Santa Teresinha do Menino Jesus - Convento Carmelita de Sevilha, Espanha

Santa Teresinha do Menino Jesus, declarada por João Paulo II Doutora da Igreja, foi também brilhante escritora e poetisa: talentos que exercitou no convento carmelita de Lisieux a fim de propagar o que ela chamava a sua “pequena via” rumo à santidade. Dr. Plinio nos comenta um dos mais célebres poemas da santa, “Vivre d’Amour”.

Entre as diversas poesias escritas por Santa Teresinha do Menino Jesus, uma é atraente pelo simples título: “Viver de amor”. Divide-se em duas partes bem concatenadas: primeiro, a santa fala em viver de amor; em seguida, em morrer de amor.

Almas purificadas no amor a Deus

Parece-me que os trechos mais característicos da “pequena via”1 — fundada por Santa Teresinha — são estes:

Viver de amor é banir todo o temor!
Toda lembrança das faltas do passado.
De meus pecados não vejo na minha alma nenhuma marca,
Pois num instante o amor tudo apagou.
Chama divina, ó doce fornalha,
Em teu seio eu fixo minha habitação;
E em tuas labaredas canto à vontade:
Eu vivo de amor!

O belo pensamento contido nessa estrofe pode ser assim interpretado: naqueles que são incapazes de grandes lutas e embates, e seguem a “pequena via”, a ação da graça é tão profunda que eles se deixam conduzir pelo enlevo por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Enquanto na grande via, normalmente, os pecados deixam durante muito tempo — e às vezes, pela vida inteira — seu rastro, nas almas que vivem de amor, as da “pequena via”, não devem se lembrar nem se preocupar com suas faltas passadas, porque o amor de Deus as tocou e consumiu todas as marcas daquelas misérias.

Então, cumpre não ter mais pensamentos que perturbem e desnorteiem, mas dirigir os olhos apenas para o Altíssimo, e compreender que, para as almas da “pequena via”, o amor de Deus queima e purifica tudo. Em nada lhes aproveita, pois, falar do passado.

Grande tesouro num vaso mortal

Nessa poesia há outra parte que, sob certo ponto de vista, é ainda mais ousada. Não fala dos pecados passados, remotos — já sepultados, porque a alma deles se arrependeu, e a respeito dos quais parece mais especialmente tratar o trecho anterior — mas de certas faltas que a pessoa, de vez em quando, volta a cometer. Assim, diz Santa Teresinha:

Viver de amor é guardar em si mesmo
Um grande tesouro num vaso mortal.
Meu bem-amado, a minha fraqueza é extrema,
Ah! Como estou longe de ser um anjo do Céu!

Tais palavras denotam o receio de Santa Teresinha em cometer algum pecado. Ela, uma santa tão grande, porém da “pequena via”, acentua o pensamento de que é um vaso mortal, capaz de se quebrar com facilidade. Portanto, achava-se distante de ser um anjo do Céu e podia cair em pecado.

Vivre d’Amour !…
Au soir d’Amour, parlant sans parabole
Jésus disait: “Si quelqu’un veut m’aimer
“Toute sa vie qu’il garde ma Parole
“Mon Père et moi viendrons le visiter.
“Et de son coeur faisant notre demeure

“Venant à lui, nous l’aimerons toujours!…
“Rempli de paix, nous voulons qu’il demeure
“En notre Amour!…”
Vivre d’Amour, c’est te garder Toi-Même
Verbe incréé, Parole de mon Dieu,
Ah ! tu le sais, Divin Jésus, je t’aime
L’Esprit d’Amour m’embrase de son feu.
C’est en t’aimant que j’attire le Père
Mon faible coeur le garde sans retour.
O Trinité ! vous êtes Prisonnière
De mon Amour!…

Vivre d’Amour, c’est vivre de ta vie,
Roi glorieux, délice des élus.
Tu vis pour moi, caché dans une hostie
Je veux pour toi me cacher,ô Jésus!
A des amants, il faut la solitude
Un coeur à coeur qui dure nuit et jour
Ton seul regard fait ma béatitude
Je vis d’Amour!…

Vivre d’Amour, ce n’est pas sur la terre
Fixer sa tente au sommet du Thabor.
Avec Jésus, c’est gravir le Calvaire,
C’est regarder la Croix comme un trésor!…
Au Ciel je dois vivre de jouissance
Alors l’épreuve aura fui pour toujours
Mais exilée je veux dans la souffrance
Vivre d’Amour.

