Luis C.R. Abreu
Sagrado Coração de Jesus Convento da Luz, São Paulo

Dona Lucilia era uma espécie de reflexo de uma beleza incomparável de Nosso Senhor, a Quem amava apaixonadamente. Olhando para ela e percebendo como adorava o Sagrado Coração de Jesus, se compreendia que Ele era digno de todo o amor, e se passava a participar da adoração dela para com o Redentor.

Está no espírito do homem que ele, mesmo quando muito indolente, muito preguiçoso, muito sem paixão, seja apaixonado.

Atitude do homem ao sentir que algo do qual ele gosta está ameaçado

Por exemplo, um indivíduo muito preguiçoso que se levanta de manhã sem vontade, vai trabalhar com mais horror ainda, volta para almoçar e quereria passar o dia em casa dormindo. É um homem mole e, portanto, na aparência sem paixão, dir-se-ia não ser capaz de um amor apaixonado.

Mas quando se examina a fundo essa situação, percebe-se que ele tem um amor apaixonado à inércia, à preguiça, e se alguém o procura para fazer trabalhar e sair da preguiça ele pode ficar uma fera.

De onde se vê que até o homem, na aparência não apaixonado, tem a sua mente feita de tal maneira pelo Criador que ele de fato possui paixões. Nesse caso uma paixão péssima, a preguiça.

Eu me lembro, no meu tempo de infância, de um companheiro muito preguiçoso. Mas quando se tocava em algum ponto que o melindrava, ele se apaixonava. E, apaixonando-se, naquela matéria revelava uma capacidade de reação, embora se julgasse não ser ele capaz de absolutamente nada.

A paixão é algo de unitário existente no mais fundo da psicologia humana, o qual o homem ama mais do que todo o resto, porque todas as suas apetências se dirigem para aquilo. E o ama apaixonadamente quando tem clareza de noção de que aquilo de que ele gosta e, sobretudo, sente, está ameaçado. Aí a paixão pode pegar fogo e fazer um homem mole como uma arara ser capaz de voar como uma águia.

Como amar a Deus apaixonadamente

Como fazer com que nossas almas se voltem para Deus de modo a amá-Lo apaixonadamente?

É da seguinte maneira:

Arquivo Revista

O homem, pelo princípio da semelhança, tem o desejo de conhecer e entrar em contato com pessoas que possuam uma alma semelhante à dele. E quanto mais a alma é semelhante, tanto mais ele gosta daquela pessoa. E se essa semelhança é notável, pode dar num verdadeiro entusiasmo, numa amizade modelar, de modo que um encontra no outro uma espécie de identidade com o ideal que ele mesmo tem. Então, ambos se estimam.

A pessoa que tem a noção do ensinamento da Igreja Católica sobre o Sagrado Coração de Jesus, conhece boas imagens que lhe proporcionam uma ideia de como Ele possa ter sido, percebe ser o Coração de Jesus feito para que todos se apaixonem por Ele. Porque, como Nosso Senhor possui todas as perfeições, todos os homens podem encontrar n’Ele o seu modelo divino e a perfeição que gostariam de ter, e de manter com Ele relações cotidianas.

Luis C.R. Abreu

Então, a pessoa que tem a felicidade de conhecer a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Qual no trato com ela a faz notar quanto Ele é o seu arquétipo, a sua plenitude, e como o indivíduo que não O conhece é nada, uma poeira, aquela pessoa naturalmente se volta para o Coração de Jesus com amor apaixonado.

“O Coração que tanto amou os homens e por eles foi tão pouco amado”

Foi o que eu conheci em Dona Lucilia.

No teto da Igreja do Coração de Jesus, em São Paulo, está pintada uma cena de Nosso Senhor dentro de uma capelinha, aparecendo em meio a umas nuvens sobre o altar, e dirigindo-Se para uma freira ajoelhada aos seus pés, Santa Margarida Alacoque, uma camponesa francesa a qual se fez religiosa e que, em consequência, tinha uma cultura e uma inteligência maiores do que uma camponesa comum.

