Há na ponta do espírito contrarrevolucionário alguma coisa que, versando sobre a temática “Revolução e Contra-Revolução”, desvenda uma incógnita sobre o relacionamento humano e entre diversas criaturas do ponto de vista ontológico. Revelada essa incógnita, desvenda-se todo o resto. Fazendo explicitações sobre esse riquíssimo tema, Dr. Plinio tece considerações sobre o corpo místico.

Eu levanto a hipótese – a meu ver, muito provável – de que o Segredo de Maria esteja na explicação de um ponto doutrinário difuso ligado ao “estar em”. Porque, analisando o modo pelo qual São Luís Grignion fala a respeito desse segredo, notamos ser um verdadeiro bimbalhar do conceito de “estar em”, do começo ao fim.

Portal de todas as graças para o Reino de Maria

Quer dizer, Nosso Senhor está em Nossa Senhora, o Divino Espírito Santo na Santíssima Virgem produziu o Divino Menino Jesus. Então, há uma espécie de “estar em” de vários modos e graus que parecem insinuar um altíssimo grau de ligação, de relacionamento possível entre criatura e Criador, transbordante de frutos morais, mas que não pode ser visto apenas do lado dos frutos morais; é transbordante de riqueza ontológica e, para ser compreendido em sua fecundidade moral, precisa ser entendido em sua realidade ontológica.

Tenho a impressão, sujeita ao ensinamento da Igreja, de que a pessoa que tenha verdadeiro senso contrarrevolucionário pode ser beneficiada por uma graça que lhe faça compreender isso, seja por revelação ou porque o Divino Espírito Santo robustece a sua inteligência para que perceba uma determinada realidade.

Há na ponta do espírito contrarrevolucionário alguma coisa que, versando sobre a temática “Revolução e Contra-Revolução”, desvenda uma incógnita sobre o relacionamento humano e entre diversas criaturas do ponto de vista ontológico e, revelada essa incógnita, desvenda-se todo o resto. Aí se encontrará uma verdade riquíssima em graças que será o portal de todas as graças para o Reino de Maria e, eventualmente, a matriz da sociedade no Reino de Maria.

Então seria, ao mesmo tempo, a abertura do Céu com muito mais abundância para os devotos de Nossa Senhora, e o desvendar da ordem perfeita na Terra.

Estar “contido em” é o grande fenômeno que se repete à maneira de uma orquestração sem fim de uns para outros, e cujo verdadeiro conteúdo devemos analisar agora mais diretamente.

Relacionamentos sociais à maneira de órgãos e outros elementos no organismo

O esquema da sociedade de almas se especificando inteiramente no feudalismo dá uma parte muito incompleta desse conjunto de relações, porque há isso: são os indivíduos que pertencem a vários corpos, e não é uma desordem. Eles são elementos de união, mesmo sem querer, pelo natural encaminhamento da ordem de coisas.

Angelo L.
Vista dos Alpes e Lago Léman – Lavaux, Suíça

Há então uma multidão de relações assim com vários corpos desses que possuem um certo gênero de pessoas esparsas pela sociedade. Mas aqueles que estão inteiramente definidos dentro de um corpo têm também, com outros aspectos da sociedade ou outras entidades, relações assim. De maneira que essa relação feudal não é tão absorvente quanto parece, mas transborda de riquezas de toda ordem, cuja vida total constitui uma sociedade.

Esses relacionamentos sociais assim constituem, dentro da sociedade, algo à maneira de corpos ou órgãos no organismo. Depois, há também no organismo elementos que não são propriamente órgãos: membranas, vasos sanguíneos, músculos, nervos, etc., indispensáveis no organismo.

Portanto, o organismo não é constituído só de órgãos, mas é o inter-relacionamento riquíssimo de tudo isso que faz o total do organismo. E num órgão de um organismo encontraremos que, de pessoa para pessoa, há outras relações que se repetem assim dentro daquele organismo.

Flávio Lourenço
Irmã da Caridade recolhe um bebê abandonado – Museu de Jaén, Espanha
Flávio Lourenço
Frade carmelita em sua cela – Museu de São João da Cruz, Úbeda, Espanha

Por exemplo, em uma família muito numerosa, com muitos ramos, haverá, por um movimento natural, pessoas que não estão muito definidamente ligadas a todos os ramos. O indivíduo casou-se com uma prima de tal ramo, o filho dele vai se casar com uma prima de outro ramo, ele “borboleteia” por aqueles ramos sem pertencer definidamente a nenhum, e pode ser até que todos saibam que ele é parente e ninguém sabe bem exatamente como e de quem. Eu já vi situações assim. Isso pode dar-se e constitui essa riqueza total.

