Procissão de Santa Cristina, nos Alpes italianos

Transcrevemos em seguida a parte final do memorando redigido por Dr. Plinio, em 1940, a pedido de um sacerdote vinculado à Ação Católica, para mostrar a necessidade de se utilizarem as práticas consagradas pela ascese cristã.

Meditar é aplicar a inteligência às verdades eternas, para sempre melhor conhecê-las. Aplicá-la, também, ao conhecimento quanto possível exato de nós mesmos, para verificar o grau de correspondência entre aquilo que há em nós e aquelas verdades eternas, e, por aí, deduzir os meios práticos para atingir essa correspondência. Para este último fim é necessária uma aplicação da vontade sobre todo o já meditado, para que se fortaleça no amor do bem e no ódio ao mal, e se proponha a aperfeiçoar-se.

Há vários métodos de meditação, mas entre todos se salientam os que se contêm nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Aliás, o Santo Padre Pio XI recomendou expressamente estes Exercícios aos membros da Ação Católica na Encíclica já citada, nos seguintes termos: “Vivamente desejamos, Veneráveis Irmãos, que se formem pelos Exercícios Espirituais numerosas coortes da Ação Católica. Não achamos palavras para exprimir toda a alegria que sentimos vendo organizarem-se por toda a parte cursos de exercícios particularmente reservados às pacíficas fileiras dos valorosos soldados de Cristo, especialmente aos mais jovens, que numerosos acorrem para travar os santos combates do Senhor, e ali encontram não só a força para melhorar a própria vida, mas bem depressa sentem no coração a voz misteriosa que os chama para o apostolado em toda a sua magnifica significação”.

Pela meditação e leitura espiritual, crescemos e amadurecemos em nosso caminho rumo à santidade

Necessidade da leitura espiritual e modo de fazê-la

Para bem meditar é quase sempre necessária a leitura espiritual, isto é, a leitura atenta e devota de algum livro de piedade, devidamente aprovado pela autoridade eclesiástica.

A leitura espiritual recorda-nos nosso destino eterno em meio às atividades deste mundo, que nos distraem pela sua multiplicidade e urgência; desapega-nos a inteligência e a vontade das coisas terrenas e eleva-nos a sensibilidade, já mostrando-nos as misteriosas belezas da Fé, já movendo-nos pelos exemplos de santidade, ou ainda, dando-nos regras práticas de vida e de devoção. Desta forma, a leitura espiritual deposita em nós os gérmens da perfeição cristã, que hão de ser desenvolvidos e amadurecidos pela meditação, a qual encontra neles seus elementos vitais. Mais explicitamente, é a leitura espiritual que fornece a matéria de nossa meditação.

Entretanto, para ser proveitosa, esta leitura deve ser periódica e freqüente, e cuidadosamente proporcionada aos interesses especiais de cada um, porque do contrário a sua influência fragmentária e esparsa facilmente seria delida pelos agentes mundanos, que atuam quase sem cessar.

Obrigação de estudar a doutrina católica

Para bem meditar é ainda necessário o conhecimento claro da doutrina da Igreja.

Vimos que a meditação versa sobre as verdades eternas. Ora, estas verdades estão contidas na doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, sem a instrução religiosa que nos dê o seu conhecimento claro, não só se poderão perder os frutos da meditação e da leitura espiritual, como também poderá acontecer muito provavelmente que o espírito se ponha a divagar por caminhos escusos, que levam a ilusões perigosas e a erros funestos, com suas conseqüências imprevisíveis sobre a sensibilidade.

Além disso, na doutrina da Igreja se contêm as verdades que são o objeto da Fé. Ora, desde que é a Fé o que caracteriza a nossa profissão de católicos, todos estamos obrigados a conhecer tais verdades em toda a medida de nossa condição e capacidade, pois que ninguém pode crer sem saber no que crê. E será suma ingratidão para com Deus, que nos revelou estas verdades para nossa salvação, não nos aplicarmos a conhecê-las quanto nos for possível.

Este conhecimento deve ser haurido num catecismo mais ou menos desenvolvido segundo a inteligência e o estado de cada um, pois que o catecismo é a fonte autêntica.

Fazer em tudo a vontade de Deus

O fruto próximo da vida espiritual, segundo vimos indicando, deve ser o firme propósito, isto é, o desejo cada vez mais vivo e ardente de servir a Deus e de desapegar-se inteiramente das coisas do mundo. Desejo vivo, porque se propõe empregar todos os meios conducentes a este fim e não desfalece ante as dificuldades e a vista da própria fraqueza, mas está cônscio de seu livre arbítrio, e confia humilde e ativamente na Providência. Ardente, porque se consome no zelo pela glória de Deus.

O firme propósito não quer dizer a promessa de sempre, em tudo, e nas mínimas coisas realizar a vontade de Deus, porque tal promessa não se pode fazer sem uma vocação especial ou graça toda particular, e, assim mesmo, em relação a certos fatos determinados. Mas é a vontade intensa de que isso aconteça o mais breve e perfeitamente.

