Desde que nossos primeiros pais foram expulsos do Paraíso, a humanidade busca ser feliz. Embora sendo criatura limitada, o homem possui uma sede infinita de felicidade, a cuja noção as pessoas associam, com frequência, o prazer, enquanto relacionam a ideia de infelicidade ao sofrimento e à dor.

É mesmo esta a realidade ou, pelo contrário, a felicidade pode estar presente na dor e não no prazer?

Partindo do pressuposto de que somente o prazer traz alegria, os conceitos de felicidade tornam-se quase tão numerosos quanto são as pessoas existentes na face da Terra, pois cada indivíduo terá seu modo peculiar de conceber o deleite. Contudo, poderiam ser classificados em dois principais grupos os homens que procuram a felicidade no gozo da vida.

Uma categoria de pessoas seria, por exemplo, daquelas que, voltando do trabalho, do colégio ou mesmo de um passeio, chegam à tarde em casa ávidas do pequeno conforto em uma poltrona macia junto à televisão, após um simples, mas saboroso jantar. Na garagem, está o automóvel a garantir a comodidade da locomoção, e no banco, o dinheiro que assegura a estabilidade de uma vidinha sem preocupações.

Para este gênero de pessoas, o homem sacia inteiramente seu desejo de felicidade desde que tenha suficiente dinheiro e saúde para gozar esta vida sem ser perturbado.

Há outro tipo de homens para os quais o trabalho é sempre penoso e o repouso insípido, e a única forma de alegria possível na vida encontra-se no divertimento. Portanto, quanto mais se divertirem, tanto mais serão felizes, pois a fonte da felicidade está na diversão.

E por “diversão” entendem: viajar, ir a cinemas, teatros, lugares corruptos, fazer essas mil coisas que agradam sobremaneira o homem contemporâneo, e às quais ele tende a se entregar sem freios.

Por vezes, a ilusão de felicidade produzida por esse segundo gênero de pessoas leva muitos, cuja vida transcorre na prática da Lei de Deus, a pensar: “Que infelicidade devemos suportar por amor a Deus e por temor do Inferno! Mas, enfim, a vida morigerada, regular, séria não é mesmo uma vida feliz. A felicidade está nas diversões.”

Para nos ajudar a compreender a verdadeira noção de felicidade, Dr. Plinio considerava, em certa ocasião1, o contraste entre dois tipos humanos.

De um lado, um paxá imerso em macias e coloridas almofadas, deleitando-se com o som das ondas que se quebram na muralha de seu palácio. Diante dele, uma mesinha sustenta um narguilé cuja odorífica fumaça ele traga com agrado.

Ao seu alcance encontram-se deliciosas iguarias. Suas roupas, de tecidos leves e cores claras, acariciam e arejam sua pele enquanto agradam seus ouvidos ao roçarem na seda das almofadas. Ele tem absolutamente tudo o que deseja. E assim transcorrem seus dias, em meio às delícias do repouso e da indolência.

Entretanto, por não ter sofrido o que deveria — pelo exercício físico, mental e da vontade — todo o seu corpo e todos os seus nervos ficaram deteriorados. Se ele tivesse lutado e enfrentado dificuldades, ter-se-ia estabelecido em sua alma um equilíbrio físico e psíquico que a mera vida de deleites não traz.

Sem dúvida, ele goza de uma imensidade de prazeres. Será, contudo, um homem feliz?

Imaginemos, agora, outra cena: são três horas da madrugada. Numa pitoresca aldeia da Suíça, todos dormem. Nota-se apenas o bruxulear de uma vela através da vidraça de uma digna e austera residência.

Abre-se a porta, surge um vigoroso alpinista que, ao transpor os umbrais, sente o vento gélido cortar-lhe as faces. Mas ele está bem agasalhado e dirige-se, resoluto, ao sopé da montanha cujo píncaro deseja galgar.

Começa a escalada. A certa altura, contempla extasiado o despontar do Astro-Rei que iluminará seus passos ao longo da árdua ascensão.

Ao meio-dia, ambos — Sol e alpinista — atingem o píncaro. E enquanto os olhos deste brilham de alegria, os raios daquele refulgem sobre as neves circunvizinhas.

Em certo momento, tomado de varonil emoção, o alpinista ouve ao longe, quase como um sussurro, o campanário de sua aldeia a anunciar o Angelus.

Ele tira o gorro, reza e, entoando o Magnificat, glorifica Nossa Senhora, sob cuja proteção inicia a descida.

Ao chegar em casa, está exausto. Toma um banho, alimenta-se, deita-se e desfruta de um merecido repouso após ter realizado uma grande façanha.

Quem é mais feliz: o paxá ou o alpinista?

Aquele que, à maneira do paxá, foge da luta e do sofrimento, torna-se moleirão, e carrega o remorso e a vergonha da preguiça que, nele, transformou-se em segunda natureza. Ele percebe que, sendo mole consigo mesmo, teve violências injustas para com os outros e acabou sucumbindo na impureza por não querer recusar-se o prazer ignóbil que o demônio lhe oferecia. Ele tem vergonha e nojo de si mesmo.

Pelo contrário, quem escala as altas montanhas do sofrimento, das recusas e do heroísmo, quantos sóis vê nascer! Quantas alegrias! Quanta paz de consciência! Quanta certeza da união com Nossa Senhora! Quanta limpeza interior! Quanta euforia no sentir a sua própria força concedida pela graça, à qual ele soube corresponder! Que bem-estar dentro dessa alma! Esse bem-estar, não há fortuna na Terra que o pague!

Em suma, o homem verdadeiramente feliz é o que sabe fazer as grandes escaladas da virtude.

Na presente edição, o leitor encontrará esta importante temática abordada por Dr. Plinio sob diversos e atraentes aspectos.

1) Conferência de 13/3/1976.