François Gaston de Lévis - Museu Château-Ramezay, Montreal.

Ao tecer comentários acerca do traje usado pelos cavaleiros no Ancien Régime, Dr. Plinio nos apresenta múltiplos e profundos ensinamentos sociológicos.

Gostaria de tratar a respeito do costume existente entre os cavaleiros do Ancien Régime, de usarem cabelos brancos, pois este ponto é dos mais difíceis de serem entendidos nos hábitos de então. Como isso deve ser analisado?

Cabelos brancos e chapéu de três bicos

É preciso considerar tratar-se de um costume não só dos homens comuns, mas dos guerreiros. Ora, a principal característica do guerreiro é fazer guerra, devendo, portanto, ser um homem de coragem, a qual é uma das características masculinas mais nobres. No campo da inteligência, o mais alto valor é a lógica; mas na vontade, é a força e a coragem: atributos indispensáveis a um guerreiro.

Entretanto, ao analisar o modo de se vestir dos cavaleiros do Ancien Régime, temos a impressão de que nada de seu traje é feito em vista de estimular a coragem ou pôr medo nos adversários.

Em geral, eles utilizavam um paletó, o qual chegava quase até os joelhos, muitas vezes de cores vivas, como um bonito vermelho, adornado de alamares e desenhos dourados, formando uma combinação muito discreta e agradável. Usava-se também um elegante chapéu de três bicos.

O que deve se entender por elegante? Algo dotado de força, grandeza e leveza. Estes elementos constitutivos da elegância estavam presentes neste tipo de chapéu.

Os cavaleiros do Ancien Régime faziam uma síntese entre a guerra forte, e até brutal, com a nobreza. A guerra pode ser nobre, pelo fato de nela o homem desempenhar uma de suas mais belas funções: expor sua vida por um alto ideal.

Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay
Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay

Para notarmos inteiramente como estes eram elegantes, é preciso analisar, antes de tudo, sua forma. Em sua origem eram redondos, até quando um homem teve a boa ideia de levantar duas abas, fazendo um bico; posteriormente percebeu ficar ainda melhor se fosse alçada também a de trás. Desapareceu assim a forma redonda, e surgiu o chapéu de três bicos.

Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay
Cenas e personagens do Ancien Régime.
Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay
Luís XV em traje real – Versailles, França.

O que é mais elegante: o chapéu redondo ou com bico?

Sem dúvida, o com bico.

Para ainda mais lhe realçar a elegância, passaram a adorná-lo de plumas, geralmente brancas.

De uma necessidade, um maior esplendor

Dir-se-ia haver nisto certa contradição, pois a guerra recusa tudo quanto é gracioso. Porém, este traje é cheio de coisas graciosas, elegantes e mimosas. Logo, parece não ser feito para a guerra. Próprio para a guerra é a armadura medieval, com elmos e cotas de malha, deixando o homem praticamente vestido de metal. Aquilo, sim, é para guerreiro. Esta roupa, não.

Este raciocínio será verdadeiro?

Não. O raciocínio acertado é o seguinte:

Na época em que viviam estes cavaleiros não se podia mais vestir armadura de metal, pois a guerra tinha se tornado mais leve com a utilização das armas de fogo, as quais exigiam uma capacidade de deslocamento muito grande. Além disso, contra elas de nada adiantavam as couraças. De maneira que, caso se fosse utilizar um belo regimento de couraceiros naquele tipo de batalha, certamente não se conseguiria alcançar a vitória.

Por sua vez, os medievais tinham armaduras muito bonitas e finas. Mesmo não sendo bordadas e não possuindo sedas, suas armaduras eram cobertas de ouro e de prata, o que vale muito mais do que qualquer tecido. E, mesmo sendo de metal, às vezes, eram adornadas com aplicações imitando os desenhos da seda.

Elegância e força

Por que então se nota tanta elegância num homem que exerce uma função tão forte?

Isso se deve ao fato de haver nos homens daquele período a ideia de fazer uma síntese entre a guerra forte, e até brutal, com a nobreza. A guerra pode ser nobre; por quê? Pelo fato de nela o homem desempenhar uma de suas mais belas funções: expor sua vida por um alto ideal. De tal forma que a guerra era função própria à segunda classe social: a nobreza.

A primeira classe era o clero, pois era a que aproximava o homem de Deus, distribuía os sacramentos e ensinava a Religião. Logo depois vinha a nobreza, a qual era também a classe dos guerreiros. Estes tinham o dever de se sacrificar a fim de desempenhar a tarefa de combater com vigor os adversários da Causa Católica. Seja na Cruzada ou no serviço do rei, eles mantinham a dignidade do reino e a do homem, na força do exercício de sua capacidade de lutar.

