Dona Lucilia no dia de seu 80º aniversário

No âmbito da vida familiar que lhe era próprio, Dona Lucilia tomava como importante dever o tornar a atmosfera doméstica tão atraente e feliz quanto fosse possível em meio às vicissitudes diárias. E procurava igualmente — recorda-nos Dr. Plinio — conduzir todas as coisas com elevação de alma e espírito católico, tendo em vista a maior glória de Deus.

Quando me lembro das análises que fiz, durante a vida de mamãe, do seu temperamento e modo de ser, vejo que o espírito dela era marcado por uma particular retidão, a qual consistia em ver sempre todas as coisas de frente. Por mais dolorosas ou promissoras que fossem, considerava-as de forma objetiva.

Calma e estabilidade face à vida

Em se tratando de sofrimentos, tomava-os como se apresentavam, com as seqüelas de amarguras que podiam trazer. Por outro lado, aceitava também as alegrias como eram, sem exagerar o tamanho das vantagens que proporcionavam e compreendendo como, nesta Terra, tudo é aleatório e pode, de repente, degringolar e dar em desabamentos.

Desse estado de espírito lhe redundava muita calma e estabilidade face à vida. Mamãe não era dada a grandes ansiedades, vibrações ou, menos ainda, depressões, embora não fosse uma pessoa apática. Aliás, era de um temperamento bem diverso do meu, fleugmático por herança paterna. Ela vivia profundamente todos os acontecimentos, mas a partir de uma certa distância: havia entra ela e os fatos uma camada que os ruídos destes não conseguiam penetrar nem transpor. E mamãe, aquém dos fatos, conservava sua serenidade e seu modo de ser constante.

Recolhida e meiga em todas as circunstâncias

De maneira que, em meio ao vaivém das circunstâncias, ela se mostrava sempre na mesma posição tranqüila, recolhida e meiga. E por detrás dessa atitude tão serena, notava-se um profundo senso do dever. Ao contrário do que imaginam certos espíritos a respeito da vida — para os quais esta é um grande prazer a ser aproveitado até o fim —, mamãe não entendia que a finalidade da existência humana fosse conquistar honras e deleites o mais possível até estourar.

Não. Para ela a vida era um dever a cumprir e um esforçar-se para adquirir um feitio de alma. Claro, há prazeres no nosso quotidiano, assim como há tristezas. Trata-se até de tirar partido dos prazeres para se poder agüentar as tristezas, mas não se deve esquecer que a primeira finalidade da vida é cumprir esse dever e alcançar esse estado de espírito.

Fotos: J. S. Dias / Arquivo revista

Tornava atraente a intimidade doméstica

No âmbito restrito da vida de família, ela considerava como seu dever proporcionar bem-estar, felicidade e elevação de alma ao ambiente, tornando-o atraente para o marido e os filhos, com uma afabilidade e afeto capazes de sobrepujar as más influências do mundo. Além disto, quanto aos filhos, formá-los de maneira a serem perfeitos católicos e cumprirem suas respectivas missões na Terra, habituando-os aos bons valores da tradição familiar a fim de que, por sua vez, eles os transmitissem aos próprios filhos.

Preocupação de subir e aperfeiçoar, por amor a Deus

Alguém poderia indagar: “Dona Lucilia não foi, portanto, uma pessoa que o preparou para a luta pela vida? Não lhe deu ambições e estímulo? O senhor não tinha a legítima vontade de ser um grande advogado e de progredir financeiramente? Sua mãe não lhe deu nenhum desses valores?”

Deu, porém sob o aspecto de um dever, o qual ela nos fazia entender através de diversos comentários e observações que pareciam dizer o seguinte: “Por favor da Providência Divina, nossa família pertence a um bom nível social, e temos obrigação de honra para conosco de fazermos o que estiver ao nosso alcance, de modo honesto, para não decair. Portanto, temos obrigação de trabalhar, de economizar e de nos esforçar para manter a família na posição que corresponde a ela e à tradição dos nossos maiores.”

Entendíamos, assim, que manter aquela elevação era um dever imposto a nós, não por um desfrute ou uma vantagem mundana, mas pela elevação enquanto ideal a ser conservado, e faz parte dessa conservação o subir na medida do possível. Não como um rojão, como um aventureiro, nem por meio de truques e manobras indecorosas ou trajetórias impensáveis de rápidas. Subir por um trabalho honesto, gradual e, se for bastante inteligente e capaz, subir muito. Era uma obrigação para levar adiante o nome da família.

Porém, para ela tudo isso não era o mais importante. O principal é ser católico apostólico romano, autêntico, e servir a Deus. Manter tradições, posição e o nome de família era obrigação secundária, decorrente do serviço e do amor a Deus, como cumprimento de uma vontade d’Ele.

A felicidade numa vida de alma piedosa e simples

Não se tratava, pois, de felicidade, e sim de um dever. A felicidade se acha noutra coisa. Onde?

“Para mamãe, o mais importante era sermos católicos apostólicos romanos e servir a Deus; o resto era uma decorrência desse dever principal

Fotos: J. S. Dias / Arquivo revista
Dona Lucilia aos 92 anos; na página 8, Rosée e Plinio por volta de 1916, com fantasias de “sevilhanos” desenhadas por sua mãe

Segundo a concepção de mamãe, em ter uma vida de alma elevada, piedosa e tranqüila, desfrutando dos prazeres simples, despretensiosos e normais da existência. A felicidade não está nas grandes festas, mas na boa ordenação da vida quotidiana. A felicidade não está nas grandes viagens, mas no bom aproveitamento dos lazeres comuns. A felicidade não está nas grandes fortunas, mas em conferir um significado espiritual e moral ao gozo do dinheiro que possuímos.

Essa é a verdadeira felicidade, temperante e modesta, experimentada até mesmo no infortúnio, pois quando este se abate sobre nós, desde que não tenhamos culpa, nada de nossa essência foi afetado. Quer dizer, conservamos o essencial: a consciência limpa diante de Deus e uma riqueza de alma que torna a existência digna de ser vivida.

(Extraído de conferência em 24/6/1973)