Vivre d’Amour, c’est donner sans mesure
Sans réclamer de salaire ici-bas
Ah ! sans compter je donne étant bien sûre
Que lorsqu’on aime, on ne calcule pas!…
Au Coeur Divin, débordant de tendresse
J’ai tout donné… légèrement je cours
Je n’ai plus rien que ma seule richesse
Vivre d’Amour.

Vivre d’Amour, c’est bannir toute crainte
Tout souvenir des fautes du passé.
De mes péchés je ne vois nulle empreinte,
En un instant l‘amour a tout brûlé…..
Flamme divine, ô très douce Fournaise!
En ton foyer je fixe mon séjour
C’est en tes feux que je chante à mon aise:
“Je vis d’Amour!…”

Vivre d’Amour, c’est garder en soi-même
Un grand trésor en un vase mortel
Mon Bien-Aimé, ma faiblesse est extrême
Ah je suis loin d’être un ange du ciel!…
Mais si je tombe à chaque heure qui passe
Me relevant tu viens à mon secours,
A chaque instant tu me donnes ta grâce
Je vis d’Amour.

Vivre d’Amour, c’est naviguer sans cesse
Semant la paix, la joie dans tous les coeurs
Pilote Aimé, la Charité me presse
Car je te vois dans les âmes mes soeurs
La Charité voilà ma seule étoile
A sa clarté je vogue sans détour
J’ai ma devise écrite sur ma voile:
“Vivre d’Amour.”

Vivre d’Amour, lorsque Jésus sommeille
C’est le repos sur les flots orageux
Oh ! ne crains pas, Seigneur, que je t’éveille
J’attends en paix le rivage des cieux…
La Foi bientôt déchirera son voile
Mon Espérance est de te voir un jour
La Charité enfle et pousse ma voile
Je vis d’Amour!…

Vivre d’Amour, c’est, ô mon Divin Maître
Te supplier de répandre tes Feux
En l’âme sainte et sacrée de ton Prêtre
Qu’il soit plus pur qu’un séraphin des cieux!…
Ah ! glorifie ton Eglise Immortelle
A mes soupirs, Jésus ne sois pas sourd
Moi son enfant, je m’immole pour elle
Je vis d’Amour.

Vivre d’Amour, c’est essuyer ta Face
C’est obtenir des pécheurs le pardon
O Dieu d’Amour! Qu’ils rentrent dans ta grâce
Et qu’à jamais ils bénissent ton Nom….
Jusqu’à mon coeur retentit le blasphème
Pour l’effacer, je veux chanter toujours:
“Ton Nom Sacré, je l’adore et je l’Aime
Je vis d’Amour!…”

Vivre d’Amour, c’est imiter Marie,
Baignant de pleurs, de parfums précieux,
Tes pieds divins, qu’elle baise ravie
Les essuyant avec ses longs cheveux…
Puis se levant, elle brise le vase
Ton Doux Visage elle embaume à son tour.
Moi, le parfum dont j’embaume ta Face
C’est mon Amour!…

“Vivre d’Amour, quelle étrange folie!”
Me dit le monde, “Ah! cessez de chanter,
“Ne perdez pas vos parfums, votre vie,
“Utilement sachez les employer!…”
T’aimer, Jésus, quelle perte féconde!…
Tous mes parfums sont à toi sans retour,
Je veux chanter en sortant de ce monde:
“Je meurs d’Amour!”

