O castelo de Saumur

Torres fortes, presas ao solo como garras e sem medir os anos e os séculos, suportam com decisão e arrojo a grandiosa e feérica massa do Castelo de Sau­mur.

Assim robustas e firmes, erguem-se do chão até as pri­mei­ras janelas. À medida que vão se elevando, tornam-se mais le­ves e lá no alto parecem desapa­recer, como que se dividindo num mundo de agulhas, de setas, num bimbalhar de cores e de flechas, todas elas tendendo para as etéreas vastidões do firmamento.

E todas arvoram no topo uma figura simbólica: ora é um galo, representação da Fran­ça e da Igreja; ora uma flor-de-lis, emblema da monarquia francesa; ora alguma outra imagem, grande e dourada, de semelhante e pitoresco significado. Quando sobre esse conjunto magnífico incidem os raios do sol do meio-dia, o castelo dá a impressão de que, num su­pre­mo arroubo de suas flechas e agulhas, destacar-se-á de suas bases sólidas e voará em dire­ção às nuvens tingidas de ouro como ele.

Poder-se-ia imaginar esse cas­telo durante a noite, com lindos vitrais de fundo de garrafa coruscantes, fazendo dele um escrínio de pedras preciosas luminosas, acesas na luz indecisa das velas.

Nos dias em que conheceram vida, glória e prosperidade, essas torres eram quase inacessíveis. Tão al­tas, tão protegidas, que quaisquer adversários, antes de lograrem encostar nelas seus aparatos de guerra, seriam repelidos e postos em derrota. Um castelo assim não se atacava.

O acesso de seus moradores e vi­sitantes era feito por uma rampa e uma ponte leva­diça. Sem essa pas­sagem, o que se tinha era um fosso repleto de água, circunjacente a todo o perímetro da imponente construção. Castelo fortíssimo, mas de uma de­licadeza mara­vilhosa, com as garras na terra — portanto, é pão-pão, queijo-queijo — mas a “alma” no Céu.

Uma esplendorosa imagem de como deve se apresentar o espírito do católico. Nas suas culminâncias, cum­pre ser sutil, pronto a se mover inspirado pela graça, impulsionado pelo serviço de Deus; elevado e tendendo para o Céu como a chama de uma vela. Porém, no que se diz de prático, é firme, decidido, agarra, pe­ga, faz e ordena!

Dessa fabulosa jóia da arquitetura medieval e cristã, dessas torres de força admirável e de requintada beleza, restam apenas algumas partes cobertas de gloriosas reminiscências e evocações.

O castelo de Saumur, como no-lo faz conceber e imaginar as iluminuras e desenhos de outras épocas, não existe mais…

Torres que terminam num mundo de agulhas e flechas, prontas a voarem para o Céu… (Castelo de Saumur como era no séc. XV, iluminura das “Ricas Horas do Duque de Berry”)