Exame de consciência: a chave da vida espiritual

Para evitarmos surpresas e auferirmos os resultados positivos da vida espiritual, e, por aí, adotarmos os métodos sempre mais adequados de procedermos para com nós mesmos, é necessário o exame de consciência pelo menos quotidiano.

O exame consiste na inspeção cuidadosa de nossos pensamentos, palavras e obras, dentro de um período de tempo determinado, e na investigação dos motivos e circunstâncias desse nosso comportamento. No exame assim feito está a chave da vida espiritual, pois é pela apreciação concreta do que se passa em nós que se pode atingir a atividade superior e geral de ver, julgar e agir em si mesmo. Além disso, o exame de consciência ajuda-nos a desfazer falsas idéias sobre nós mesmos, leva-nos à humildade e excita-nos o arrependimento.

Também é necessário o exame de consciência para a confissão. Neste particular todos devem ter o seu diretor espiritual, que é a cúpula de tudo quanto se tem dito em matéria de vida de piedade. De fato, praticamente de nada adiantariam todas as recomendações que se vêm fazendo sem a direção de um sacerdote que, por estar muito mais aparelhado pelos seus conhecimentos e graças especiais, sabe indicar os caminhos que seus penitentes poderão seguir com segurança. Se não fosse pela inexperiência dos que se iniciam nas vias da perfeição — inexperiência que os fará certamente errar se não tiverem um guia —, bastaria considerar que a vida espiritual exige que cada um se julgue a si mesmo. Ora, ninguém pode ser juiz, não diremos imparcial, mas objetivo de si mesmo. É preciso, portanto, uma terceira pessoa de grande sabedoria e de virtude inconteste.

Devoção à Santíssima Virgem e à Sagrada Eucaristia

A vida espiritual exige a mortificação, isto é, a guarda cuidadosa dos sentidos, ou não será vida espiritual. A verdadeira mortificação não consiste apenas em nos privarmos dos prazeres ilícitos ou perigosos, mas também daqueles prazeres lícitos que, pelas circunstâncias de fato, variáveis no tempo e no espaço, têm uma certa conexão com a mundanidade. É necessário, ainda, a abstinência dos prazeres, também lícitos, que podem lisonjear as más disposições e tendências desregradas de cada um.

Enfim, todas estas regras de vida espiritual devem encontrar seu complemento indispensável numa dupla devoção, sem a qual nenhum fruto se colheria: a devoção a Nossa Senhora e à Santíssima Eucaristia. Não basta uma só delas, mesmo porque não é possível separá-las, ou já não serão verdadeiras.

A devoção a Nossa Senhora e à Sagrada Eucaristia é indispensável para colhermos os frutos de que tanto necessitamos em nossa vida espiritual

A Santíssima Virgem é a Rainha da bem-aventurança e dos bem-aventurados, e a devoção a Ela é considerada sinal certo de predestinação. Só há um caminho para Deus, que é Nosso Senhor Jesus Cristo; mas só há um caminho para Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Nossa Senhora, a medianeira de todas as Graças.

Onde está Maria, não há temer ilusões, extravios, erros, porque Ela é a inimiga, assim constituída por Deus, do demônio e de suas fraudes (Gen. 3, 15). A devoção a Maria é, ainda, uma conseqüência necessária do Corpo Místico. Pois, “se Jesus Cristo, o chefe dos homens, nasce d’Ela, os predestinados, que são os membros deste chefe, também devem nascer d’Ela inelutavelmente. Uma mesma mãe não dá ao mundo a cabeça ou o chefe sem os membros, nem os membros sem a cabeça; isto seria um monstro da natureza. Igualmente, na ordem da Graça, o chefe e os membros nascem da mesma mãe. E se um membro do Corpo Místico de Jesus Cristo, quer dizer, um predestinado, nascesse de outra mãe que não fosse Maria que produziu o chefe, não seria um predestinado, nem um membro de Jesus Cristo, mas um monstro na ordem da graça” (São Luís Maria Grignion de Montfort, La vraie dévotion, cap. 1, art. 1º, § 32).

Assim, o devoto da Santíssima Virgem encontrará no Coração de Maria o próprio Coração de Jesus, naquilo que este Coração tem de mais amoroso, mais terno e mais compassivo. Ora, onde mais se manifestam as finezas do Coração de Jesus é na Santíssima Eucaristia. Desse modo, a devoção a Nossa Senhora leva natural e espontaneamente à devoção eucarística. E é aí que os membros da Ação Católica encontrarão o alimento de sua vida espiritual, em primeiro lugar na freqüência assídua à Santa Comunhão, depois na adoração também assídua ao Santíssimo Sacramento.

Sem este culto fervoroso à Eucaristia — que só pode ser verdadeiro com o culto mariano, pelo culto mariano e no culto mariano — não é possível a vida espiritual, pois que esta é a assimilação deste sublime alimento, segundo as recomendações dadas. É no Santíssimo Sacramento que reside não só a Graça, mas o Autor de toda Graça, à cuja semelhança se fazem os eleitos, porque fora d’Ele não há bênção nem fruto, nem ressurreição bem-aventurada. A Ele, pois, sejam dadas honra, glória, louvor, adoração, ação de graças, por todos os séculos. Amém.