Mestre de noviços da Ordem Terceira do Carmo, Dr. Plinio buscava estimular seus dirigidos a procurar as riquezas de alma obtidas pela meditação, a contemplação e a vida interior, apanágio dos filhos de Santo Elias. Ei-lo tratando deste tema numa conferência em 1952.

No que consiste propriamente esta meditação, este espírito interior?    A civilização contemporânea, por força da vida trepidan­te que impõe, dos meios de diversão excitantes que criou — como a imprensa sensacionalista, o rádio, a televisão — mantém o homem numa perpétua agitação e fixa constantemente sua atenção sobre fatos novos, não raras vezes sen­sacionais, de uma atualidade candente, logo depois substituídos por outros fatos, e ainda por outros, numa sucessão atordoadora.

Habituado a ocupar-se por esta forma, o homem contem­porâneo sofre freqüentemente de uma superexcitação dos sentidos e da imaginação, e de uma atrofia da razão. Moles­ta-o fixar longamente a atenção sobre um mesmo objeto. A reflexão calma, lúcida, prolongada, parece-lhe fasti­dio­sa. É que fixar a atenção, refletir, são operações que implicam na primazia da inteligência sobre os sentidos. E nós vi­vemos do contrário: do domínio dos sentidos sobre a inteligência.

Por dissipação, entendem os autores espirituais precisamente este defeito. A alma considera constantemente o mun­do, e nunca entra em si mesma, nunca analisa seu próprio interior. Considerando o mundo exterior, ela o faz de modo superficial, contentando-se apenas com as aparências, e não penetrando jamais na realidade profunda das coi­sas, e nem remontando delas para um plano de cogitações mais elevado.

O espírito interior, o hábito da meditação consiste exa­tamente no contrário. O homem é capaz de isolar-se, de privar seus sentidos da embriaguez contínua das impres­sões, das sensações, das vibrações, de desviar, enfim, sua atenção do que é externo, passageiro, superficial, para isolar-se na calma de algum recanto e pensar. Pensar para analisar, para aprofundar, para conhecer melhor a realidade que se lhe apresenta aos olhos na vida corrente. Pensar para analisar o que ocorre no interior de si mesmo. Pensar, sobretudo, para se elevar do plano do contingente, do transitório, do sensível, para as esferas mais altas do estudo da natureza e das causas dos seres.

Esta operação, sem dúvida, é penosa. Pois ela signifi­ca muitas vezes uma verdadeira violência contra os hábi­tos que o mundo atual cria em nós. Mas, se é verdade que o ho­mem é uma criatura racional, não se pode negar que é por meio desta operação que nos tornamos plenamente ­homens, no sentido mais nobre da palavra, pois por ela ­desenvolvemos e firmamos o domínio do mais digno, isto é, da razão.

Até aqui, a meditação foi considerada do ponto de vista preponderantemente natural. Meditações como esta, fa­zem-na todos os que na vida, a qualquer título, se tor­na­ram grandes. Pois sem pensar o homem nada pode produ­zir que tenha valor.

Mas cumpre falar da meditação especificamente religio­sa, como no-la apresenta a Santa Igreja. Esta meditação tem um fim bem definido: considerar as verdades cujo con­jun­to constitui a doutrina católica, e ver todas as coisas, isto é, a si mesmo e ao mundo exterior com ordem a essas verda­des.

O homem moderno padece freqüentemente de uma superexcitação que o distancia da reflexão, da meditação e da vida interior,de que transbordam as almas cheias de virtude e de amor a Deus, como Santa Teresinha do Menino Jesus

Esta meditação, o homem a faz para conhecer, amar, lou­var e servir a Deus, e salvar sua própria alma. É um ato de amor sobrenatural a Deus Nosso Senhor e, por isso, não pode ser feita sem a graça divina.

Sabemos que, sem auxílio sobrenatural de Deus, não somos sequer capazes de proferir piedosamente o nome de Jesus. Toda a vida espiritual depende da graça de Deus e da colaboração da vontade humana. Ora, na meditação é Deus que, pela graça, vai esclarecendo a inteligência e dando vigor à vontade para o conhecimento e a prática do bem. É, pois, um ato de intimidade da alma com o Divino Espírito Santo. É algo que transcende em toda a linha a simples meditação natural, e eleva a meditação sobrena­tural à categoria de um dos atos mais augustos da vida humana.

Esta meditação — di-lo expressamente Nosso Senhor — não é privativa dos homens de ciência. Cada qual pode e deve fazê-la na medida de suas forças. E a história dos Santos prova que muitas vezes as meditações mais profundas foram feitas por pessoas muito ignorantes no sentido humano da palavra, mas cheias de virtude e de amor de Deus.

De outro lado, é a esta meditação que Nosso Senhor fez a mais magnífica das promessas: “Medita nos teus novíssimos e não pecarás eternamente”. A salvação eterna está, para nós, condicionada à meditação.

Não basta, porém, meditar diariamente, em hora certa. É preciso ter o espírito de meditação. Ou seja, é ne­ces­sário que durante o dia, rapidamente, e sobretudo freqüentemen­te, saibamos dar um lance de olhos nas verdades que meditamos, e um ato de amor ao bem que estas verdades encerram. Em sua perfeição, o espírito de meditação deve levar o homem a ter como que uma segunda atenção voltada pa­ra os assuntos que constituem o tema de suas medita­ções, de sorte que, entregando-se embora corretamente a todos os afazeres da vida corrente, possa entretanto, a todo momento, julgar os fatos segundo a doutrina da Igreja, e proceder em conformidade com a Lei de Deus. Quando isto se transforma no homem em uma segunda natureza, pode-se dizer que tem verdadeiramente espírito de meditação.

É bem evidente que, com aplicação, e sobretudo com o auxílio da graça, se consegue para pessoas vivendo no século esse espírito interior. (…)

E o apostolado? Não se diria que a meditação inutiliza o homem para a ação? Não é freqüente ver pessoas que re­zam muito, e não lutam para a Igreja? O que é melhor: re­zar ou agir?

A pergunta equivaleria, no terreno espiritual, a esta ou­tra no terreno material: o que deve fazer o homem, co­mer ou beber? Evidentemente, é preciso comer e beber, rezar e agir.

A meditação bem feita traz por força o espírito de apostolado. E se alguém medita e não é apóstolo — fala-se evidentemente de pessoas que vivem no século e não em uma vida puramente contemplativa — é porque medita mal. E os próprios contemplativos não escapam a esta regra. Pois fazem apostolado, e do melhor. E se um contemplativo não tem zelo pela salvação das almas, pode-se dizer que sua contemplação é mal feita.

Meditar é exercitar-se no amor a Deus e ao próximo. Como pode alguém ter esse amor e ser indiferente a que a glória de Deus seja conspurcada a todo momento pelo pe­cado, e a todo instante as almas exponham a sua salvação?

Na realidade, ser apóstolo supõe, antes de tudo e acima de tudo, meditação. Pois um apostolado sem amor de Deus e amor do próximo não tem sentido, não tem consistência, é mera agitação.

(Extraído do “Mensageiro do Carmelo”, novembro-dezembro de 1952.)