Gabriel K.
Retábulo do altar-mor da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, Montreal, Canadá

A vida da Igreja não teria beleza nem mérito se muitas vezes os bons não tivessem sofrido. Os justos terão de passar por fases cruciais, enfrentar situações terríveis, mas serão libertos. A Providência intervirá a favor deles.

Consideremos um trecho extraído da Carta Circular aos Associados da Companhia de Maria, de São Luís Maria Grignion de Montfort, que se encontra em suas obras completas. Nele podemos ver a amplitude do auxílio de Nossa Senhora para aqueles que sabem, de fato, invocá-La:

Proteção de Nossa Senhora para os que sabem invocá-La

“Eu sou a vossa proteção e a vossa defesa, ó pequena companhia” – disse o Padre eterno.

Companhia quer dizer batalhão, na linguagem de São Luís Maria Grignion de Montfort.

“Eu vos tenho gravado em meu coração e em minhas mãos, para vos amar e vos defender, porque vós pusestes vossa confiança em Mim, e não nos homens, na Providência e não no ouro.”

Quer dizer, aqueles que se dão inteiramente a Nosso Senhor, por meio de Maria, têm seus nomes gravados no Coração e nas mãos do próprio Deus.

O coração é um símbolo, e significa ter o nome gravado no Amor do próprio Deus. As mãos simbolizam a operosidade da Providência que atua e encaminha os acontecimentos.

Uma ilustração muito bonita disso é o quadro representando Nossa Senhora de Guadalupe. Ao ser analisado recentemente com lentes especiais, verificou-se que na menina dos olhos da imagem estava o índio para quem a Santíssima Virgem apareceu. É um modo de Nossa Senhora exprimir o seu carinho singular tem para com aqueles que A servem, e que podem ser fustigados por essas ou aquelas tempestades: são sempre levados a bom termo pela Providência Divina.

Seremos libertos dos assaltos infernais

“Eu vos libertarei das ciladas que vos fazem,…”

É bem o nosso caso.

“…das calúnias que são levantadas contra vós.”

Portanto, é próprio aos verdadeiros filhos de Nossa Senhora, em todos os tempos, sofrer ciladas e calúnias.

“Eu vos livrarei dos terrores da noite, e das trevas que vos metem medo.”

Luis C.R. Abreu
Nossa Senhora de Guadalupe (acervo particular)

O que são os terrores da noite? Não são apenas os fantasmas ou os medos que as pessoas podem ter durante a noite, mas são os terrores que aparecem aos homens nas situações obscuras e tenebrosas da vida. Nas quadras difíceis da existência em que o homem não sabe como agir, ele se vê como que numa noite cheia de terrores. Então, Deus, por intercessão de Nossa Senhora que é nossa Medianeira, nos auxiliará nas trevas das quais possamos estar circundados.

“Eu vos livrarei dos assaltos do demônio do meio-dia que vos quer seduzir.”

Ao que parece, esse demônio do meio-dia é o da idade madura, ao qual estão sujeitos os homens quando chegam à época em que se perguntam: “O que fiz na vida? Que carreira segui? Que grau ocupei? A que cargo cheguei? Que dinheiro economizei? Que prestígio granjeei?” E vendo que não granjearam o que queriam, embora às vezes tenham granjeado muito, resolvem vender-se.

Essa forma de tentação é chamada de o demônio do meio-dia, porque o homem está no pináculo de sua vida, naquela hora em que ele vai caminhando para o seu declínio, pois a tarde começa e, então, faz um retrospecto do que foi toda a sua manhã, e se pergunta o que ele fez, o que colheu.

Preocupação que não se põe de modo tão aflitivo aos vinte anos como aos trinta; nem tão aflitiva aos trinta quanto aos quarenta, mas parece que chega ao seu zênite entre os quarenta e os sessenta. Essa é a idade na qual o homem procura consolidar-se, e pode tornar-se venal. Provavelmente Judas Iscariotes encontrou-se com o demônio do meio-dia quando resolveu vender Nosso Senhor.

Se perseguidos, seremos cobertos com o poder de Deus e o afeto de Maria

“Eu vos esconderei sob as minhas próprias asas.”

Essas foram as belas palavras de Nosso Senhor a respeito de Jerusalém, quando disse: “Jerusalém, Jerusalém… quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos, como a galinha reúne seus pintinhos debaixo de suas asas… e tu não quiseste! (Mt 23, 37)

Assim também parece dizer Nossa Senhora àqueles que forem perseguidos pela ação do demônio e seus sequazes, por amor ao nome d’Ela: “Eu te reunirei debaixo das minhas asas. Eu te cobrirei com o meu afeto.”

