Exposta aos luminosos ósculos do sol, envolta nas sombras de uma nublada atmosfera, ou emer­gindo numa certa penumbra pra­teada romana (que é preciso conhecer para compreender toda a sua beleza), a grande cúpula da Basílica de São Pedro se destaca no cenário da Cidade Eterna. No alto, uma espécie de pequeno mirante se adelgaça até se cobrir de uma esfera dourada, tendo por arremate o símbolo de nossa Reden­ção. É a glorificação festiva da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Cupolone  (assim a chamam em italiano) é como que separado em gomos por largas estrias de pedra, todas elas de uma simetria perfeita, cobertas de uma camada azulada, tendente ao prateado e meio propensa a refletir o céu. Imenso, sob ele se poderia construir um edifício com vá­rias dezenas de andares. Tal é o tamanho interno da Igreja de São Pedro.

À esquerda e à direita da grande cúpula erguem-se duas menores, na aparência sem muita significação. Entretanto, quando queremos compreender a razão de ser de algo ou de alguém, não devemos considerar apenas a impressão que causa por sua atuação e presença. Devemos igualmente imaginar como seriam as coisas se ele estivesse ausente ou se não existisse. Essa é a pergunta que nos importa fazer, diante dessas duas cúpulas pequenas, diminutas imitações do Cupolone . Poderiam alegar que a função estética delas não passa de mero enfeite. Eu digo: são enfeites, mas por que possuem essa capacidade de adornar?

Imaginemos que essas cúpulas menores não existissem. Teríamos logo a impressão de que o Cupolone  esmaga a igreja. Portanto, para a ótica humana, elas como que su­por­tam psicologicamente o peso da cúpula gigantesca, e aju­dam a tornar leve algo que, sem elas, tornar-se-ia por demais pesado.

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Abaixo da grande cúpula, surge o frontispício da Basílica, assinalado por vigorosas colunas. Nele encontra-se a loggia , isto é, o balcão de onde os papas costumam aben­çoar o povo reunido na Praça de São Pedro. Ato que se reveste de brilho e emoção particulares quando se dá logo após a eleição do Sumo Pontífice. Segundo a sapiencial tradição da Igreja, o Conclave se realiza no palácio do Vaticano, a portas fechadas. Os fiéis, conhecendo a hora em que os Car­deais se reúnem para as votações, dirigem-se para a praça e ali permanecem à espera do resultado. De uma pequena chaminé evola-se uma fumaça preta, quando o novo Papa ainda não foi eleito. O povo então se dispersa, desapontado e ansioso. Quando sai branca, uma estrondosa ovação ressoa pelos ares: a Igreja já não está mais órfã.

Após os rituais que se seguem a uma eleição pontifícia — como a escolha do nome adotado pelo sucessor de Pe dro e a obediência que lhe é prestada pelos cardeais presen­tes —, o Papa se dirige para esse balcão. As portas se abrem ante o entusiasmo indescritível do povo: este co­nhecerá, finalmente, a fisionomia do atual Pai da Cristandade. Os carrilhões da Basílica começam a tocar, acompa­nhados pouco a pouco pelos sinos de todas as igrejas de Roma. É a glória de São Pedro que se faz ouvir em toda a Cidade Eterna. Então o Sumo Pontífice dá a primeira bênção urbi et orbi  — para Roma e para o mundo inteiro.

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A loggia e o frontispício triangular, testemunhas de toda essa glória do Papado, olham para a praça, no meio da qual se levanta um enorme obelisco. É um tipo de pedra coberta de inscrições egípcias, que se encontrava originariamen­te na terra dos Faraós. Em monumentos semelhantes costumavam esses soberanos deixar gravados os fatos mar­can­tes de seu reinado e outros acontecimentos do gênero. No alto do obelisco foi colocada uma cruz, que nos faz re­cordar, emocionados, o lema dos cartuxos: “Stat Crux dum volvitur orbis” — enquanto o mundo todo gira, a Cruz permanece de pé.

É muito interessante observar que a arquitetura da Pra­ça de São Pedro foi concebida de maneira a que ela representasse a forma da cabeça de uma chave, que toma contornos a partir das colunatas de Berninni, dispostas em semi-círculo. Habitualmente, no dia de Corpus Christi , o Papa realiza aí a procissão com o Santíssimo Sacramento, acompanhada por uma mul­tidão de fiéis, sob o dobrar dos sinos da Basílica e das igrejas romanas.

O corpo da chave é desenhado por uma avenida de linha retíssima — a Via della Conciliazione — que chega até as margens do rio Tibre. Assim ficam lembradas as chaves de São Pe­dro, a dos Céus e a da Terra, quer dizer, o mando do reino celestial e, indiretamente, do terreno.

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Entre todos os eloqüen­tes aspectos que enriquecem a Basílica do Vaticano, entre a fabulosa pluralida­de das co­res de seus mármores, o reluzimento de seus ouros e a be­leza extraor­di­nária de suas pratas, um ob­jeto sobressai por seu ma­ravilhoso simbolismo: é a fa­mosa imagem de bron­ze de São Pedro. Antiqüíssima, da­tada ainda do tempo anterior à Idade Média, e cujos pés os católicos do mundo inteiro vêm oscular. De tan­tos beijos depositados ao longo dos séculos, ficaram os dedos do pé com­ple­ta­men­te sem saliência. É o poder do amor e da de­di­ca­ção sobre o poder do bron­ze. Os lábios dos fiéis, pene­trados pela doçura da Fé, corroe­ram a dureza do metal…

Num maravilhoso símbolo do poder da devoção cristã, a suavidade dos ósculos dos fiéis corroeu a dureza do bronze secular…