Vila medieval de Conques, França

Unicidade, originalidade, turismo, número excessivo de leis, dinastia, autogestão, meios de locomoção rápidos, contemplação, recolhimento, impregnação causada pelo ambiente, Reino de Maria. Nesta conferência Dr. Plinio alinha todos esses temas e faz mais algumas luminosas explicitações a respeito da sociedade orgânica.

As criaturas podem ter analogias, mas nunca se repetem. Isso se evidencia mais entre as criaturas vivas do que entre as inertes, e mais ainda no homem, por ser uma criatura superior às de vida vegetal ou animal.

Originalidades de uma sociedade

Por causa dessa diferença, pela qual cada criatura viva é única no gênero e, portanto, original em alguns pontos, a vida que nela circula é também única e original. E a fisionomia completa, quer da sociedade pequena, quer da sociedade grande, só se apanha na consideração de suas originalidades e de suas afinidades. Tomo aqui o termo “afinidade” como sendo, num sentido um pouco forçado, o contrário da originalidade.

Quando se chega a ter conhecimento, ou a tomar em devida consideração, a unicidade de uma determinada sociedade, captando o que ela tem de único para conhecer as suas legítimas originalidades, e dar a estas todo o espaço que merecem ter na vida, só então toda a riqueza potencial de uma nação floresce, vem à luz do Sol.

Por exemplo, para aproveitarmos toda a riqueza de vida que existe no Vale do Roncal1, é preciso tomar em consideração que cada aldeia tem, dentro da atmosfera desse vale, uma originalidade, a qual devemos deixar florescer.

Dados os efeitos do pecado original na humanidade, a boa ordem exige que se façam regulamentos e determinações que esmagam um tanto algumas originalidades. Acredito que no Paraíso Terrestre não seria assim.

Alguém poderia fazer do Éden a seguinte ideia equivocada: Adão e Eva teriam filhos que seriam a cópia exata deles, e existiria uma sociedade em que todos gostassem do mesmo modo, das mesmas flores, dos mesmos peixes, e das mesmas horas do dia. Não!

Haveria mentalidades medianas que gostariam do Sol do meio-dia, mentalidades noturnas que se encantassem mais com a noite; existiriam todas as variedades em todas as espécies de campos, desabrochando sem contusões.

Turismo e número excessivo de leis

Mas neste vale de lágrimas existem contusões, e a luta contra a Revolução nos obriga, muitas vezes, a combater originalidades dentro das quais se meteu o demônio. Devemos lamentar que isto seja necessário, e é uma razão a mais para, combatendo o mal com energia, poupar avidamente aquilo que possa ser originalidade sadia. Não entra, portanto, qualquer liberalismo dentro disso.

Mikipons
Besalú, Catalunha (Espanha)

Por outro lado, as originalidades não devem ser estimuladas de um modo artificial. Estimular é mais criar condições propícias do que impor um determinado modo de ser.

Por exemplo, não sou muito favorável a que, havendo em certa montanha basca uma festa muito bonita, se coloque o esguicho do turismo em cima daquilo. Imola, liquida! O correto é deixar aquilo florescer, proporcionando para isso as condições, como faz um agricultor que não puxa a planta para cima, mas dispõe os elementos para que ela cresça. Assim também se deve fazer com os regionalismos.

Seria preciso haver um regime por onde fosse dado a essas originalidades se modelarem e se organizarem, em vez de termos perpétuos legisladores que se reúnem nas câmaras para fazerem torrentes de leis que não resolvem nada.

Certo jurista sustentava, no prefácio de seu livro sobre leis, que o velho princípio de que ninguém pode alegar a ignorância da lei é uma quimera dentro de certos Estados do Brasil de hoje, porque há tantas leis que se um homem passasse a vida estudando-as, não teria nem de longe conseguido conhecer todas as leis existentes no País.

Há uma máxima latina atribuída a Tácito que diz: “Corruptissima republica, plurimæ leges.” Quer dizer, quando o Estado é corrupto, as leis se multiplicam.

Acho que a lei é, até certo ponto, o contrário da vida; é o plano da teoria, elaborado sem tomar em consideração para onde as pessoas andam, e com uma ordem: Caminhem por ali! A lei é necessária e não pode ser vista só assim, mas ela facilmente representa esse papel, e precisamos deixar as espontaneidades sadias, dentro da Moral, florescerem, porque esta é a vida. Chamo de vida a movimentação do homem a partir de sua própria unicidade e suas originalidades.

Organicidade e autogestão

O que sustenta uma sociedade é a vitalidade existente em seus vários elementos: as células, os órgãos e os organismos, para me servir novamente dessa metáfora. E a saúde de uma sociedade está no bom relacionamento desses mesmos componentes, o que supõe como elemento indispensável, entre outras coisas, a expansão espontânea daquilo que é legítimo, conforme a Lei de Deus, e único, característico daquele lugar.

Como estou acentuando muito esse lado orgânico, haveria o perigo de surgir o seguinte mal-entendido: Então, a felicidade ideal dos homens seria a autogestão!

Minha resposta é a seguinte: imaginem um organismo humano em que fosse possível desintegrar todas as células e espalhá-las pelo chão. Elas seriam lançadas na morte, porque é próprio da célula não ter esta vida individualista. Ela possui, sem dúvida, uma vida individual, mas sem o vício de separar-se. A célula não é separatista, ela deseja a união, os fatores da unidade como elemento complementar da originalidade. Daí, por exemplo, eu julgar que no Reino de Espanha, por maior que seja o número de “Guipúscoas”2 ali existentes, a unidade da nação é uma necessidade, mas trata-se de uma necessidade complementar desta prodigiosa variedade.