O Divino Salvador lhe mostra, no seu peito aberto, o Coração d’Ele, com um gesto muito bonito, de um rei ostentando a sua condecoração, e diz: “Minha filha, eis aí o Coração que tanto amou os homens e por eles foi tão pouco amado!”

É a censura que Nosso Senhor faz, porque Ele ama os homens com amor infinito, e os homens O amam tão pouco.

Ao fitar a freira, Ele olha o gênero humano; Jesus tem pena dela como tem pena de todos os homens. E cada pessoa que olhasse para Nosso Senhor, contemplasse a Alma d’Ele, teria uma compreensão perfeita de que o Redentor a ama de tal maneira a esgotar todo o desejo de ser amado que num homem possa haver.

Naturalmente isso não é assim com a amizade terrena, na qual há apenas uma magra analogia com isso. Mas na amizade entre Deus e os homens isto é assim. O Criador olha para os homens com esse transbordamento de afeto, que eles queriam receber da parte de todas as pessoas que os conhecem, e viver inundados desse afeto.

Assim é que eu via como Dona Lucilia amava o Sagrado Coração de Jesus.

Muitas vezes eu ia assistir com ela à Missa na Igreja do Coração de Jesus; ajoelhava-me ao seu lado, é natural. Eu percebia que mamãe rezava para Ele sem estar olhando para cima, pois seria uma coisa sem muito propósito, mas tendo em mente aquele quadro e a realidade representada por ele.

Juan R. Cuadra (CC3.0)
Maquete do Templo de Jerusalém – Museu de Israel

Quer dizer, a serenidade, a elevação, a tranquilidade, a santidade superior a qualquer louvor, mas também a compaixão, a paciência, o desejo de favorecer, de afagar a cada pessoa, que havia em Nosso Senhor, fazendo com que Ele, por assim dizer, absorvesse cada criatura humana.

Tocante comparação empregada por Nosso Senhor

Vemos no Evangelho uma expressão disso que considero lindíssima.

Nosso Senhor, acompanhado pelos Apóstolos, caminha ao Horto das Oliveiras, onde Ele ia iniciar a sua Paixão que O conduziria até à Morte. Em certo ponto, onde se via muito bem a cidade e o Templo de Jerusalém, pararam e os discípulos começaram a comentar entre si como era bonito o Templo. Jesus Se pôs a chorar e eles perguntaram por quê. E aí vem a expressão tocante.

Ele disse: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos como a galinha faz com seus pintainhos, mas tu não o quiseste! Agora vai cair sobre ti a desgraça, o castigo” (cf. Lc 13, 34).

Essa comparação empregada por Nosso Senhor, mostrando que Ele nos ama como uma galinha preza os seus pintainhos e os quer receber debaixo de suas asas, é tocante.

Não há amizade humana que se exprima nesses termos; nela não acreditaríamos. É grande demais para o coração do homem, mas não para o Coração de Jesus.

Então, o mais vil, o mais pecador, o mais inferior dos homens, sabendo que ele é amado assim por Nosso Senhor, fica agradecidíssimo, com vontade de estar junto com Ele o tempo inteiro para se regenerar, para se tornar como Jesus e amá-Lo como um reflexo do amor com que o Redentor o ama.

Aí se dá aquela junção de almas propriamente ideal, a qual faz com que os homens possam sentir tranquilidade e esperança.

Flávio Lourenço
Divino Cativo – Santuário de Nossa Senhora da Cabeça, Andújar, Espanha

A alma de Dona Lucilia era uma espécie de reflexo de Nosso Senhor

Eu via que Dona Lucilia tinha isso em alto grau. Pela Revelação, mamãe conhecia com perfeição como era o amor de Nosso Senhor a ela, e o retribuía com um amor parecido com o amor d’Ele. De maneira tal que ela possuía uma confiança sem limites na misericórdia d’Ele, pedia-Lhe perdão por si mesma, porque toda criatura humana tem defeitos, e também por aqueles a quem ela amava, e até por aqueles que não a amavam, mas a quem ela queria fazer bem.