A nobreza exige beleza

Mas, como guerrear era uma função nobre, e por isso mais realçada e elevada do que as outras, ela precisava ser conduzida com beleza, pois a nobreza requer beleza.

Isto se dá até mesmo com as frutas. Algumas, dotadas de um sabor excelente, são revestidas de uma casca lindíssima. Tal é o caso do pêssego, o qual, sendo uma fruta de sabor nobre, tem uma cor que parece ter sido tirada do Paraíso.

Tudo quanto cerca a nobreza deve ser dotado de esplendor. Assim, a guerra conduzida pelo nobre precisa ser bela. Por isso, faz-se mister saber conciliar a força guerreira com a elegância e a distinção que deve estar presente em tudo quanto o nobre faz.

Sob este aspecto se compreende o fato desta classe de guerreiro se vestir da forma que descrevi.

Heróis vestidos de renda?

Porém, pode surgir ainda a seguinte questão psicológica: não fica faceiro, e até mesmo um tanto efeminado, o homem trajado desta forma? Não seria melhor ele vestir um macacão? Um homem vestido de macacão não será mais corajoso do que outro cuja veste é ornada de rendas?

A resposta é a seguinte: esses homens eram heróis! E no campo de batalha lutavam com extraordinária valentia! Alguns não lutaram no campo de batalha, pois foram colhidos, de surpresa, pela Revolução Francesa; no entanto morriam na guilhotina com admirável domínio de si, com destemor e desprezo pela morte.

O grande exemplo de Luís XVI

Por exemplo, Luís XVI. Apesar de ser rei, a meu ver, ele não possuía um físico nobre. Antes de morrer, ele foi conduzido numa carreta, acompanhado por um padre, chamado Abbé Firmont. Eles iam rezando juntos, em latim, o Ofício dos defuntos. Quando a carreta chegou próximo à guilhotina onde o rei deveria subir, aproximou-se dele o carrasco com uma corda para prender-lhe as mãos. Luís XVI, sendo um homem hercúleo, segurou as mãos do carrasco e imobilizando-o disse que não queria ser amarrado, pois é infamante morrer de mãos amarradas. A luta prosseguiu por algum tempo, sem que o carrasco o conseguisse dominar. Em certo momento o rei, dirigindo-se ao sacerdote, indagou:

Quando era levada ao catafalco, com as mãos amarradas atrás das costas, devido à irregularidade das tábuas do patíbulo, Maria Antonieta perdeu o equilíbrio caindo sobre o carrasco, ao qual em seguida pediu desculpas. Nota-se neste fato, que além de muita distinção, ela possuía uma coragem digna de um varão.

Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay

Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay
Luís XVI e Maria Antonieta.

M. l’Abbé, o que o senhor pensa disso?

O Abbé Firmont deu-lhe a seguinte resposta:

— Majestade, se consentir em ter as mãos amarradas, seu suplício será mais parecido ao de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O rei então estendeu imediatamente as mãos para serem amarradas.

Quanta nobreza de espírito transparece nessa atitude!

A coragem não exclui a distinção

Para se perceber o grau de heroísmo que tinham os nobres daquele tempo, gostaria de contar o caso, não de um homem, mas de uma senhora que possuía uma coragem digna de um varão: Maria Antonieta.

Esta também teve suas mãos amarradas atrás das costas. Estando com sapatos de salto alto, a irregularidade das tábuas do patíbulo fez com que ela perdesse o equilíbrio, e não podendo apoiar-se com as mãos para evitar a queda, acabou por cair sobre o carrasco, ao qual em seguida disse:

— Desculpe, não o fiz de propósito!

Isto é distinção!

Notável também foi a coragem da irmã de Luís XVI, Madame Elisabeth, a qual foi executada junto com muitas outras senhoras da corte. Por crueldade, decretaram que ela deveria ser a última a ser guilhotinada, para que ela visse cair a cabeça de todas as outras, aumentando-lhe o medo. Permaneceu então sentada, e a cada senhora que passava diante dela para ser guilhotinada e lhe fazia uma reverência, como se estivesse na corte, ela se levantava e beijava-a, dizendo-lhe uma palavra de ânimo. Ao chegar sua vez, ela deitou-se na tábua, com toda a calma, e caiu-lhe a guilhotina sobre o pescoço.

Estas são provas de que, sabendo aliar a coragem com a elegância, a primeira não perde nada com a segunda.