Símile natural de um corpo místico

Poder-se-ia perguntar: o que vem a ser um órgão dentro disso e no que ele se diferencia do organismo total? De outro lado, o que é aqui uma coisa que seria, no plano natural, semelhante a um corpo místico?

Dir-se-ia assim: um órgão é uma parte, um elemento de um organismo que funciona de tal maneira que ele constitui um organismo dentro do organismo, ao mesmo tempo dependente e autônomo. Aliás, nisso está propriamente a relação feudal.

Nós podemos então dizer o que é o símile natural de um corpo místico. Isso ocorre quando, em ponto pequeno, um número de pessoas se constitui em torno de algo com tanta força constitutiva, que a tônica das vidas delas se passa em torno disso e domina as relações entre elas. Este é o ponto-chave. Serão vinculações naturais de parentesco, grupos que se constituem, Ordens religiosas.

Mas quando as tônicas se constituem em algo, aquilo forma suas interdependências próprias. Embora não seja concebível a não ser dentro do organismo, aquele órgão já constitui uma imagem incompleta do corpo místico.

A imagem completa do corpo místico é a nação. A totalidade das modalidades possíveis de relação de alma está incluída num circuito que se diferencia de outro circuito. Essas são as verdadeiras fronteiras de uma nação. Assim, há um modo suíço de ser que faz da Suíça uma coisa inteiramente heterogênea, mas totalmente unida.

Importância das Ordens religiosas

Eu gostaria de acentuar um pouquinho a importância das Ordens religiosas. A Ordem religiosa, que já mergulha e emerge no sobrenatural, tem necessariamente uma realidade natural. Ela fica fortificada pelos dois campos: é uma realidade natural e sobrenatural.

Tenho a impressão de que, com a devida reverência, muitas das congregações fundadas nos últimos anos não tinham realidade natural nenhuma. Ainda quando quisessem ter uma realidade sobrenatural, lhes faltava certo suporte da realidade natural.

Houve um surto de congregações no século XIX, mas ocorreu um fenômeno triste que é o seguinte: as congregações se formavam, tinham um fundador muito provavelmente santo, estatutos, patrimônio, enfim, tudo. Mas depois do primeiro voo do fundador, por falta de correspondência, aquilo morria. Então a Providência ia suscitando outros fundadores de cá, lá e acolá.

Nós temos aqui uma coisa característica. Quer dizer, tem uma certa coesão no plano natural e outra no plano sobrenatural. Então, o que é um corpo místico em comparação com isso?

Gabriel K.
Cidade de Alton, Inglaterra

Quando uma entidade assim se forma, constitui-se um certo imponderável de caráter muito preponderantemente psicológico. Esse imponderável resiste a vários renasceres de dentro de si mesmo, e sempre com uma certa continuidade. E está, no plano natural, para o conjunto das coisas naturais, como a graça para a alma do indivíduo. É uma espécie de imponderável, de força, de princípio que se desprende da própria coisa e que forma a alma, a psicologia da coisa. E que está para a coisa num papel parecido com o da graça para o indivíduo. Apenas que a graça vem de Deus, e isso aqui é uma emanação da coisa.

Angelização das possibilidades do homem

Por exemplo, o espírito britânico para o Império Britânico. O espírito britânico é uma evolução histórica de mil circunstâncias psicológicas do Império Britânico. Esse espírito está para toda a vida britânica como a alma para o corpo, e numa relação parecida com aquela com que a graça está para o indivíduo também.

Nós devemos, na graça, distinguir as operações habituais das excepcionais. As operações habituais da graça, quando se quer introduzir alguma coisa com ordem à vida sobrenatural e ao apostolado, é uma participação criada na vida de Deus.

Então a graça habitualmente trabalha tomando em consideração essa anatomia e fisiologia dos corpos naturais, dando a isso uma realidade sobrenatural inteiramente dela e que passa a ser o principal.

Assim, a força da graça projeta a vida do homem quase para a região dos Anjos. É, então, uma espécie de angelização nada utópica das possibilidades do homem, que o conduz a uma elevação da qual temos dificuldades de fazer uma ideia e que encontra a maior dessas elevações no Reino de Maria.

(Extraído de conferência de 8/8/1984)