Além de precisas, lógicas e claras, as exposições de Dr. Plinio frequentemente eram ricas em reversibilidades. Comentando um belo salto realizado por um cavaleiro em Andaluzia, ele analisa o céu, o campo, o cavalo, o cavaleiro, comparando este com o marinheiro e o aeronauta. E afirma que as qualidades do animal equino, transpostas para a natureza humana, definem o autêntico membro do Movimento por ele fundado.

A figura que vamos comentar caracteriza uma pessoa dando um salto a cavalo. É uma das mais belas, fiéis e expressivas manifestações da coragem humana, naquilo que ela tem de mais bonito, que é a capacidade de ousar e de avançar.

Sempre mais cristãos atrevimentos

O ápice da posição da alma humana consiste em crer, não em qualquer religião, mas na única Religião verdadeira que é a pregada pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Quando o homem acredita nas verdades ensinadas pela Igreja, elas projetam uma luz sobre sua alma que o ilumina e o torna capaz, por amor àquelas verdades, de empreendimentos extraordinários. É aquilo que o nosso grande Camões chamava “cristãos atrevimentos”1.

No tempo desse autor português, as esquadras de Portugal cobriam os mares que levavam até a Índia, Japão e China, ou chegavam a pontos ainda ignorados do Brasil. Essas naus eram impulsionadas, em parte, pelo desejo de lucro dos mercadores, que fretavam e organizavam as esquadras; mas eram movidas principalmente pelo anseio de expandir a Fé Católica.

Rama
No centro: A tomada do “Kent” por Robert Surcouf Museu de História de Saint-Malo, França
Botaurus
De baixo para cima: Navios partem da Torre de Belém; combate entre fragata francesa e navios ingleses Museu de História da França, Versailles (França)

Então, Camões desejava que as naus navegassem para sempre mais “cristãos atrevimentos”.

Quando se está em Portugal, é uma beleza contemplar a Torre de Belém, de onde partiam as esquadras, e os reis iam ver, na foz do Tejo, os navios prontos se encherem das respectivas tripulações e partirem para lugares, por vezes inteiramente ignotos, para sempre mais cristãos atrevimentos.

É bonito ver o espírito humano posto nesta impostação da Fé, diante do tremendo desconhecido que era o mar naquele tempo, utilizando uns barquinhos que eram umas cascas de noz, em comparação com os navios mercantes de nossos dias. É belo contemplar o homem neste arrojo, no momento em que ele ousa, empreende e parte.

O cavaleiro, o marinheiro e o aeronauta

Nota-se muito menos essa beleza do espírito, na aeronáutica. Por quê? Porque na aeronáutica, com a parte material do avião e da técnica, devido a certo determinismo que há na máquina, mede-se perfeitamente e limita-se o grau de risco, que passa a ser muito menor do que o dos barquinhos de Colombo ou de Pedro Álvares Cabral.

No barco, é uma beleza ver o homem flutuar sobre as incertezas dos mares e rumar para um alto ponto distante. E esta também é a pulcritude do cavaleiro, quando dá um grande salto a cavalo.

Mas o cavaleiro tem uma vantagem sobre o marinheiro: aquele orienta uma coisa viva, mutável, cuja vitalidade e mutabilidade são governadas por ele. A vitalidade do cavalo depende de uma espécie de domínio, que eu chamaria de psicológico, do cavaleiro sobre o cavalo.

O cavaleiro muito ousado dá ousadia ao cavalo; ele pesa sobre o cavalo, mas ajuda-o a carregar o peso. O cavaleiro e o cavalo formam, por assim dizer, uma só ousadia, uma só força, e participam de um só voo.

Nessa fotografia, vemos o que é este voo do cavalo e, por cima dele, o voo do cavaleiro, de onde vem a impressão de que quase tudo ali é a alma do cavaleiro.

O cavalo constitui uma massa viva maior do que o cavaleiro, mas este, porque tem vida humana, possui mais domínio do que o cavalo. Também o corpo do cavaleiro ocupa uma matéria viva maior do que sua cabeça, mas esta tem a direção e, por causa disso, vale mais do que o corpo. Assim, a parte menor, onde cintila a inteligência, tem a responsabilidade e a glória pelo todo.

Duas ascensões simultâneas

Faço notar alguns pormenores realmente admiráveis.

Temos três elementos: dois que constituem o cenário, e um representado pelo cavalo e cavaleiro. Poder-se-ia dizer que são o contexto e o texto.