Então, se eu estivesse diante de um movimento de descentralização exagerada, faria a apologia da união, do fator unidade, sem o qual essas variedades davam no caos.

Georg-hessen
Uma das ilustrações do livro “Usos e Costumes de Barcelona”, Espanha

Dentro dessa perspectiva, o Estado não é principalmente um regulador de questões de impostos, de alfândega etc., mas, sobretudo, é um ente que torna possível e conveniente a prática da virtude, contendo como um dos fatores a reta ordenação das almas no plano natural.

Papel da dinastia

Por causa disso, o rei é um símbolo que se irradia para toda a nação e possui uma individualidade própria, que não é pura e simplesmente uma síntese do país, mas algo de singular a ser estudado e envolve a seguinte questão: Numa sociedade orgânica assim, qual é o papel de uma dinastia?

A dinastia é uma espécie de unidade formada naturalmente, mas não sem uma particular providência; na ordem sobrenatural a dinastia não se mantém sem graças especiais, ela constitui um pequeno todo, distinto do resto do país. Dir-se-ia que há uma patriazinha daqueles que constituem a dinastia, e que engloba as possibilidades de entendimento com todas as “Guipúscoas” e “Subguipúscoas”, como todas as “Castelas” ou as “Catalunhas”.

Todos, olhando para o rei, têm a impressão de que sua região está presente dentro dele, mas ao mesmo tempo com uma sensação de que todo o reino está em cada região, com suas autonomias. Entretanto há algo a mais, meio providencial, meio sagrado, que a coroação ou a posse do rei pelas mãos da Igreja torna mais sagrado ainda, e que contém o futuro; inclui algo que, sem merecer o nome técnico de profético, tem qualquer coisa de profético e é, por isso, o ponto comum de encontro de todos os reinos e de todas as “Espanhas”.

Acontece que as “Guipúscoas”, ou “Catalunhas”, ou “Andaluzias”, ou “Castelas”, olhando para o rei veem-se ali, dentro dele, e contemplam algo que não é ele nem nenhuma das outras regiões; é o ponto da fidelidade delas, porque percebem que, olhando para aquele ponto, elas caminham para a plena expansão de si próprias.

Trata-se de algo elaborado por um processo de seleção natural, acrescido de uma riqueza de alma particular, que faz com que, a meu ver, as dinastias verdadeiras sejam, em geral, mais ou menos como se Deus abençoasse uma árvore para que desse um fruto especialmente magnífico, mas seria uma ação de ordem natural. Assim também Ele pode abençoar uma nação para que dê uma dinastia, a qual é uma espécie de síntese de tudo quanto a nação possui, e dos ideais mais perfeitos que ela deve ter, por onde veja o que ela seria se tivesse anos de progresso espiritual, intelectual e cultural. Representa, portanto, o futuro.

August Muller

Michael Clarke
Comuna de Bidarray, Aquitânia (França)

Alguém poderia objetar: “O senhor está expondo uma ideia deformada da dinastia, ao apresentá-la como sendo o futuro. Ela é o passado, a tradição.”

A dinastia é a continuidade, ela vem do passado trazendo consigo uma imagem que a nação vai realizando gradualmente. Aquilo que a dinastia traz consigo foi um ideal do país no passado, mantido no presente, com os devidos desenvolvimentos inerentes ao progresso da nação, e que contém as sementes do ideal do país de amanhã.

Contemplação e recolhimento

Um tema correlato com esse é que uma sociedade assim supõe um estilo de vida mais contemplativo.

Ao pensarmos em uma sociedade onde as pessoas fossem mais contemplativas, logo nos vem à imaginação uma boa dona de casa que está fazendo tricô ou crochê, e contemplando… O marido dela é um marceneiro que se encontra num edifício ao lado, fazendo cadeiras, e está também contemplando; e todo mundo da cidade contempla, ao mesmo tempo em que efetua suas diversas tarefas.

Seria uma coisa linda, mas que se apresenta como meio irrealizável, pois, no sentido corrente da palavra contemplar, raramente as pessoas contemplam.

Contudo, nos ambientes onde há muita continuidade, as pessoas se impregnam, e essa impregnação é a própria respiração da alma. Nas sociedades antigas, com pequenas cidades e poucos meios de comunicação entre si, com população não tão colossal, os ambientes eram muito mais fixos e a impregnação psicológica muito mais natural e profunda.

Isso levanta uma questão de difícil solução: Então, a sociedade orgânica encontra dificuldades com o trem, a autoestrada, o automóvel, o ônibus, o avião, e tantos outros frutos do progresso tecnológico?

Embora dispondo desses meios de locomoção rápidos, e até aperfeiçoados, a Providência pode fazer com que os homens não tenham a necessidade de viver correndo de um lado para o outro, proporcionando, assim, condições para terem a alma recolhida.

A graça pode tudo e, correspondendo a ela, é possível imaginar que os homens encontrem os meios de não chegarem aos excessos de nossos dias, embora as formas de locomoção proporcionem isso.

Costumo ser muito parco em previsões a respeito do Reino de Maria, exatamente porque acho que supera todas as nossas cogitações, mas é possível que o poder dos Anjos sobre os homens e as preservações da inocência nas pessoas sejam muito maiores, e que esse fator ajude muito a manter em ordem, dentro do progresso, a humanidade.

(Extraído de conferência de 9/8/1991)

1) Situado ao Norte da Espanha, na Província de Navarra. Ver Revista Dr. Plinio n. 197, p. 8-9.

2) Referência a uma pequena província do País Basco, localizada no Norte da Espanha. Ver Revista Dr. Plinio n. 198, p. 23.

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