“Eu vos carregarei nos meus próprios ombros.”

É uma referência à parábola do Bom Pastor que toma a ovelha doente e a carrega nos próprios ombros com todo o afeto.

“Eu vos nutrirei no meu próprio seio.”

A Providência fará conosco o que a mãe faz com o seu filhinho, o que Nossa Senhora fez com o Menino Jesus. Assim Ela trata aos que somos perseguidos por amor a Ela.

“Eu vos armarei com a minha verdade, e tão poderosamente, que vós vereis os vossos inimigos cair aos milhares ao vosso lado. Mil maus pobres à vossa esquerda, dez mil maus ricos à vossa direita, sem que a minha vingança sequer se aproxime de vós.”

A metáfora é linda! É o justo que, embora perseguido por amor a Nossa Senhora, continua avançando. Ele verá caírem, de um lado e de outro, os inimigos d’Ela. À esquerda dele cairão mil maus pobres, à sua direita cairão dez mil maus ricos, mas a vingança de Deus não o atingirá, nem de longe.

Por que esses mil maus pobres e esses dez mil maus ricos? Em primeiro lugar, é preciso notar quantos inimigos tem o justo. Ele olha para a esquerda e tem mil homens; isso dito numa época em que a população do Globo era muito menor… São todas frases bíblicas. Mil homens já era um exército que metia medo.

Do outro lado, ele tem dez mil maus ricos. Quer dizer, está assediado de maus por todos os lados. Cercaram-no para liquidá-lo. Mas põe a sua confiança em Nossa Senhora e nada lhe sucede.

Agora, por que de um lado os pobres são mil, e os maus ricos são dez mil? São Luís mostra que o bem e o mal não estão condicionados ao fato de ser pobre ou rico. Por isso diz que, de um lado, há ricos e, de outro, pobres; uns e outros são ruins. Mas como o rico é mais poderoso do que o pobre – ao menos era naquele tempo – constitui uma manifestação maior do poder de Deus liquidar o número superior de ricos.

“Vós caminhareis com coragem sobre a áspide e o basilisco, o invejoso e caluniador.”

Felix Reimann (CC3.0)

São animais bravios. A áspide é uma forma de cobra e o basilisco é um animal mitológico. Caminhar sobre cobras não é nada prudente, é perigoso; caminhar sobre o basilisco, um animal mitológico, deve ser uma coisa horrorosa, mas nada acontecerá; serão todos calcados aos pés. Então, a áspide deve ser a invejosa, e o basilisco, o caluniador. Quer dizer, “vós caminhareis sobre os invejosos e os caluniadores e nada vos acontecerá.”

“Vós calcareis aos pés o leão e o dragão ímpio, arrogante e orgulhoso. Eu vos ouvirei nas vossas orações, vos acompanharei nos vossos sofrimentos, vos livrarei de todos os males e vos glorificarei com toda a minha glória.”

O justo pode sofrer, e quantas vezes tem sofrido… A vida da Igreja não teria nenhuma beleza, nem mérito se muitas vezes os bons não tivessem padecido. Os justos terão de passar por fases cruciais, enfrentar coisas terríveis, mas serão libertos. A Providência intervirá a favor deles.

Bem-aventurados os perseguidos por amor à justiça

E serão objeto de uma linda promessa:

“Eu vos glorificarei com toda a minha glória, que vos mostrarei no meu reino descoberto, depois que Eu vos tenha enchido de dias e de bênçãos nesta Terra.”

Essa é a majestade de Deus providíssima.

Naturalmente, Ele não diz que todos os bons viverão muito tempo, mas diz uma outra coisa: Deus não permitirá que os maus matem aqueles que, segundo o seu desígnio, devem viver muito tempo, pois fará que eles cumpram os seus dias na Terra. Os maus só matarão aquele que Deus permitir, por desígnio divino, morrer numa determinada ocasião, por meio de uma doença, um desastre, ou qualquer outra coisa que pudesse matar.

Esses justos serão cumulados de dias e de bênçãos nesta Terra, e no Céu serão glorificados com toda a glória de Deus. Prêmio magnífico concedido não a qualquer perseguido, mas apenas para quem o é por amor a Deus.

