Marechal Ferdinand Foch

A leitura de um artigo da revista francesa Historia, sobre o Marechal Ferdinand Foch, oferece a Dr. Plino particular ocasião de incutir em seus ouvintes alguns princípios de conduta no trabalho. Como, por exemplo, o de não se deixar tomar pelas atividades, mesmo as mais importantes, e dar a cada coisa seu devido peso. Modo de proceder este que redundará em valiosos frutos para nossa vida espiritual.

Personagem que se sobressaiu no curso da Primeira Guerra Mundial, o Marechal Foch chefiou não apenas o exército francês, mas também todas as forças militares aliadas, as quais se concentraram para enfrentar os impérios centrais — Alemanha, Áustria-Hungria, a Bulgária e a Turquia. Ele tomou o comando das tropas numa situação muito difícil, quando o maior exército de seu tempo, o alemão, dirigido pelo Kaiser Guilherme II, havia penetrado a fundo na França e ameaçava Paris. A queda da capital francesa significaria a derrota dos aliados.

Principal artífice da vitória aliada

O fato de ter sob suas ordens não só os militares de seu país, que lhe deviam completa obediência, como ainda soldados de diversas outras nacionalidades (ingleses e norte-americanos, por exemplo, e até brasileiros), originava para Foch delicados problemas diplomáticos, devendo ele coordenar a ação de diferentes tropas sobre as quais possuía autoridade mais nominal do que real. Além de grande estrategista, precisava ser muito bom diplomata para conseguir que as várias forças militares estrangeiras seguissem a orientação dele.

Fotos: Arquivo revista
Ao contrário do que imaginaria um maníaco de grandeza, o estado-maior de Foch era “muito leve”, atendendo ao mais importante: ter pensamento e determinação de fazer o que a inteligência indica
Foch (ao centro) cercado de seu estado-maior; o General Weygand é o segundo da direita para a esquerda

Trata-se, pois, de um homem que teve tarefa bastante pesada sobre os ombros e a conduziu a bom termo. Foi, aliás, o principal responsável pela vitória dos aliados na guerra de 1914-1918. O que ele fez, deu certo. Tinha, portanto, a seu favor, o argumento do êxito.

Católico praticante, íntimo dos jesuítas

Passemos, então, a comentar o artigo escrito pelo seu chefe de estado-maior, General Weygand, publicado na revista francesa Historia, de janeiro de 1965, a respeito do modo como o Marechal Foch trabalhava.

Antes, cumpre salientar que o General Weygand, muito bom escritor, foi membro da Academia Francesa de Letras. Tem-se a impressão de que o artigo é uma obra literária. Analisando-o, percebe-se não se tratar de simples memória sobre o Marechal Foch, mas um verdadeiro compêndio a respeito de vários temas: como deve ser o trabalho, como o chefe e seu primeiro subordinado cooperam, etc. O relacionamento entre esses dois homens é um modelo tão característico de correção, abnegação, eu diria quase de humildade, que uma palavra de explicação religiosa se impõe.

O Marechal Foch era católico praticante e tinha um irmão jesuíta, o Pe. Foch, e diversas circunstâncias de sua vida autorizam a crer que ele mantinha estreitos vínculos com a instituição fundada por Santo Inácio de Loyola. Em seu modo de pensar e agir transparece um certo quê da escola clássica da Companhia de Jesus.

Além de grande estrategista, Foch destacou-se como ótimo diplomata, logrando que os exércitos aliados seguissem suas orientações

Contudo, não parece ter sido a fé religiosa que os inspirava, mas uma velha tradição de trabalho de grande classe — formada, esta sim, pela Igreja — herdada por ambos.

Fotos: Arquivo revista
O General Foch (primeiro à esquerda) e chefes militares aliados conversam com o primeiro-ministro Clemenceau (de terno e chapéu)

Simplicidade contrária à megalomania

Escreve o General Weygand:

O estado-maior de um grupo de exércitos era um organismo muito leve, composto de um chefe de estado-maior, um 3º “Bureau” (o das operações), um 2º “Bureau” (o de informações); um oficial incumbido de administrar o pessoal e o material; um “bureau” de decifração, uma seção postal dirigida pelo comandante do Quartel General.

