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Numa época em que, como nunca, a Santa Igreja é combatida e traída, somos chamados a representar o gládio nas mãos da Santíssima Virgem para vingar os ultrajes, ofensas e transgressões sofridas continuamente. A coragem e a bondade recebidas desta Rainha nos garantirão a vitória.

Como professor de História tenho conhecimento suficiente da História da Igreja e da Civilização Cristã para afirmar que, em seus dois mil anos de existência, nas situações mais difíceis pelas quais teve que passar, a Santa Igreja nunca foi tão combatida, traída, posta de lado, nunca recebeu tantos ósculos de Judas, de toda espécie, quanto no tempo presente.

O auge de nossa existência está em sermos filhos da Virgem e inimigos do demônio

Precisamente nesta época fomos chamados a lutar por ela. Se considerarmos as forças junto às quais combatemos, veremos como são grandes. Ficamos atônitos ao comprovar nos cinco continentes da Terra, em meio à depravação hodierna, a existência de jovens resolutos a entregar-se por inteiro a essa luta, que exige um sacrifício rejeitado pela humanidade e traz consigo a recompensa prometida por Nossa Senhora, mas à qual o mundo atual, louco e criminoso, não quer dar importância.

Gabriel K.

Nessa luta teremos que empenhar uma série de esforços nos quais seremos obrigados a aplicar toda a nossa energia. Quando alguém põe toda a sua alma na conquista de algo e obtém, com a ajuda de Nossa Senhora, esse é o dia de sua vitória. Os dias culminantes da vida de um homem não são aqueles nos quais ele foi muito aplaudido, ganhou dinheiro, projeção ou foi elogiado pelos outros, mas aqueles que, às vezes, só Deus e ele conhecem. Dias abençoados nos quais o demônio quis fazer-lhe mal à alma, por meio de seduções e mentiras, mas ele, num ato de fidelidade, disse: “Vai-te embora satanás, porque eu sou filho da Virgem e só a Ela quero pertencer.”

Prática da virtude: grande divisor de águas

Por exemplo, o sacrifício grande, belo e nobre da pureza. O que ele traz? No terreno humano, atrai sobre nós a caçoada alheia. Este mundo facínora espalha infâmias a respeito da pureza, dá risada e calunia o varão casto, dizendo ser ele um incapaz, anormal e tantas outras coisas.

Mas como se reveste de respeitabilidade aquele que pratica a pureza! Como se sente a sua superioridade! Como o invejam! Por toda parte onde está, é como uma pedra no meio do rio: as águas passam e a pedra divide as águas. Assim também, o mundo cerca o homem puro, procura arrastá-lo, mas ele fica firme na castidade, enquanto as opiniões a respeito dele se dividem.

Quando o Menino Jesus foi apresentado no Templo por Nossa Senhora e São José, o Profeta Simeão disse que Ele seria uma pedra para a divisão das águas, ut revelentur ex multis cordibus cogitationes (Lc 2, 35) – pela presença d’Ele se revelariam as cogitações, boas ou más, de muitos corações. Isso também se dá conosco por sermos fiéis a Ele.

Não há cidade contemporânea, grande ou pequena, na qual se saia à rua sem se ver pecados cometidos à luz do dia, como outrora eram praticados somente na escuridão da noite.

Antigamente, na Espanha e em Portugal havia confrarias que saíam durante a noite, nas ruas escuras da Idade Média ou dos séculos XVI e XVII, entoando canções cujo sentido era este: “Ó vós, que estais em vossos leitos, para descansar e vos preparar para o dia de amanhã; ó vós, que neste momento estais ouvindo a nossa voz; ó vós que talvez estejais pecando, por pensamento, palavras e obras. Ouvi! Ouvi o aviso que vos vem do Céu: o Céu vos espera, se fordes fiéis; se fordes infiéis, o Inferno vos deglutirá.”

Gisinb (CC3.0)

Assim, no silêncio e na tranquilidade das pequenas cidades, enquanto a natureza adormecia, os sinos não tocavam, as casas tinham suas luzes apagadas, enfim, tudo parecia dormir, alguém acordado ou com o sono leve poderia ouvir ao longe essa canção. A vibração dessas vozes transpunha as janelas, entrava no quarto e o enchia com seu som. Depois, se afastava e aquela alma ficava marcada, para a vida e para a morte, para o pecado ou para a virtude.

Em nossos dias não se toleraria uma coisa como essa, e se fizéssemos o papel dessas confrarias, correríamos o risco de receber tiros. O mundo de hoje peca e não quer abandonar essa via; ama o pecado acima de todas as coisas e realiza por ele o que deveria fazer por Deus. Esta é a realidade.

Ninguém corre risco de ser agredido por estar pecando na rua. Porém, se proclamar a virtude, increpar a violação dos Mandamentos de Deus, lembrar do castigo ou do prêmio eterno, a agressão é muito provável. Resultaria, ao menos, em uma reclamação à polícia: “Estão perturbando o sossego público.” Todos se levantariam contra porque não querem ouvir a voz da verdade.

A valentia e a força de impacto no combate nos vêm de Nossa Senhora

Por isso, quem procura praticar a virtude é objeto de um ataque duríssimo. Porém, devemos ser mais duros do que essa ofensiva, sendo o gládio da Santa Igreja e da Civilização Cristã para vingar os ultrajes, ofensas e transgressões recebidas a todo instante.