Um pai de família, por exemplo, pode ser muito solícito; entretanto, ateu. Vem um bandido qualquer, implica com a sua solicitude e comete um crime contra ele. É um crime abominável, um homicídio. Mas esse homem não tem a glória de quem é perseguido por amor a Deus.

Outro caso hipotético pode ser de alguém com ódio de um antepassado meu, porque outrora tiveram uma disputa de terras. Então diz: “Bem, agora vou me vingar daquele homem nesse que é seu descendente.”

A vingança é um ato mau, ainda mais quando realizada contra um inocente, porque não tenho parte no delito ou crime que esse me antepassado tenha cometido. De maneira que tudo é mau. No entanto, absolutamente não se compara a quem é perseguido por amor a Deus.

O mérito especial de ser perseguido por amor a Deus está no fato de ser uma das bem-aventuranças no Evangelho. Aquele justo que é perseguido recebe da Providência uma espécie de delegação, representação ou mandato. Ele é um procurador de Deus diante dos homens. E sendo odiado, é a Deus que odeiam nele.

Essa alma contrai, assim, um vínculo com Deus que é uma prova do amor d’Ele por ela. Ele a chama para junto de Si e a quer cumular de seu afeto e carinho precisamente nessas circunstâncias, porque fizeram-na sofrer por amor a Ele.

Dou outro exemplo terreno. Imaginem um rei que é duramente insultado por um cavaleiro de um reino vizinho. O soberano dirá: “Lutar com um simples cavaleiro de outro reino não tem propósito. Sou rei e combato contra outro monarca, não contra um simples cavaleiro. Mas, por outro lado, a minha honra não pode deixar de se desagravar desse ultraje. Então, vou nomear alguém para lutar contra aquele.”

O cavaleiro designado vai e luta. Não foi uma prova de afeto do rei tê-lo nomeado para o combate? Sim, porque o monarca quis sentir-se representado por aquele, incumbindo-o da função digna e gloriosa de defender a honra real.

Nosso Senhor disse expressamente: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40). Isso vale tanto para a esmola como para o ultraje. E se Deus permitiu que, no cumprimento do dever, fôssemos atacados, estamos fazendo o papel de um cavaleiro constituído como seu representante, suportamos a perseguição, a calúnia e a injúria em nome d’Ele e somos seus representantes, como Anjos. É uma missão lindíssima que nos reveste de toda a glória.

Das cinzas renascerão os justos perseguidos, para glória de Deus!

Em histórias de Santos vemos com frequência casos como o de Santa Isabel da Hungria. Ela cuidava dos doentes, inclusive leprosos. Certa ocasião, viu um pobre leproso e, vendo nele a personificação de Nosso Senhor Jesus Cristo, levou-o para o próprio leito conjugal, e ali foi tratar dele.

Flávio Lourenço
Santa Isabel da Hungria dando esmola Igreja de Santo Ulrico, Ortisei, Itália

Mas essa santa rainha tinha uma sogra intrigante que presenciou a cena e contou para o filho, o Duque da Turíngia, esposo de Santa Isabel:

— Venha ver o que fez sua mulher! Colocou um leproso na cama onde você dorme, com a intenção de passar a lepra para você. Vá lá no quarto ver se não é verdade.

Ele entrou nos aposentos e, ao retirar o lençol que cobria o pobre morfético, viu no lugar deste o próprio Redentor. Aquele leproso representava Nosso Senhor Jesus Cristo que por causa desse ato de caridade realizou tal milagre.

No Evangelho, o Divino Mestre diz que no Juízo Final vai julgará os homens segundo o seguinte critério: “Tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhes­tes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão, e não me visitastes.” Deus estava na pessoa de todos os aflitos e necessitados, e aos que não os socorreram, Ele diz: “Ide, malditos, para o fogo do eterno!” (Mt 25, 41-43).

Assim também Deus Se faz representar pelos que sofrem aflições ou necessidades por causa d’Ele.

Se é verdade que Christianus alter Christus, então o cristão crucificado é um outro Cristo crucificado.

Devemos pedir a Nossa Senhora que nos torne dignos de enfrentar a fúria dos inimigos d’Ela. Que a Mãe de Misericórdia afaste de nós a provação e a perseguição, mas se estiver no seu desígnio enfrentarmos isso durante algum tempo, que Ela nos dê a confiança imperturbável de que, debaixo de quaisquer cinzas, renascerá a TFP para a glória d’Ela.

(Extraído de conferência de 21/10/1971)