância algébrica com o princípio, mas não terei o entusiasmo verdadeiro. Na realidade, no fundo, é falta de amor de Deus.

Vamos dizer que eu assistisse à seguinte cena: os despojos mortais de um cruzado voltam para a cidade onde ele nasceu. A família recebe os despojos, acompanha a pé carregando-os para a igreja. Esta se abre, todo mundo se reúne lá, etc. Está o cadáver ali, deitado, dentro da couraça, do elmo, etc. Presencio essa cena, eu até escrevi um livro sustentando que se dever ir à cruzada, porém, quando vejo chegar o corpo do cruzado, não vou vê-lo, porque estou tomando uma cerveja qualquer num bar do caminho.

Há teóricos que são assim. Mas esses não amam o princípio, porque, do contrário, vendo passar aquilo que amam, eles acompanhariam, quereriam olhar, ver o rosto, perguntar como e onde morreu, quais foram as bonitas circunstâncias que cercaram a sua morte, a piedade como foi, etc. E se puderem, levam ainda alguma coisa que pertenceu ao cruzado, uma flor que tocou nele, qualquer coisa, levam para casa.

Assim era mamãe, ela não só amava, mas praticava tudo aquilo que amava.

(Extraído de conferência de 25/8/1984)

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