O General Foch tinha dois oficiais de ordenança, dos quais um particularmente incumbido de sua casa e de sua mesa. No total, entre 20 e 25 oficiais.

Seria próprio do megalomaníaco imaginar um estado-maior do tamanho de uma fábrica de automóveis, colossal. Pelo contrário, Weygand diz que era um “organismo muito leve”, ou seja, nada de monumental nem gigantesco. E ele apresenta um esquema de estrutura simples. O bonito não é o organograma complicado, e sim reduzir à simplicidade coisas complexas. Para isso é preciso ter pensamento e, mais importante, vontade de fazer o que a inteligência indica.

Se em certos ambientes disséssemos que um general, em plena guerra, necessita ter uma mesa bem cuidada, alguém poderia contestar, afirmando: “Não! Ele está tomado por suas funções bélicas, não almoça nem janta, come apenas sanduíches!”

Ora, em sentido oposto, Foch possuía dois oficiais de ordenança, sendo um apenas para casa e comida. É o senso da realidade.

Inigualável eficácia da calma

Continua o artigo:

É este estado-maior muito reduzido que se deve ver sempre junto ao general. Nosso estado-maior procurava a calma das pequenas localidades ou dos castelos isolados…

Cabe aqui uma observação. Note-se como isso é o contrário de certo espírito moderno, segundo o qual o estado-maior deve estar no meio do fogo. Entretanto, assim não pensava um valoroso militar como o Foch. Deseja empreender um trabalho muito importante, agir intensamente? Mergulhe na calma. É um ensinamento muito valioso.

… ou dos castelos isolados, nos quais a modéstia de seu efetivo lhe permitisse encontrar folgadamente moradia.

Quer dizer, a boa idéia de alojar-se num castelo, algo mais civilizado, onde ele tinha um ambiente digno e acolhedor para trabalhar.

Os lugares onde as exigências das operações nos fizeram sucessivamente lançar âncora eram em geral situados fora, mas na proximidade das grandes artérias de comunicação, a fim de se beneficiar de suas vantagens e evitar seus inconvenientes.

É bem o contrário de determinados locais de trabalho onde imperam o barulho, a agitação e o corre-corre. Aquele estado-maior de todos os exércitos aliados não se estabelecia à margem das importantes vias de comunicação, mas de pequenas estradas que com elas se encontravam, evitando assim grandes ruídos. Foch procurava lugares para fazer um recolhimento, um retiro. Se ele tivesse perdido a guerra, muitas pessoas diriam: “Essa foi a causa da derrota”. Não. Terá sido a causa de sua vitória, pois ele triunfou.

Estabilidade dentro das mudanças impostas pela guerra

Nessas residências sucessivas, a existência e o trabalho se organizavam sobre as mesmas bases: é desta vida e deste trabalho que quero fixar a lembrança.

Portanto, o estado-maior mudou diversas vezes de lugar, porque as operações militares o exigiam, mas manteve sempre o mesmo estilo de vida.

Ferdinand Foch (1851-1929)

Fotos: Arquivo revista

Marechal francês nascido em Tarbes, cidade próxima a Lourdes. Escreveu tratados militares, expondo suas concepções estratégicas. Participou brilhantemente de várias batalhas, durante a Primeira Guerra Mundial. Em princípios de 1918, face à gravidade da situa­ção provocada pelos ataques da Alemanha, Foch foi nomeado generalíssimo dos exércitos aliados. Após ter derrotado o general prussiano Ludendorff, desencadeou a ofensiva geral que culminou com a queda do império germânico.

Promovido a Marechal pelo governo francês — dignidade que a Inglaterra e a Polônia também lhe conferiram depois da vitória — assinou o armistício que pôs fim às hostilidades.