Duque de La Rochefoucauld

Lembro-me também de outro nobre desse tempo, o Duque de La Rochefoucauld, membro de uma das melhores famílias da França. Sendo reconhecido na rua pela populaça que começou a atacá-lo, ele puxou sua espada e começou a esgrimir com todos. Ele era um homem tão forte que pegava os homens e jogava-os ao ar, enquanto outros se atracavam a ele, até um momento que lhe furaram os olhos; mas, mesmo sem ver e com o sangue correndo-lhe pela face, ele continuava a lutar. Porém, sendo o número dos que o atacavam muito elevado, acabaram matando-o. Mas, morreu depois de se ter defendido como uma fera! Pois bem, este foi um homem que usou este tipo de traje a vida inteira.

Fotos: G. Kralj; Wikipidia; F Boulay
Plinio trajando uma fantasia de marquês, por ocasião do carnaval, provavelmente, no ano de 1915.

Jovem de cabelos brancos

Outro ponto que certamente não deve ser bem compreendido é a cabeleira branca. Pode-se dizer que para o estado de guerreiro não convém a velhice, mas sim a juventude. Por isso, o fato de um homem, na força de sua juventude pôr a cabeleira de um velho para lutar, parece um paradoxo sem cabimento.

Um rei de cabelos brancos bem se compreende, pois ele envelheceu na direção do país, por isso é algo muito respeitável.

Porém, qual é a razão para um homem forte e ainda jovem usar cabelos brancos?

A beleza em seu auge causa impressão de irrealidade

A isso se responde o seguinte: Quando o ornato é muito bem escolhido ele dá a impressão de algo acima da realidade. Ora, não atinge o auge da beleza aquilo que está inteiramente posto na realidade. Pois, este auge sempre dá ao homem a impressão de ser algo um tanto irreal. Isso não se aplica só aos trajes, mas também aos panoramas. As paisagens mais belas são as que causam a impressão de irrealidade.

Por exemplo, os panoramas da Suíça, dominados por montanhas que parecem feitas de cristal. Na realidade não são de cristal, mas apenas estão cobertas de neves eternas. Os lagos azuis dão a impressão de estarem cheios de safira líquida. As casinhas que o circundam parecem ter sido dispostas por uma fada saída de um sonho de criança.

O próprio Pão de Açúcar tem algo de irreal. Não se trata de uma irrealidade enquanto sonho, mas sim outra ordem de irrealidade, a qual está muito relacionada à saudade que o homem tem do Paraíso, e à esperança que tem do Céu. Assim, ao ver algo mais próprio ao Paraíso do que da Terra, encantamo-nos sobremaneira.

A beleza na irrealidade dos cabelos brancos

Como isso se aplica aos cabelos brancos que usavam os cavaleiros?

Os cabelos brancos num ancião indicam propriamente a velhice. Mas, quando usados por um jovem, causam a impressão de irrealidade, de graça e de leveza. Mesmo porque não é meramente branco, mas sim um tanto prateado. Geralmente usa-se peruca para dar à orla entre o cabelo e a pele o desenho que melhor convém ao rosto. Usada deste modo, ela pode parecer não ficar bem. Porém, com a finalidade de projetar a pessoa numa certa irrealidade, ela tem outro sentido, este muito razoável.

A bela invenção dos cabelos brancos foi feita com vistas a adornar e revestir de certa irrealidade os nobres quando andavam na corte ou nas ruas. Mas, será que eles deveriam na hora do combate jogar fora a cabeleira branca, aparecendo com os cabelos naturais, despojando-se assim da grandeza na hora mais nobre de sua vida, a de abrir o peito e expor-se a morrer?

Tudo isso justifica os trajes e os cabelos brancos desses varões.

Os perigos do ornato

Ainda há um ponto a ser considerado.

A natureza humana, decaída pelo pecado original, facilmente abusa dos ornatos; e, enfeitando-se muito, acaba por não deixar lugar ao sobrenatural, a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Religião, dando margem a que, de repente, tudo degringole para o lado errado.

Se analisarmos os bisavós destes cavaleiros, veremos que eles usavam fardas de mosqueteiro e outros uniformes magníficos. O mosqueteiro usava uma espécie de escapulário grande no qual estava bordado uma cruz dourada, com raios no peito. Estes símbolos religiosos, que já eram usados pelos guerreiros medievais, davam equilíbrio ao conjunto.

Pouco tempo depois, o que se passará a notar nos trajes é uma neutralidade religiosa, acompanhada de mera preocupação pela elegância. Assim, esses homens estavam sujeitos a, subitamente, cair para o outro lado, fazendo com que tais ornatos tomassem o lugar da combatividade e da coragem indispensáveis a um cavaleiro.

Não devemos por esta razão atacar o que isso tem de bom, mas sim devemos compreender o que lhe falta para atingir o perfeito equilíbrio.

(Extraído de conferência de 2/9/1989)