A Revolução ensina um sofisma infame, afirmando que quanto mais respeitamos uma pessoa superior a nós, tanto mais devemos temê-la, porque ela a qualquer momento abusará de sua autoridade para nos impor algo dolorido e injusto. O convívio entre Dona Lucilia e Dr. Plinio, bem como o deste com seus discípulos, desfaz completamente esse sofisma.

As coisas inteiramente naturais, espontâneas, são por vezes difíceis de serem explicitadas. Quando as coisas não andam segundo a boa ordem da natureza, aparecem os problemas impondo-nos a necessidade de cogitar sobre eles e fazendo surgir, assim, as explicitações.

A naturalidade do filho com a mãe

Meu relacionamento com mamãe era tão espontâneo, tudo corria tão naturalmente e tão profundamente, que eu não tinha ideia de que pudesse existir algum problema.

É um pouco como a respiração. É uma coisa tão natural que não apresenta dificuldade. Assim também nas relações de mamãe comigo. Era a coisa mais natural do mundo que corresse de um modo excelentíssimo.

Certa ocasião, andando pela rua, torci o tornozelo e este imediatamente se inflamou muito, tornando-me qualquer passo extremamente difícil. E fui para casa de táxi.

Chegando lá, mandei procurar mamãe e mostrei para ela o que tinha acontecido. Ela preparou um emplastro e prendeu-o fortemente, imobilizando meu tornozelo.

Ela possuía, além de seu quarto de dormir, um quarto de toilette que servia ao mesmo tempo de sala de estar. Mamãe prezava muito esse lugar, porque em certas horas ela gostava de estar lá sozinha.

Depois de ela ter feito o emplastro, com toda a naturalidade arrastei-me do meu quarto e fui para o quarto de toilette dela, onde havia um sofá muito cômodo. Deitei-me no sofá e resolvi, sem consultá-la, o seguinte: “Eu vou passar um bom número de dias sem poder sair de casa. Ficar no meu quarto de dormir é muito cacete. Eu vou ficar aqui.” E implantei-me naquilo que se poderia chamar os domínios dela.

Nem me passou pela cabeça que fosse preciso pedir licença. Se aquilo fosse meu, eu teria agido exatamente como agi. A naturalidade com que ela tomou essa minha atitude foi espantosa também!

Quando o tratamento — que durou cerca de um mês de imobilidade — estava chegando ao fim, um parente disse-me, brincando: “Você não acha que está incomodando sua mãe aí?” Só então me veio a ideia de que minha presença pudesse incomodá-la, do contrário nem me viria à mente.

Abnegação e amabilidade

Isso era assim em todos ou quase todos os domínios da existência, formando um tipo de relacionamento que tem como pressuposto uma mútua abnegação, uma capacidade de dar-se muito grande. Essa capacidade de dar-se já é uma coisa que nas gerações posteriores à minha foi mudando, e hoje em dia quase não existe, simplesmente.

A abnegação tornou-se, hoje, uma coisa tão inverossímil, que a pessoa custa a se convencer de que está diante de um sentimento verdadeiro e não de um gesto de mera amabilidade. Sendo que a palavra “amabilidade” também perdeu um tanto de seu verdadeiro sentido, daquele tempo para cá. Amabilidade vem de “amar”. A pessoa amável é a pessoa apropriada para ser amada, que pode ser amada. É o sentido evidente da palavra.

Assim, a amabilidade é a expressão de um estado interior, de uma disposição nossa para com os outros, que os leva a quererem ter a mesma disposição em relação a nós, constituindo um vínculo de amizade.

Para quem levou a vida na atmosfera das gerações mais recentes, é dificílimo ter esse pressuposto, porque quase não teve experiência dele. Por isso é levado a dizer: “Será que é mesmo? Não será uma mera fórmula de gentileza? Eu não chego a me convencer de que isto seja uma realidade.” Donde resulta uma atitude indecisa diante da posição amável que se toma conosco.

Compreendo muito bem essa dificuldade. E, em geral, quando vejo alguém com uma certa dificuldade de ter a vivência da minha boa disposição para com ele, a minha atitude não deve ser de falar sobre isso, mas de dar a impressão de que não percebi e que, na minha espontaneidade, continuo daquele jeito. Se ele quiser tomar isso assim, tome; se não, à força de paciência e insistência minha, acabará aceitando.

Intimidade e respeito indizíveis

Quem lê as cartas que escrevi a mamãe, nota como eu a tratava com muita intimidade, mas aquela intimidade vinha com um respeito colossal. Eu a admirava a mais não poder e, de outro lado, a venerava, na consideração da superioridade dela sobre mim. Superioridade como mãe, é natural, mas, sobretudo, pelas qualidades morais, virtudes que simplesmente me encantavam, e me punham numa atitude de veneração.

Essa veneração não introduzia nenhum obstáculo ao respeito, que continuava íntegro. Venerava-a, tinha por ela um afeto enorme. Embora o respeito e o afeto sejam sentimentos diversos, e às vezes até podem tomar aparência antitética, de fato se completam. Daí vinha aquele misto de respeito e de afeto que transluz nas minhas cartas.

Acontece que a Revolução ensina nesse ponto este sofisma infame: “Quanto mais você respeita uma pessoa, tanto mais tenha medo dela, porque ela vai a qualquer momento abusar da autoridade que tem sobre você, abusar da sua reverência para com ela, para lhe impor uma coisa dolorida e injusta. A tirania está oculta sob estas palavras: respeito e afeto.”

Sendo, em geral, muito grande a diferença de idade entre mim e meus discípulos, e, ademais, pelo fato mesmo de ser eu o Fundador, decorre daí uma série de autoridades e venerabilidades especiais, podendo acontecer que alguém, sujeito a essa autoridade, fique com um certo temor.

Uma desconfiança revolucionária

Esse temor vem do seguinte preconceito: “Nesse momento, Dr. Plinio parece estar falando com bondade, com afeto. Mas ele é um homem arbitrário e despótico, e a qualquer hora manda-me fazer alguma coisa dura. E, na previsão de que eu não vá gostar do que ele diga, vai mandar com dureza, para achatar qualquer resistência que eu queira opor. Portanto, eu que, de um lado, quero estar sob essa autoridade, pois vejo ser essa minha vocação, de outro, vejo que, pelo temperamento dele, posso ser sujeito a uma injustiça. Fico, então, receoso, distante e com um certo alívio quando consigo me afastar.”

Esse medo deve desaparecer, substituído pela confiança absoluta, fundada nos fatos: “Ao longo de vinte, trinta anos de convívio não ouvi falar de um abuso de poder, de um gesto de autoritarismo orgulhoso e destinado a meter medo. Pelo contrário, os que convivem com Dr. Plinio antes que eu tivesse nascido, e já estavam sob a autoridade dele, não contam uma coisa a esse respeito. Já é bastante para ter confiança que Nossa Senhora me pôs, como mãe carinhosa, em mãos que velem por mim. Portanto, tenho o dever de confiar.”

De fato, no convívio diário procuro estabelecer com aqueles que me seguem, nas menores coisinhas, o mesmo tipo de relacionamento que tinha com Dona Lucilia.

(Extraído de conferência de 23/5/1994)

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