Católico praticante e homem de reconhecidas virtudes morais, tornou-se também um “imortal”, admitido na Academia Francesa de Letras.

Salvo nos casos de um castelo isolado, os escritórios do estado-maior são colocados fora da casa habitada pelo General Foch.

Em meio aos imprevistos da guerra e à diversidade dos temas que deviam ser tratados, Foch manifestava um pensamento extremamente lúcido e ordenado

Fotos: Arquivo revista
Após a guerra, o vitorioso Foch recebe o bastão de Marechal de França

A residência dele tinha de ser mais calma do que o escritório. Compreende-se, pois quem se entrega a um árduo trabalho, deseja sossego.

Quando os acontecimentos não se decidem de outra maneira, eis como era distribuído seu dia. Em princípio, o trabalho sedentário ocupa sua manhã. Seu escritório está instalado no mesmo local que o estado-maior; o meu, sempre contíguo ao seu. O General chega exatamente às oito horas, em todas as circunstâncias e estações do ano.

Vencendo ou perdendo batalhas, ele sempre se apresenta à mesma hora. Revela o homem que possui distância psíquica1, e não aquele que, quando as notícias são favoráveis, chega cedo no local de trabalho; se são ruins, por desânimo ou medo, deixa-se ficar mais tempo sob as cobertas e se atrasa.

Grande lucidez de espírito

Eu lhe presto contas, incontinenti, dos acontecimentos da noite. Ele ouve esses relatórios com uma atenção igual à precisão que exige, pois nenhuma manifestação da atividade inimiga lhe parece própria a ser subestimada.

Vê-se como o espírito de Foch era extremamente lúcido. De início, deseja saber como a situação da guerra evoluiu. E quer dados exatos, não informações vagas. Esclareçam: o inimigo está avançando quantos quilômetros, em qual direção e com que forças? Que obstáculos estas encontraram?

E ele ouve tudo com inteira atenção, pois nenhum pormenor lhe é inútil. Isto significa ter ordem no pensamento.

Depois o trabalho começa. Ele apresenta a maior variedade, não só em razão da diversidade dos temas tratados, mas também quanto ao modo pelo qual se engaja. Se um acontecimento novo reclama uma decisão a tomar, ou uma instrução a dar, a questão é regulamentada imediatamente, e pode pedir apenas um momento ou várias horas de trabalho.

Quer dizer, numa vida de guerra, tudo é imprevisto. As medidas devem ser tomadas conforme as circunstâncias, sem o que se costuma chamar de “quadratice”2.

Posso, igualmente, submeter ao General um documento cuja “mise-au-point” estava em curso e do qual ele ainda não estabeleceu o texto definitivo. Freqüentemente, o assunto é menos imediato e se relaciona com o estudo de uma dessas questões fundamentais, tais como a preparação de operações ulteriores, o armamento ou a organização das forças combatentes, que somente podem ser aprofundadas sob a condição de se voltar atrás várias vezes a elas.

Weygand faz distinção entre dois tipos de assuntos. Alguns exigem solução imediata; costumamos chamá-los assuntos de gaveta, quer dizer, providências. Outros são os temas de envergadura, que exigem pensamento profundo, longa maturação, porque se referem à alta estratégia da guerra. Quanto a estes, diz ele, não podem ser resolvidos numa conversa só. Fazem-se necessárias diversas interlocuções, porque de uma conversa para outra o espírito amadurece, e quando retorna ao tema, a visualização dele está enriquecida.

1) Face a importantes notícias ou acontecimentos — bons ou maus — deve-se manter sempre o equilíbrio de alma, ou seja, a serenidade e a paz interior. Conforme dizia Dr. Plinio, é necessário conservar “distância psíquica” em relação a eles, e não se deixar abalar.

2) Defeito de espírito de quem não possui bom senso e maleabilidade, e cujo pensamento geralmente é coarctado por regras intocáveis.