Isto tudo fazia da alma dela uma espécie de reflexo de Nosso Senhor de uma beleza incomparável, propiciando amar a Jesus apaixonadamente, quer dizer, acima de tudo, sem comparação com nada, mas de um modo a absorver por inteiro a nossa capacidade de adorar.

Isto se dava em Dona Lucilia de tal maneira que, olhando para ela e percebendo como adorava Nosso Senhor, se compreendia como Ele era digno de toda a adoração, e se passava a participar da adoração dela para com Ele.

Daí vinha também o fato de que ela O amava mais do que tudo no mundo, e O colocava acima de qualquer coisa a que pudesse querer bem.

Se fosse para uma Cruzada, Plinio seria o primeiro a partir

Mamãe tinha um irmão que, em certo momento da carreira política dele, ocupou o cargo de Secretário de Estado em São Paulo. Era o primeiro cargo depois do Governador do Estado.

Quando ele era Secretário de Estado, arrebentou uma Revolução no Brasil e o Governo começou a convocar os jovens para se inscreverem, a fim de lutar contra os revolucionários.

Nesse período ele foi à casa da mãe dele, onde nós morávamos, para o efeito comum de ver a mãe e a irmã. Terminada a visita, ele saiu e minha mãe e eu fomos acompanhá-lo até à porta da casa.

Quando chegamos junto à porta, ele – um homem de boa altura, enquanto ela era baixa – serviu-se disso e, notando que ela não estava percebendo, deu-me uma piscada como quem diz: “Eu vou me divertir gracejando um pouco com ela, e vamos ver o que ela vai fazer.”

Disse a ela:

— Lucilia, você agora precisa preparar-se para um grande sacrifício, porque o Governo está convocando todos os jovens para irem à luta, visando a manutenção do Governo contra os revolucionários; portanto, o Plinio terá que ir também. Você vai ter muito sofrimento com isso, mas não tem remédio.

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Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos

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No que ele dizia havia uma espécie de provocação jocosa, de brincadeira, porque ela possuía um filho só e ele tinha uns cinco ou seis. Ele não falava em mandar os filhos dele, mas em mandar o dela.

Era para agastá-la. Depois, ele era membro do Governo e os seus filhos tinham mais obrigação do que um simples sobrinho.

Ele acrescentou:

— Plinio vai ter que partir e você se prepare para fazer o sacrifício de seu filho.

Ela não percebeu que ele estivesse gracejando. Então, levantou a cabeça e disse:

— Gabriel, isto nunca. Sacrificar meu filho por essas revoluções de políticos em que não há nenhum interesse para ninguém, só para vocês políticos, isto eu não faço.

Eu quieto porque sabia que ele estava brincando com ela e depois ia desfazer a brincadeira.

Mamãe ficou toda entesada, quase até mais alta, e afirmou:

— Você esteja certo de que não farei.

— Olhe, eu estou brincando, falando isso só para amolar você. Mas agora me responda o seguinte: se o Papa convocasse o Plinio para ir para uma Cruzada você o mandaria?

— Aí é tudo diferente, o primeiro a partir tinha que ser ele.

Meio entredentes, para ela não ouvir, ele – que não era católico praticante – disse-me:

— Veja a força da Religião! O que a política não consegue de uma mãe de nenhum modo, a Religião querendo obtém.

Aí ele agradou um pouquinho a ela, todos demos risada e ele foi embora.

Mas o espírito dela se mostrou bem claro. Se era para o Sagrado Coração de Jesus, para Nossa Senhora, para a Santa Igreja Católica, Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus Cristo, tudo. Inclusive um filho a quem ela queria muito bem: vá para a luta! Isto é amar apaixonadamente.

(Extraído de conferência de 5/3/1994)