Arquivo Revista

No convívio com Dona Lucilia Dr. Plinio sentia uma profunda consonância, adaptação e adequação entre seu modo de ser e a própria ordem que havia nela. Ela estava verdadeiramente em ordem com os desígnios d’Aquele que a criou.

O unum na alma de Dona Lucilia

É impossível conhecer Dona Lucilia mais do que eu a conheci, por mais tempo e mais de perto. No convívio com ela, eu pensava: “Devido a qual qualidade de mamãe eu me sinto tão vinculado, tão unido a ela?”

Cheguei à conclusão de se tratar de uma certa forma de seriedade sumamente suave, bondosa, mas que vai até o fundo das coisas, muito objetiva, de quem não quer se iludir com fantasias, vê a realidade como ela é e constrói um sistema, um castelo de concepções sobre esta vida e a outra, como também a respeito da Igreja. Isso, enquanto modelando seu espírito, constitui a mentalidade de Dona Lucilia, formando um unum suave, doce, delicado, fino, fortíssimo.

O que mais me unia a ela era o conjunto dessas qualidades enquanto brilhando no que, metaforicamente, seriam as pétalas e não a corola do espírito dela, ou seja, as múltiplas virtudes às quais se ligava esse ponto central.

J.P. Ramos

A comparação terminaria por ser muito comum, corrente, de uma flor com sua corola e suas pétalas. A corola corresponderia a esse conjunto de qualidades acima mencionadas; as pétalas seriam as várias virtudes individuais: boa filha, irmã, esposa, mãe, enfim, dona de casa exímia. Porém, o elemento donde emanava o perfume, e no qual se firmavam todas as pétalas para constituir um unum, era esse ponto central.

Principal ação do demônio sobre a alma humana

As antipatias ou indiferenças que ela suscitava se davam por causa desse ponto, o qual os espíritos das trevas não querem compreender, mas antipatizam e odeiam.

O demônio não quer que vejamos, numa mesma pessoa, o extremo de afetividade e o extremo de rigidez.

Uma das ações fundamentais do demônio consiste em borrar no fundo dos espíritos a distinção, com inteiro gume, entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio. Antes de introduzir suas bobagens e seus erros, ele começa por apagar essas diferenciações na alma. Há uma culpa em deixar que isso se apague, mas é o demônio quem o propicia.

Essa confusão, Dona Lucilia não a tinha, pois no espírito dela tudo era bem definido.

Em certa ocasião, quando ainda menina, minha mãe foi levada para visitar uma família onde, após o jantar, os convivas se reuniram em torno da mesa para realizar uma sessão espírita. Como as crianças ficavam próximas, ela também ficou.

A sessão consistia em que uma pessoa, munida de papel e caneta, mantinha-se imóvel enquanto um espírito agia sobre ela, utilizando-se de sua mão para transcrever mensagens. E logo no início, o espírito que movia o braço daquela pessoa disse: “Tire daqui a bobinha da Lucilia, como condição para eu falar.”

A presença de uma alma inocente afugenta os espíritos malignos

O princípio é o seguinte: afugenta o demônio o fato de estar presente uma pessoa cuja virtude é muito categórica, muito saliente, e que contraria o defeito dele.

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No caso de Dona Lucilia, a grande retidão, inocência, firmeza, lógica, coerência da alma dela não poderiam deixar de desagradar o demônio, pois este é o espírito da confusão, das trevas e de toda forma de horror. Então, ele ficava muito incomodado de falar na presença dela.

Isso explica bem a influência e a educação transmitidas por mamãe, e o ambiente que ela criava, o qual, era o mais propício possível para essa boa influência.

Aliás, desde menino eu percebi essa ação de mamãe, mais ou menos como uma pessoa percebe que dar esmola é um ato bom, ou seja, com tanta naturalidade que nem se pode dizer propriamente “perceber”, pois isto suporia um esforço para notar algo não facilmente visível. Não se trata disso.

Profunda consonância de alma entre mãe e filho

As mais remotas recordações que tenho dela confundem-se no passado. Porém, há sensações inconfundíveis, por exemplo, quando se foi levado ao colo por uma pessoa e, embora não se lembre mais do jeito de embalar, sabe-se que era parecido com o modo dela exalar o último suspiro. Vemos uma continuidade que nos remete às primeiras origens.

O que eu sentia sempre no contato com Dona Lucilia era uma profunda consonância, adaptação, adequação entre o modo de ser dela e a própria ordem que nela devia haver. Em outras palavras, ela estava verdadeiramente em ordem com os desígnios d’Aquele que a criou.

Decorriam daí duas impressões, confusas no espírito de uma criança, mas já reais. A primeira era: muito desta ordem que vejo nela corresponde a mim também, pela grande consonância que tenho com ela. É explicável, pois sou seu filho. A segunda: há nela alguma coisa de individual que não me é indiferente porque compreendo como é belo alguém estar em ordem consigo. Portanto, tratarei de estar em ordem com aquilo que é propriamente meu.

Eu percebia que mamãe notava isso e reciprocamente se agradava muito, o que formava uma harmonia e um bom contato, dos mais aprazíveis e benfazejos para minha formação de católico.

(Extraído de conferências de 29/6/1981, 10/8/1982 e 31/7/1994)