O céu da Andaluzia2 é exatamente assim. Não há, portanto, embelezamento por meio de efeitos fotográficos. Se devêssemos imaginar o céu da eternidade, uma das ideias mais próximas seria essa.

Considerem o campo, a terra. É curioso, mas todas as coisas têm uma adequação própria. Sou entusiasta da grama inglesa, cor de esmeralda. Realmente é uma coisa admirável! Entretanto, se aqui houvesse essa grama, não daria certo. Essa vegetaçãozinha tem exatamente a altura que deveria ter; não deveria ser um chão raso, mas também não poderia ser uma grande vegetação. Precisava ser assim, para que, entre este solo e este céu azul, se realizasse este grande feito, fruto da força de alma.

Analisemos o cavalo. Ele está numa posição em que a luz bate nele com uma beleza perfeita, e o ilumina como talvez um artista não pudesse ter imaginado a iluminação. Notem como as formas do animal ficam evidenciadas, a musculatura, toda a força de corpo que faz dele uma espécie de avião de vida, posto nos ares.

À vista dessa luz, pergunta-se: este é um céu matutino ou vespertino? A indagação tem certo interesse, porque em função da resposta pode-se interpretar melhor a cena. Esta fica mais bonita imaginada de manhã ou à tarde?

Barbe-Noire
Dr. Plinio durante a conferência de 3/11/1990

Tenho a impressão de que é o céu da manhã. Há uma vitalidade matutina, uma alegria da natureza toda que desperta, causando a impressão de existir qualquer coisa de um desígnio de Deus realizado, no momento em que o Sol acaba de nascer, as luzes enxotaram as trevas da noite e o dia começa a dominar tudo. Então o Sol sobe, o cavalo e o cavaleiro sobem também. Há, portanto, duas ascensões simultâneas. Dir-se-ia que o cavaleiro está radiante nessa subida de todas as coisas, e de ser o rei da natureza, elevando-se no meio dessa ascensão. É uma coisa bonita.

Alegria de vencer o risco

Outro aspecto a considerar é o risco, porque o salto pode dar errado, e o cavaleiro quebrar a espinha, tornando-se um homem liquidado. Mas ele não está pensando no erro nem no risco. Vê-se que ele previu tudo e sabe perfeitamente o que precisa fazer com o cavalo; possui a alegria de vencer o perigo para o qual já tem a vitória assegurada. Por isso, não tem o medo do risco, mas a embriaguês da vitória.

O cavaleiro tem amarrado ao pescoço um lenço que o vento movimenta. Observem a forma heroica que o lenço toma. A ideia da confrontação com o vento que, por sua vez, faz levantar o lenço como o homem faz erguer o cavalo, o lenço tremulando atrás do cavaleiro; tudo isso dá a impressão do heroísmo, da vitória, da palpitação da glória.

O chapelão dele indica que é um de homem disposto a qualquer aventura.

Observem, agora, a crina do cavalo. Dir-se-ia que ela está tomada por um incêndio frio; a crina suspensa pelo vento parece uma labareda.

Os olhos do cavalo, um pouco arregalados diante do perigo, por ter menos segurança do que aquele que o dirige — o animal só tem o instinto —, entretanto como que está devorando o perigo. Sua boca está meio aberta. Dir-se-ia que ele está com fome de mastigar o risco. Vejam o movimento delicado das patas dianteiras! Ele todo está voando.

Distância psíquica

Em certo sentido, essa foto emoldurada constituiria um quadro que se poderia chamar: “Distância psíquica”3.

Uma pessoa entendida em equitação disse-me que para o cavalo estar em condições de realizar este salto, exige-se dele equilíbrio, boa musculatura e flexibilidade.

Em termos humanos, flexibilidade quer dizer obediência, ou seja, fazer o que o cavaleiro manda. Equilíbrio poder-se-ia traduzir por equilíbrio nervoso; e musculatura por força. Equilíbrio, força e obediência é a definição do perfeito membro de nosso Movimento.

O cavalo obstinado, com “vontade própria” e que encrenca, é de pouco valor, empurra-se de lado; o de categoria é o que “sabe” obedecer. O cavalo nervoso, agitado, incapaz de fazer o que o seu dono manda não vale nada; mas o que executa as ordens do seu dono, porque tem equilíbrio nervoso e força, este é o cavalo autêntico.

São símbolos que Deus põe na natureza para a formação do homem.

(Extraído de conferência de 3/11/1990)

1) Cf. Lusíadas, VII, 14.

2) Região situada no Sul da Espanha.

3) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma calma fundamental, temperante, que confere ao homem a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o cercam.

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