“A paz é fruto da justiça” foi o lema adotado pelo Papa Pio XII (acima, no dia de sua coroação)

Paz. Nunca os homens ansiaram tanto por ela. Nunca também a sentiram tão distante. E não apenas a “paz clássica” (ausência de guerra), mas também a segurança e tranqüilidade das ruas e dos lares, que se vão extinguindo sob os golpes inéditos do banditismo e desta praga típica de nosso tempo: o terrorismo. Mas não haverá meio de devolver a paz ao mundo? Dr. Plinio responde a essa questão.

Em matéria política, não há hoje melhor tema de meditação do que as palavras que o Santo Padre Pio XII tem inscritas em seu brasão: Pax opus justitiae — “A paz é fruto da justiça”. Elas definem de modo perfeito o verdadeiro pensamento católico a respeito da paz, e mostram o abismo existente entre esse conceito e o pacifismo a todo custo, que supõe ser justo e proveitoso o sacrifício de todas as vítimas à voracidade de um insaciável agressor. Para a formação do senso católico nesse assunto, é excelente o desdobramento dos profundos conceitos que a divisa de Pio XII contém.

A tranqüilidade da ordem

Diz o Santo Padre Pio XII que “a paz é fruto da justiça”. Para compreendermos devidamente a definição, examinemos detidamente cada um de seus termos. Comecemos pela palavra “paz”.

São Tomás de Aquino define a paz como sendo a tranqüilidade da ordem. O Doutor Angélico distingue, pois, duas espécies de tranqüilidade, é evidente. Quando um homem, física e psiquicamente bem disposto dorme, apresenta ele evidentemente um aspecto de tranqüilidade. Essa tranqüilidade resulta da ordem que reina nele. Se alguma desordem orgânica — uma dor aguda, por exemplo — viesse a se manifestar nele, perderia seu aspecto de tranqüilidade. O mesmo se daria se algum grave pesadelo viesse a lhe ocasionar qualquer perturbação psíquica: imediatamente seu semblante deixaria de refletir tranqüilidade.

É que a tranqüilidade que nele se notava era resultante de uma profunda ordem orgânica e psíquica, e, suprimida a causa, imediatamente deixaria de se manifestar o efeito.

Falsa paz, fruto da desordem

Um homem desmaiado também pode dar a impressão de tranqüilidade. Evidentemente, entretanto, essa tranqüilidade que ele apresenta é muito diversa da que apresenta um homem saudável. A inércia do desmaio resulta de uma profunda desordem física ou psíquica. Ela é realmente uma tranqüilidade, porém o desmaio não pode ser chamado de um estado de “paz”, no sentido especial que lhe dá São Tomás. A paz é a tranqüilidade resultante da ordem. O desmaio resulta da desordem. É um estado de tranqüilidade, porém não é “paz”.

Quando, pois, em linguagem tomista, se fala em paz internacional, não se designa com essa expressão toda e qualquer situação de tranqüilidade internacional, mas um estado de tranqüilidade que resulte da boa ordem nas relações entre os povos.

Por isto mesmo, uma política que vise acima de tudo e a custo das maiores imoralidades manter a tranqüilidade, evitando a guerra, não é uma política de paz no sentido tomista da palavra. Sendo a paz a tranqüilidade da ordem, e resultando a famosa “paz a todo custo” de violências e de atos de despotismo e de prepotência internacional de todo gênero, a conseqüência é que essa paz é resultante da desordem, pelo que não é senão uma falsa paz, uma paz com a qual um coração católico não se pode regozijar.

Ordem, a boa disposição das coisas

Melhor se poderia, talvez, compreender o que acima ficou dito, por meio de uma análise da palavra “ordem”.

Diz-se de uma coisa que ela está em ordem, quando disposta convenientemente segundo o seu fim. Um relógio, por exemplo, tem por fim marcar as horas. Se todas as suas peças estão dispostas e constituídas convenientemente segundo esse fim, elas estão em ordem. Se alguma dessas peças foi fabricada ou disposta de modo a não promover o andamento do relógio, esse estará em desordem. O mesmo se dá com o corpo humano. Quando todos os órgãos estão anatômica e fisiologicamente adequados ao seu fim, o corpo humano está em ordem. Se um órgão qualquer trabalha de modo contrário ao seu fim — o fígado, por exemplo, não segrega os sucos convenientes para a digestão, mas produz apenas um dos sucos —, o organismo está em desordem. A ordem orgânica produz no corpo uma sensação de paz e bem-estar que Carrel chama o “silêncio orgânico”, e que em linguagem vulgar chamamos saúde. A desordem orgânica produz uma perturbação que é o contrário da paz, e que chamamos doença.

Expondo, pois, em outros termos, a definição de São Tomás, podemos dizer que a paz é a tranqüilidade produzida pela fato de estarem as coisas dispostas segundo seu fim.

A verdadeira paz é fruto da justiça

A essa definição, aplique-se o conceito do Santo Padre, e a verdadeira doutrina católica jorrará daí com evidência.

Diz o Papa que essa “tranqüilidade produzida pelo fato de estarem as coisas em ordem” é fruto da justiça. Efetivamente, sem justiça não pode haver ordem, e sem ordem não há paz, como vimos.

Um exemplo concreto poderá facilmente provar que, sem justiça, pode haver uma certa tranqüilidade, mas não haverá ordem. Imagine-se uma família na qual os filhos tenham reduzido a revoltante servidão seus pais idosos. Nessa família se introduziu uma gravíssima injustiça, que constitui, em si mesma, uma desordem jurídica e moral. Violada a justiça, foi implicitamente violada a ordem. E só com a reintegração dos pais nos seus direitos, isto é, com a restauração da justiça, terá sido realmente restaurada a ordem moral e legal.

Sem justiça, pois, não há ordem. Ora, como sem ordem não há paz, sem justiça não pode haver paz. A paz é, pois, um fruto da justiça.

Esse é o lema do Santo Padre Pio XII.

(Excertos de artigo do “Legionário”, nº 340, de 19/3/1939. Título e subtítulos nossos.)