Há vinhetas, desenhos e iluminuras que representam dois cavaleiros medievais lutando cobertos de elmos, couraças e escudos. Ao avançarem um sobre outro, o mais forte derruba o adversário. Assim devemos ser em relação àqueles que combatem a virtude. Se vierem ao nosso encontro, precisam sentir que os enfrentamos com uma força de impacto incomparavelmente maior e mais rígida do que a deles.

Flávio Lourenço
Apresentação do Menino Jesus no Templo Museu de Belas Artes, Valência

O homem puro tem firmeza para isto. O impuro não possui arrojo para ideal nenhum, só tem determinação para ganhar dinheiro, gozar a vida e pecar, ou então para perseguir os bons. Devemos, pois, dar-lhes uma lição pela altivez de nossas respostas categóricas e pela indiferença ante as risadas de todos, fazendo-os compreender que aquele sarcasmo não nos atinge. Porque sabemos estar conosco a razão, por estarmos com Maria Santíssima.

Entretanto, há ocasiões em que por mais corajoso que seja o homem, o temor o invade. A vergonha da caçoada e o receio de ser desprezado por ser casto o fazem esmorecer. Devemos nos precaver para enfrentar essa situação, pedindo a Nossa Senhora – tanto nos momentos bons como nos ruins, estando tentados ou não – que nos torne mais valentes na hora do perigo.

Coragem e sobranceria da Santíssima Virgem durante a Paixão

Algumas pinturas e esculturas representam Nossa Senhora ao pé da Cruz. Nesse passo da Paixão Ela vê seu próprio Filho crucificado entre dois criminosos. A Cruz era um instrumento de morte vergonhoso destinado aos facínoras dignos do maior desprezo. O Filho d’Ela, depois de ter praticado os mais insignes atos de virtude, de ter curado doentes, ressuscitado mortos, ensinado de modo maravilhoso seus contemporâneos, fora traído pelo ósculo de Judas, preso, julgado, e entenderam dever ser Ele morto pregado na cruz.

Flávio Lourenço
Flagelação de Cristo – Museu de Belas Artes, Tours, França
Gabriel K.
Barrabás – Convento de São Francisco, Lima

Pôncio Pilatos, governador romano, perguntou ao povo: “Quem quereis que eu liberte: Jesus Cristo ou Barrabás?”

Barrabás era um dos piores bandidos da cidade. Contudo, preferiram soltar a este – que poderia vir a entrar na casa deles, saqueá-los e assassiná-los – e matar Quem lhes tinha dado a vida.

Daqueles a quem Nosso Senhor curou, nenhum se apresentou para O defender. A infâmia desse procedimento é evidente. Estava coberto do desprezo de todos. Bofetadas, ódio, gargalhadas, escárnios, posturas das mais humilhantes, nada Lhe foi poupado.

Maria Santíssima estava informada de tudo isso. Encontrou-Se com Ele carregando a Cruz a caminho do lugar onde, no meio de dois malfeitores, seria crucificado. Entretanto, Ela não teve vergonha de ser a Mãe d’Ele. Pelo contrário, esteve de pé como uma rainha no mais alto degrau de seu trono.

A Igreja canta: Stabat Mater dolorosa juxta Crucem lacrimosa – junto à Cruz, chorando, estava a Mãe dolorosa. Mas stare, em latim, não significa, como em português, apenas estar em tal lugar. Stare quer dizer “estar de pé”.

Nas piores situações, na hora em que Nosso Senhor morreu, Maria continuou de pé, sublime na convicção da sua missão e olhando sobranceira os perseguidores de seu Filho.

Flávio Lourenço
Cristo crucificado – Igreja de São Marcelo, Lima

Ela acompanhou o Corpo Sagrado de Nosso Senhor, teve-O no colo e adorou-O com uma veneração à qual, somada a de toda a humanidade, não chegaria a ser igual. Tendo Ele sido encerrado no sepulcro, Ela dirigiu-Se para o Cenáculo permanecendo na solidão, no isolamento, no desprezo geral, esperando tranquila o dia da glória.

Decorridos três dias, quando tudo parecia perdido, Ele reaparece. Havia ressuscitado! Os tormentos acabaram, a glória e a felicidade eternas eram completas, Ele dominava a Terra como o Céu.

Rainha que comanda o exército dos bons

Nessa circunstância a Santíssima Virgem também pediu a Nosso Senhor pelos Apóstolos que estavam dispersos. Apenas São João havia estado presente aos pés da Cruz. Todos os outros fugiram. Ela intercedeu para que Deus os perdoasse e os trouxesse de volta. Assim, tudo se recompôs, e a Igreja, curada de modo milagroso, começou sua caminhada.

Flávio Lourenço
Jesus ressuscitado aparece a Nossa Senhora – Catedral de Santa María la Real, Pamplona

Em todas essas ocasiões, a Virgem Maria revelou-Se perfeitíssima como uma rainha que comanda o exército dos bons.

Imitemos Nossa Senhora. Mesmo nos períodos de maior constrangimento, sejamos humildes e altivos como Ela; mansos como Nosso Senhor, altaneiros como reis; bondosos como o Cordeiro de Deus, fortes como cavaleiros, de maneira que nos vendo, digam: “Quanta coragem e quanta bondade!”

Devemos pedir essas virtudes à Mãe de Deus, visto que o gênero humano, depois do pecado original, não tem capacidade para isso. Rezemos, portanto, a Ela para nos enviar graças. E se acontecer que venhamos a falhar, não percamos a confiança; pelo contrário, peçamos mais. Nunca desconfiemos, nas piores como nas melhores condições, oremos a Ela, nossa Mãe, que nos levará a Jesus Cristo, nosso Deus e salvação.

(Extraído de conferência de 16/2/1991)