Mourir d’Amour, c’est un bien doux martyre
Et c’est celui que je voudrais souffrir.
O Chérubins ! accordez votre lyre,
Car je le sens, mon exil va finir!…
Flamme d’Amour, consume-moi sans trêve
Vie d’un instant, ton fardeau m’es bien lourd!
Divin Jésus, réalise mon rêve:
Mourir d’Amour!…

Mourir d’Amour, voilà mon espérance
Quand je verrai se briser mes liens
Mon Dieu sera ma Grande Récompense
Je ne veux point posséder d’autres biens.
De son Amour je veux être embrasée
Je veux Le voir, m’unir à Lui toujours
Voilà mon Ciel… voilà ma destinée:
Vivre d’Amour!!!…

S. Hollmmann
Ampulheta e lâmpada usadas por Santa Teresinha do Menino Jesus – Carmelo de Lisieux, França

Fotos: S. Hollmann
Fotos: S. Hollmann

Proteção e ternura especiais de Deus

Mas, nas horas de fraqueza, Nosso Senhor a socorre, a levanta: Tu vens a mim, Tu me dás tua graça, eu vivo de amor. Quer dizer, a cada momento em que a pessoa comete uma falta — diz a Escritura que o justo peca sete vezes, isto é, tem falhas, lacunas, lapsos — e pede perdão, Nosso Senhor oscula essa alma e remedeia os efeitos do pecado praticado.

Assim, com toda a tranqüilidade, apesar da borrasca em que está, a pessoa pode viver de amor. Trata-se de uma proteção e uma ternura especialíssimas de Deus para com as almas pequenas que se deixam enlevar e consumir por esta forma de amor para com Ele.

Como se vê, é a idéia fundamental da “pequena via — como, aliás, do espírito de Santa Teresinha — expressa com muita meiguice, de um lado, e de outro, com muita força e sabor.

“Realiza-se o meu sonho, morrer de amor”

Por fim, ela fala em morrer de amor:

Morrer de amor é um bem doce martírio.
É aquele que eu gostaria de sofrer.
Ó Querubins, afinai vossas liras
Porque eu sinto: meu exílio vai terminar;
Dardo inflamado, consuma-me sem cessar,
Vida transitória, teu fardo me é bem pesado.
Divino Jesus, realiza-se o meu sonho:
Morrer de amor!…

Morrer de amor, eis a minha esperança
Quando se romperem os meus laços.
Meu Deus será minha grande recompensa.
Outros bens não desejo possuir.
De seu amor quero ser inflamada,
Quero vê-Lo, unir-me a Ele eternamente.
Eis o meu Céu, eis o meu destino:
Viver de amor!!!

Percebe-se que havia na alma de Santa Teresinha um sopro do Espírito Santo para que ela se consagrasse como vítima ao Amor Misericordioso, e aceitar essa forma de martírio prematuro em benefício das almas que deveriam ser salvas. Mais do que isso: para o serviço e a glória de Deus.

Ela deseja morrer de amor a Deus e prevê, pressen-te — por essas premunições interiores misteriosas da graça — que o enlevo haveria de crescer em sua alma a ponto de lhe tirar a vida. Então, sentindo que a morte se aproxima, ela a saúda como uma libertadora que lhe romperá o cárcere do corpo, permitindo-lhe, afinal, tocar nas paragens magníficas onde se encontra Deus Nosso Senhor. Ou seja, o Paraíso Celeste, no qual ela espera viver eternamente.

Segundo a idéia essencial da “pequena via”, expressa com meiguice e força por Santa Teresinha, pode-se viver de amor, sob a terna proteção de Deus, mesmo quando nos achamos em meio às piores provações

Fotos: S. Hollmann
Acima, imagem de Santa Teresinha morta – Carmelo de Lisieux, França; à esquerda, pinturas de Santa Teresinha, com símbolos evocativos de sua “pequena via” – Carmelo de Lisieux, França

Viver de amor, morrer de amor: este é o tocante pensamento de Santa Teresinha, expresso em sua bela poesia.

(Extraído de conferência na década de 1970)

1 ) Conforme o pensamento de Santa Teresinha, trata-se da via do reconhecimento da própria fraqueza e da ausência de coragem, de força de vontade para enfrentar imensos sacrifícios. E da convicção de que Nosso Senhor se compadece das almas fracas, pequenas em comparação com a dos grandes santos do passado, assistindo-as com bondade e abundância de graças que suprem nelas as lacunas de dons maiores que a natureza não lhes proporcionou (cf. “Dr. Plinio” nº 91, outubro de 2005).