Há quem confunda bondade com ingenuidade. Este é um equívoco não cometido por Dona Lucilia. Extremamente bondosa e afetuosa, ela formou seus filhos na mais intransigente escola da vigilância.
Qual foi a impressão causada por Dona Lucilia, em meu interior, durante toda a vida?
O amor materno
Recordando os mais antigos fatos da infância, momentos onde o filho começa a deter-se atenciosamente em sua mãe e tomar consciência de que ela possui uma relação especial com ele, lembro-me de me sentir envolvido pelo trato materno.
Era uma impressão forte, doce, estável e cheia de luz. Dona Lucilia era sumamente tranquila, sem, entretanto deixar de ser íntegra e intransigente.
Embora sofresse muito durante a vida, mamãe possuía uma paz decorrente da convicção de que estava vivendo e sofrendo como devia, e que o caminho trilhado por ela era o desejado por Deus.
Embora sofresse muito durante a vida, mamãe possuía uma paz decorrente da convicção de que estava vivendo e sofrendo como devia, e que o caminho trilhado por ela era o desejado por Deus. Este estado de alma proporcionava a ela uma enorme tranquilidade de consciência. Isso explica o fato de ela não se agitar com coisa alguma.
Por outro lado, Dona Lucilia não tolerava o menor mal. Em qualquer circunstância ela exigia que as coisas fossem inteiramente bem feitas. Nunca considerando o mal pelo seu lado mais divertido ou engraçado, ela não tolerava de nenhuma forma as coisas ruins. Isto dava a mamãe um bonito aspecto de alma pelo qual nunca a vi mentir, ou procurar fazer um sofisma, enganando alguém. Dizia a todos a verdade como era, cumprindo seu dever até onde necessário. Isso se dava, sobretudo, em relação aos filhos.
Nessa eu posso confiar!
Eu nasci muito fraco, e por isso, quando pequeno, Dona Lucilia cuidou de minha saúde o quanto pôde.
Devido a minha frágil saúde, eu tinha muita dificuldade em dormir à noite. Então, acordava e via o quarto todo escuro. Dava-me uma sensação de isolamento, de solidão, não tendo a quem dirigir-me.
Por esta razão, mamãe mandava colocar minha cama ao lado da sua. Ao acordar, ficava um pouco intimidado em despertá-la, mas, afinal, chegava um momento em que não era mais possível ficar sozinho, e, então, punha a ponta do dedo em seu braço.
Como toda criança, eu não pronunciava bem as palavras. E tendo apenas dois anos de idade, queria dizer mãezinha, mas dizia manguinha.
Às vezes, quando acordada, ela logo percebia tratar-se de mim, e começava a entreter-me, até notar que estava sossegado. Então me deitava novamente na cama e ambos dormíamos.
Porém, em algumas ocasiões — pelo fato de estar indisposta ou simplesmente por ter um sono muito profundo — Dona Lucilia não acordava. E possuindo um temperamento categórico desde pequeno, eu passava para a cama dela — era um verdadeiro “alpinismo” — e tocava-a para que despertasse.
Para ter bom êxito em minha “escalada”, eu tinha de me pôr de pé e tentar galgar uma grade alta que havia em minha cama para evitar qualquer acidente…
Passando para a sua cama, começava a chamá-la, porém não era atendido. Então me aproximava e abria os olhos dela, pois, assim, naturalmente acordaria.
Nunca aconteceu algo senão isto: ela acordar, e imediatamente sorrir, dizendo:
— Meu filhinho. É você?
Quando eu voltei, Dona Lucilia estava sentada numa poltrona, no hall de entrada da casa, nós nos abraçamos e beijamos de modo efusivo.
Ela me disse: “Graças a Deus, você ainda é o mesmo.”
Imediatamente ela se sentava na cama, fazia com que eu me sentasse no travesseiro dela, e iniciava o conto de uma história. Eu me sentia penetrando na história através dos olhos dela. Ela me queria muito bem, e eu tinha noção — talvez confusa pela pouca idade, porém real — desse afeto do qual era objeto. E por ser cauto desde pequeno, pensava comigo mesmo: “Nessa eu posso confiar, porque ela me quer bem.”
Meu coração está à procura de Plinio e não o encontra
Inúmeros episódios como esse se repetiram ao longo de minha vida. Lembro-me também daqueles momentos nos quais a severidade dela se manifestava. Por exemplo, quando na década de cinquenta viajei à Europa.
Dona Lucilia ficava muito apreensiva quando alguém da família fazia viagens de avião, pois naquele tempo os aviões eram ainda muito primitivos. E atravessar o oceano de avião tinha seus riscos, os quais ela não queria que seu filho passasse. Então, não cheguei a dizer a ela que ia à Europa. Disse que ia ao Rio de Janeiro — naturalmente precisava ir ao Rio para depois ir para a Europa.
Pedi que Dona Lucilia me preparasse uma mala com muitas roupas, pois talvez me demorasse um pouco mais no Rio. Ela parecia estar tranquila, e por isso julguei que não desconfiasse de nada.
Contou-me um parente próximo, muito ligado a ela, que no dia seguinte ao da viagem, minha mãe pediu que ele fosse a minha casa. Este parente chegou, e Dona Lucilia lhe disse:
— Diga-me uma coisa: onde está o Plinio?
— O Plinio?
E deu uma resposta evasiva. Entretanto, ela disse:
— Meu coração está à procura de Plinio e não o encontra. Procuro-o no Rio e ele não está; procuro-o em Santos — lugares onde costumava ir — e Plinio não está lá. Você precisa me dizer onde está o Plinio.
Ele sorriu e disse a ela:
— Lucilia, o Plinio está na Europa.
— Como Europa?!
— Sim, ele resolveu ir para a Europa, passar alguns meses, por motivos de seu apostolado.
Então, mamãe chorou e rezou por mim. Pouco tempo depois, chega para ela uma cesta de flores enorme que eu tinha encomendado, calculando a hora aproximada em que ela saberia da notícia, acompanhada de uma carta sumamente afetuosa, dirigida a ela.
Não preciso dizer que ela gostou muito da cesta. À tardinha, na hora do crepúsculo, chega outra cesta de flores com outra carta minha. E durante toda a viagem escrevi várias cartas a ela — as quais eram invariavelmente respondidas.
Quando voltei — Dona Lucilia sabia que estava chegando —, ela estava sentada numa poltrona, no hall de entrada da casa. Abriu-se a porta e eu a vi sentada no sofá.
Era costume mamãe levantar tarde, pois rezava muito à noite, indo dormir às 3h da manhã. Consequentemente, acordava lá pelo meio-dia e ainda ficava rezando na cama por mais algum tempo, pois, como sofria do fígado, ela devia ficar muito tempo recostada.
No dia de minha chegada, porém, ela levantou-se mais cedo e já estava inteiramente à minha espera. Quando entrei, abracei-a e beijei-a de modo efusivo.
Dona Lucilia recuou um pouco e fixou o olhar no fundo dos meus olhos. Eu fiquei curioso de perguntar o que significava aquilo. Ela me disse:
— Graças a Deus, você ainda é sempre o mesmo.
Era a vigilância materna: um afeto cheio de vigilância, uma vigilância cheia de afeto.
(Extraído de conferência de 27/10/1988)