Filho de Deus pelo Batismo, o católico é chamado a corresponder aos dons celestiais que recebe de seu Criador e, através desta fidelidade, fazer com que sua fisionomia moral adquira toda a beleza que a prática da virtude lhe proporciona. Conforme nos ensina Dr. Plinio, essa formosura de alma é duramente prejudicada pelo pecado, e restaurada pelo sacramento da penitência.
Avida apresenta muitos aspectos comuns que, aparentemente, não revelam nenhuma beleza. Imaginemos um botequim numa hora de pouco movimento, quase vazio. O dono se acha junto à caixa registradora, contando o dinheiro e com os olhos acesos para vigiar se não entra alguém com más intenções. Ao mesmo tempo, alegra-se com os lucros obtidos, o que lhe empresta uma fisionomia comprazida. Dali a pouco verifica mais uma vez os apontamentos e fecha a gaveta.
O silêncio no bar é penas interrompido pelos automóveis que passam em frente e por uma torneira na pia metálica onde se lavam os copos, cujo funcionamento avariado a faz gotejar. Haverá algo mais comum do que esta cena?
Uma ação trivial pode se tornar muito bela
Entretanto, se o proprietário praticar esse trabalho com elevação de espírito, é incontestável que será digno de simpatia, admiração e até de aplauso. Suponhamos que esse homem seja chefe de família e tenha, por exemplo, um filho ou uma filha gravemente doente, necessitando submeter-se a uma cirurgia. Ele quer acelerar o rendimento do seu negócio a fim de poder pagar um ótimo cirurgião e oferecer ao enfermo uma convalescença rápida e segura. Então, é o desvelo paterno que o move a laborar com afinco. Aquele serviço que parecia ser fruto do trivial ganha pão, torna-se um belo ato.
E muito mais belo seria se esse pequeno comerciante, não tendo encargos de família, resolvesse dar todo seu lucro a uma associação que vise servir a Santa Igreja Católica e a Civilização Cristã.
Assim, o trabalho desse homem é uma ação comum, se o faz lícita e honestamente para ganhar dinheiro. Ação bela, se o executa tendo em vista um benefício maior para os seus, determinando-lhe um certo desprendimento. Ação linda, em que o amor de Deus transparece de modo mais claro, se o realiza pela Igreja Católica e a Cristandade.
Em síntese, a intenção proporciona maior ou menor pulcritude a um ato lícito.
Cada ato da boa confissão tem sua beleza própria
Algo de análogo ocorre com a confissão, que se desdobra em vários atos, na aparência comuns. Com efeito, a pessoa primeiro faz o exame de consciência, em seguida se dirige ao sacerdote, expõe-lhe suas faltas e recebe a absolvição. Para um espírito superficial, trata-se de um ato corriqueiro. Para um espírito que se considera “profundo”, acusar seus próprios pecados a outro homem, é uma coisa feia.
Na realidade, porém, cada um dos atos que constituem a boa confissão — exame de consciência, arrependimento, propósito de emenda, acusação dos pecados, absolvição e cumprimento da penitência — possui um pulchrum característico que merece ser conhecido e admirado por nós.
E para melhor o compreendermos, importa não nos esquecermos do quanto é horroroso o pecado, seja venial, seja mortal. O primeiro conduz a alma ao Purgatório, cujo fogo é expiatório e purificador, constituindo um grande sofrimento.
Ora, a esse padecimento nos expomos quando cometemos algum pecado venial. Como o Altíssimo, que nos ama tanto, nos sujeita a tormento tão grave, se a falta venial não fosse uma ação má? Mais ainda. Ela deixa em nossa alma como que escórias, vestígios que merecem esse castigo para purificá-la. E se a Sabedoria eterna, insondável, infinita, assim considera as coisas, como somos cegos se não as percebemos desse modo!
Pecado e emenda contemplados numa metáfora
Se isso ocorre com o pecado venial, que dizer do mortal?
Imaginemos um artista muito talentoso e fecundo que conseguisse esculpir dez imagens de jovens, mais ou menos da mesma idade, porém com fisionomias, portes e tipos raciais diferentes, próprios a profissões distintas. A aparência de cada um deles é de quem possui mentalidade, grau de sensibilidade e um modo de ser peculiares.
Imaginemos ainda que, atendendo ao pedido desse insigne escultor, Deus transformasse essas imagens em criaturas humanas que passassem a falar e a mover-se. E, sempre misericordioso, o Altíssimo determinasse que cada estátua-viva tivesse gestos, voz, atitudes correspondentes à fisionomia primorosa que o artista lhes imprimiu. Além disso, imaginemos que Deus fizesse com que esses dez moços se tornassem retos, elevados, sábios, criteriosos, fortes, firmes, profundos, nobremente generosos e santamente joviais. Que alegria teríamos em vê-los!
Por sua vez, o artista ficaria encantadíssimo, porque suas estátuas feitas de mármore frio, por uma ação do Criador se transformaram em carne e osso, enriquecidas de uma alma infundida pelo Altíssimo, adaptada às feições que ele, escultor, modelara nas imagens.
As estátuas-vivas postas à prova
Em certo momento, esses dez jovens ouvem a voz de um anjo, emissário de Deus, que lhes transmite o seguinte recado: “Meus filhos, amados pelo Senhor que lhes deu estes predicados e qualidades. Cada um de vós se acha encantado com seus nove companheiros, porque vê a beleza de todos e, sobretudo, seu valor moral e intelectual. Ó vós que me ouvis, Deus vos alerta: cada vez que fordes tentados e resistirdes, aumentareis vossa perfeição. Vosso porte será mais nobre, vosso olhar mais repleto de luz, vossa alma cumulada de santidade e união com Ele. Mas, se cairdes em pecado, vossa alma e vosso físico irão tomando a feiúra própria ao pecado. Com o venial, o olhar se embaça, o aspecto se degenera. Se consentir na preguiça, torna-se mole; se na ambição, um homem de torcidas e ansiedades, se na impureza, assume aspectos desagradáveis, cheiros ruins, etc.
