Dona Lucilia no ano de 1906

O mundo moderno, por vezes, não compreende a prática de alguns opostos harmônicos, tais como: grandeza e bondade, alegria e seriedade, beleza e praticidade.

Dona Lucilia sabia coadunar em sua alma duas belas atitudes, aparentemente difíceis de conviverem juntas: a suavidade de trato e a firmeza de princípios. Dr. Plinio, numa conferência, descreveu como isso se dava nela.

Mamãe era uma pessoa eminentemente pacífica. De uma paciência, de uma doçura e de uma suavidade que eu não conheci em ninguém. Mas ela era muito clara e firme em seus princípios: O que é, é! O que não é, não é!

Habitualmente, o estado de espírito dela era de muita bondade, de muita condescendência. Mas se alguma coisa não corria bem, ela mudava seu modo de ser e opunha uma barreira, tranquila, mas inquebrantável!

Digna descendente de portugueses

Agora, se alguém tentava forçar a barreira, ela sabia dizer não! Mas, como é natural, tudo isso muito mais na linha portuguesa do que espanhola. É natural…

Há um provérbio português que diz: “Quem puxa os seus não degenera!” Ela era direta descendente de portugueses do Porto. Eram portugueses que vinham para o Brasil e casavam-se com outros descendentes de portugueses. Era tudo Portugal. Ela possuía, portanto, este modo de ser, com toda a afabilidade portuguesa, toda a doçura portuguesa, que às vezes não é muito reconhecida! Mas é uma coisa que existe e é muito notável.

Esse modo de ser suave, pode ser percebido, por exemplo, nas canções populares de Portugal, diferentes das canções populares da Espanha, de que eu gosto tanto.

Entretanto, meu pai era um homem ainda muito mais pacífico do que ela! Não tem comparação!

Os dois morreram muito avançados em idade, ele com 84 e ela com 92 anos. Tiveram, portanto, um longo tempo de casados. Eu nunca ouvi um dizer para o outro algo desagradável ou indelicado. Nunca vi uma desavença entre eles!


Dr. João Paulo, Dona Lucilia, Plinio e Rosée em Paris no ano de 1912

Senhora espanhola

Às vezes ele dava uma opinião meio modernosa, qualquer coisa assim. Ela dizia que não concordava, e discutiam o assunto, mas no terreno das ideias. Quando a discussão chegava a um certo ponto, ela dizia: “Mas, João Paulo, não pode ser” etc., e se entesava!

Como ela descendia de uns vagos antepassados espanhóis do tempo em que o Brasil e Portugal estavam unidos à coroa da Espanha — vieram muitos espanhóis morar em São Paulo — ele sabia disso, e me dizia: “Hiii! Esta senhora espanhola…”

Mas dizia baixinho para não entrar em encrenca. Porque sobretudo o que ele não queria era isso!

Os “pitos”

O modo de Dona Lucilia fazer censuras exprimia muito isto.

Quando eu era menino e fazia algo que não devia, ela me chamava, passava a mão pela cintura, punha-me bem perto dela, com um afeto tal, que eu podia senti-lo até em suas mãos. Ela me olhava com muita seriedade e me dizia: “Filhão…” Eu já sabia o que eu tinha feito…

— Filhão, é verdade que você fez tal coisa?

Ela olhava dentro de meus olhos. Mamãe tinha uns olhos castanhos escuros, mas que nessas ocasiões ficavam quase pretos! Ela repetia a pergunta:

— É verdade que você fez isto?

Eu dizia desapontado:

— Sim, senhora.

— Mas você pensou no que você fez? Isto é censurável por tais e tais razões. Você andou mal, e isto é um defeito dentro de você, tem de acabar com esse defeito. Sua mãe não vai querer bem a você enquanto esse defeito não for corrigido.

Depois que ela percebia que eu estava bem impressionado com aquilo, dizia:

— Você pede perdão a mamãe?

— Peço.

Dona Lucilia no ano de 1968, poucos meses antes de seu falecimento

— Então agora você dá um beijo em mamãe.

Era a hora da reconciliação. Eu a beijava muito afetuosamente, e ela a mim também. Estavam feitas as pazes! Terminado o “pito” eu saía cada vez mais encantado com ela e querendo-a mais bem ainda.

(Extraído de conferência de 21/9/1984)