“Agora, ide e vivei! Saí pelas ruas e enfrentai a grande batalha dos presentes dias. Sede fiéis neste mundo, é a vossa vez de dizer ‘sim’ a Deus!”
Suponhamos que o escultor pudesse acompanhar cada um pelas ruas e notasse modificações. Às vezes, sua obra-prima tornava-se medonha, asquerosa; depois, embelezava-se novamente. Em certas ocasiões, vê-la-ia mais bonita do que quando saiu do seu cinzel e do instante em que o Criador lhe infundiu uma alma imortal. Ele saberia que em determinado momento Deus haveria de declarar cessada aquela vida, e o jovem ficaria por toda a eternidade com a fisionomia que constituiu para si ao longo dessa caminhada.
Para cada um, o prêmio ou o castigo eterno
Quanta alegria teria o escultor ao ver, em certa hora, um dos seus como que filhos, encontrando-se no melhor aspecto e condição, ser chamado por Deus e subir ao Céu no esplendor da beleza e da bondade as quais lhe foram dadas originariamente! O Criador o havia recebido na bem-aventurança eterna. Pelo contrário, que tristeza ao saber que um outro, quando estivesse mais desfigurado e horrendo, morreu vítima de acidente automobilístico e foi levado ao inferno pelo demônio.
O artista compararia então a imagem ideal que ele concebera para aquele, quando era ainda escultura, com a fisionomia que esse ente forjou para si, porque não amou as perfeições nele infundidas. E o escultor pensaria: “Dei-lhe tais coisas; fiz em seu favor tais outras; custou-me elaborá-lo, imaginei-o e o esculpi. Entretanto, por uma bagatela, um prazer fugaz, ele se transformou nesse horror. Vi como Deus atuou em favor dele, falou-lhe no íntimo de sua alma pela voz da graça, e ele não quis se corrigir. Ou o fez de maneira superficial, por instantes, atirando-se em seguida de novo nos abismos do pecado.
A compulsão e o arrependimento sinceros, seguidos do pedido de perdão ao Criador — na pessoa do sacerdote que ouve a confissão — restitui à alma a beleza que tinha antes de pecar
“Este jovem agora aparece com o corpo asqueroso, deformado, medonho, corcunda, e a alma invejosa, pejada de microlices1, a caminho do inferno. Se não se converter e morrer neste estado, ouvirá de Deus a sentença de uma condenação eterna.”
O antigo esplendor readquirido pela contrição
Figuremos uma dessas “esculturas” necessitada de muito apoio espiritual, e que passe a freqüentar um movimento católico. Ao admirar os bons exemplos de outros jovens, o estado de alma, os modos de ser da ex-escultura vão melhorando. Em certo momento, o apóstolo que a orienta, lhe pergunta:
— Você já pediu perdão a seu escultor?
— Nem tinha pensado nisso — responde a estátua.
O apóstolo acrescenta:
— Entretanto, esse pedido é fundamental. Você esfilparrou os dons recebidos dele, desperdiçou as perfeições que lhe foram concedidas. Acha que podia fazer isso, sem lesá-lo? Somente pensou em suas próprias vantagens e não nos direitos dele! Vá pedir-lhe perdão!
Movida por essas razões, a “escultura” aproxima-se de seu artífice, ajoelha-se e lhe diz:
— Escultor meu, mil vezes perdão. Fiz mal!
O artista a acolhe com extrema bondade:
— Meu filho… Para este pedido não ser superficial e a palavra “perdão” ter todo o seu sentido, pergunto-lhe: tu te arrependes?
— Ah! Estou repassado de dor…
— Meu filho, tu tens pesar de me ter ofendido. Esta é uma postura nobre e correta. Porém, de que vale teu arrependimento se não fazes o propósito de realizar qualquer sacrifício para não recair no pecado? Do que adianta vir pedir perdão, se te deixas levar pela preguiça, pelo orgulho, pela revolta contra o superior que lhe lembra de seus deveres, pela luxúria, e por tantos outros pecados através dos quais rompes de novo comigo, jogas ao léu tudo quanto de mim recebeste e retornas para a triste situação em que estavas? Meu filho, isto é arrependimento? Posso chamar-te “meu filho”, esperar que tua compulsão seja sincera e tenhas o firme propósito de nunca mais pecar?
O rapaz pensa e diz:
— Sim, eu formo essa resolução!
O escultor lhe declara:
— Então te perdôo!
O jovem se levanta reintegrado no seu antigo esplendor, ainda mais belo e magnífico. Se a alma é tentada e resiste, torna-se mais bela. Se peca, mas se arrepende sinceramente, pode ficar mais esplendorosa do que antes da queda. Num de seus lindos Salmos, David assim exclama: “Tu me aspergirás com o hissope e ficarei limpo, lavar-me-ás e me tornarei mais alvo que a neve” (Sl 50, 9). Aquela alma está agora mais pura e humilde do que antes do pecado, porque teve o arrependimento e o firme propósito de emenda. Oh! maravilha!
(Continua em próximo número.)
1) Palavra criada por Dr. Plinio para exprimir o defeito de alma oposto à megalice (cf. “Dr. Plinio” número 92). Ter microlice significa recusar a legítima e virtuosa grandeza de espírito, deixando-se moldar pela mesquinhez e estreiteza de horizontes.